Há uns meses, durante um jantar com uma amiga com quem eu não conversava há alguns anos, o papo fluiu do trabalho para o casamento, até surgir o tema filhos. Aos 44, como eu, ela foi categórica: “Decidi que não vou ter”. Ser mãe nunca foi um sonho, mas também nunca disse que não seria. Com mais de 40, sei das dificuldades que poderei enfrentar caso decida encarar uma gravidez tardia, mas nunca descartei totalmente a maternidade, e muito disso é por falta de coragem. E por que falta coragem? Porque, ainda hoje, falar "não vou ter filhos" provoca nas pessoas a mesma reação de dizer: "Tenho lepra" (ou sarampo, para ser mais contemporâneo).
Sou filha de uma mulher que se tornou mãe muito jovem. Com menos de 30, dona Neuza já tinha duas, ficou em casa até minha irmã e eu chegarmos à adolescência (com uma diferença de seis anos entre uma e outra), quando, finalmente, pode estudar, trabalhar _obviamente, por trás, disso, existe um contexto machista, com meu pai dizendo que era melhor ela "cuidar das meninas", uma família tradicional, que a preparou para ser dona de casa etc. Em contraponto, minha mãe me educou para ser uma “mulher independente”. Estudo e trabalho deveriam ser prioridade sempre. Engravidar tinha como consequência “estragar tudo”. E assim foi. Acredito que muitas das mulheres da minha idade viveram algo semelhante. Entre minhas amigas de longa data, todas as que são mães engravidaram depois dos 30 _e muitas, muitas mesmo, próximo ou após os 40. Aos 20 poucos, o pior pesadelo que poderia nos acontecer era a gravidez. Eu, pelo menos, era paranóica. Nunca engravidei mas, se tivesse acontecido, não tenho dúvidas de que teria feito o mesmo que muitas amigas na época: aborto clandestino.
O contraponto é que, ao mesmo tempo em que a família temia a gravidez precoce, bastava aparecer o primeiro namorado mais longevo para começarem as cobranças. O meu relacionamento “sério” teve início aos 31. Quando perceberam que tínhamos futuro, começou. A cada almoço, jantar, Natal, Réveillon vinha a pergunta: “E aí, quando vão ter um filho?”, “Ah, ia ser tão lindo ter crianças correndo pela sala!”. Em quase 14 anos de casamento, já ouvi de tudo, de chantagens (“ah, você não vai dar um netinho para sua mãe?”) ao clássico fora da tia na ceia de Natal (“E essa barriga? Tá grávida né?”).
Esse cronograma social, determinando o status “namorou, casou, engravidou” está tão impregnado em nosso inconsciente que essas mesmas amigas da minha geração vez ou outra embarcam nessa expectativa. A partir de uma certa idade, quando você diz que tem uma novidade, a exclamação imediata é: "Tá grávida?!". Quando estava prestes à mudar para Paris, todas as vezes que eu ia dar a notícia, ouvia esse clássico de volta, e respondia: “Não, acho que é bem melhor”. E ríamos a valer, cientes do clichê envolto na pergunta. Faço o possível para ser compreensiva com o tal "ciclo natural da vida" em que as pessoas se conhecem, se amam, deste amor nasce um lindo bebê e todos vivem felizes para sempre. Mas, na prática, esse modelo imposto por uma sociedade patriarcal, religiosa e machista se transforma em tortura para quem não tem nenhuma vocação ou vontade de ter filhos _ou não pode, não consegue, ou quer esperar, whatever!. Eu, muitas vezes, fiquei irritada, não porque não queira ser mãe _como disse, não sou convicta disso_, mas porque a vida não se resume à maternidade. Há muitas realizações maravilhosas que não envolvem ser mãe e quem não tem vontade de procriar tem de ter a liberdade de decidir por isso em paz, sem constrangimento.
Por isso, quando minha amiga falou sobre a decisão de não ser mãe, eu a parabenizei. É preciso ter muita coragem para assumir isso para si mesma e falar sobre o tema com tanta convicção e serenidade. Até por pensar com muito carinho na ideia de adotar uma criança, mantenho o discurso de que “tudo pode acontecer”. E, confesso, ao contrário dessa brava companheira, me falta coragem.