A sueca Greta Thunberg nasceu em 2003 - quase ontem, a gente logo pensa - e sua maior preocupação é garantir se haverá mundo habitável para ela e futuras gerações nas próximas décadas. Por isso, em 20 de agosto de 2018, aos 15 anos, matou aula em Estocolmo para protestar em frente ao Parlamento de seu país. Estava ali, munida de um cartaz de papelão pintado à mão com a mensagem "Skolstrejk för klimatet" (em português, "greve escolar pelo clima"). A Suécia havia passado por um verão impressionantemente quente e cheios de incêndios naquele ano e Greta reclamava da falta de ação de governantes em conter as mudanças climáticas.
Assim teve origem o movimento #FridaysForFuture, que incentiva jovens ao redor do planeta a repetir o ato da garota, toda sexta-feira desde então. Assim também teve origem o ativismo de Greta, que virou missão de vida e hoje a coloca dentro de um veleiro que atravessa o Atlântico rumo a Nova Iorque para uma conferência sobre aquecimento global na sede da ONU, no próximo 23 de setembro.
A viagem incomum - todo mundo concorda que seria mais rápido e cômodo partir de um aeroporto - tem motivo anunciado: a estudante se recusa a andar de avião para não contribuir com a emissão de carbono. O translado deve durar duas semanas e é possível acompanhar a localização do barco em tempo real pela internet.
Única filha de uma cantora de ópera e um ator, Greta, que tem mais de 2,7 milhões de seguidores no Instagram, se tornou o rosto de um movimento, encabeçado por ela mesma, que protesta por medidas emergenciais e extremas (tanto por parte da população quanto de governos e grandes corporações) em nome de uma amanhã possível, e logo sustentável, para a vida humana na Terra. Medidas como a história de não entrar em avião.
Nesse ano de ativismo, a estudante estampou capas de revista (a britânica i-D e as norte-americanas Time e GQ, por exemplo), foi entrevistada pelos maiores jornais do mundo, falou no Fórum Econômico Mundial em Davos -- "Quero que entrem em pânico. Que sintam a mesma ansiedade que sinto todos os dias. Depois, quero que ajam como se a nossa casa estivesse em chamas, porque afinal está", alertou -- e foi indicada ao Nobel da Paz. Sendo a redução de gases de efeito estufa a sua principal reivindicação, foi até Bruxelas em fevereiro apoiar protestos de jovens na capital belga e pediu à União Europeia que redobrasse suas metas nesse sentido. Para se dedicar totalmente à luta contra as alterações climáticas, ela, que é também vegana desde os 12, só vai voltar a frequentar a escola secundária em 2020.
Mas, apesar de seu discurso ter alcançado repercussão internacional e sido validado pela ONU e pelo Comitê Norueguês do Nobel, ele também é constantemente descredibilizado. Na Alemanha, o secretário-geral da União Democrata Cristã (CDU), Paul Ziemiak, e o líder do Partido Liberal Democrático (FDP), Christian Lindner, debocharam da estudante afirmando que uma menina de 16 anos não consegue entender as relações internacionais. E mais: não são apenas políticos liberais e grupos descrentes nas más consequências do aquecimento global que rebatem o ativismo “dramático” de Greta. Há jornalistas que fazem uma espécie de fact-checking a respeito dos seus atos. Houve até quem escreveu que a tal viagem transatlântica não passa de show, uma vez que marinheiros terão que ir de avião a Nova Iorque trazer o veleiro de volta à marina em Plymouth, no sudoeste do Reino Unido.
A garota também é julgada pela forma que se apresenta. As roupas infantis demais para uma jovem de 16 anos, dizem, os cabelos sempre trançados, a falta de expressão, o ar irado, a fala robótica e o discurso monotemático. Quase tudo, na verdade, características da Síndrome de Asperger, um dos transtornos do autismo. A própria Greta admiteque a condição na descrição de seu perfil no Instagram, e já disse que a missão pelo clima a tirou da incomunicabilidade profunda e de crises de depressão.
Em entrevista recente à revista Veja, explicou: “Nunca levei uma vida normal. Solitária, passava meu tempo lendo em um canto. O que mudou é que agora preciso conversar com pessoas, algo que evitava. Meu diagnóstico faz de mim uma pessoa diferente. Isso exerce um papel no meu interesse pelas questões da sustentabilidade. Parecia que ao meu redor ninguém queria saber das mudanças climáticas e da destruição do meio ambiente. Isso me chamou a atenção. Quem tem Asperger possui um superfoco. Consegue se concentrar bastante em um tema. Posso passar horas, dias, fazendo apenas uma coisa. Direcionei minha dedicação a me sentar, ler, compreender. Se fosse igual aos outros, com maiores habilidades sociais, provavelmente teria me organizado em uma associação, um movimento único, algo assim. Mas isso não é meu tipo de coisa porque não gosto de estar com outras pessoas e socializar. Então decidi agir sozinha e, daí, surgiram as greves pelo clima. A partir dessa ação individual é que o assunto ganhou a atenção do mundo”.
A verdade é que não importa o que obcecou Greta em sua missão. E talvez menos importe se ela faz drama ou expõe de fato verdades inconvenientes que ninguém quer ver. O foco que ela trouxe para a forma como tratamos e deixamos tratar o planeta é no mínimo válido. Não que seja inédito o que ela diz, mas ao menos a figura que representa para levantar esse debate, é. E então, por que não pararmos para ouví-la?