David Bowie aparece deitado numa cama de hospital com os olhos cobertos por esparadrapos e dois botões pregados onde deveriam estar suas pupilas. Seu corpo levita, enquanto ele canta “Olhe pra cá, estou no paraíso/ Tenho cicatrizes que não podem ser vistas...”. A imagem registrada no vídeo da canção “Lazarus” é uma despedida. Um testemunho da morte que chegaria em 10 de janeiro de 2016, dois dias após Bowie completar 69 anos e lançar seu último álbum, Blackstar.
Mas Lazarus é também um segundo projeto do cantor e compositor britânico. Com o dramaturgo irlandês Enda Walsh, ele escreveu o musical homônimo, encenado em 2015 na Broadway, e cuja montagem nacional chega agora com Jesuíta Barbosa no papel principal e direção de Felipe Hirsch. Inspirado em O Homem que Caiu na Terra, de Walter Trevis, ficção científica que teve versão para o cinema com o próprio Bowie, em 1976, Lazarus é a fábula de Thomas Newton, alienígena que vem à Terra em busca de água e fica preso aqui, em sua imortalidade.
Estreia de Hirsh no gênero, o espetáculo inaugura o novo teatro Unimed, em São Paulo, no próximo dia 22, reunindo um elenco afiado que inclui ainda Bruna Guerin, Carla Salle, Rafael Primot e Gabriel Stauffer, entre outros, além de direção musical de Maria Beraldo e Mariá Portugal. No repertório, clássicos como “Heroes” e “Life on Mars”, além de faixas de Blackstar, todas interpretadas em inglês.
“Não sou cantor profissional. Fiz algumas aulas para uma cena da série Onde Nascem os Fortes, mas, lá, tínhamos possibilidade de gravar, ajustar em auto-tune etc. Muito diferente de cantar ao vivo. Estou dando a cara a tapa”, conta Jesuíta Barbosa, que fez um teste para integrar o elenco, concorrendo com dezenas de outros atores. “Para mim era importante estar em Lazarus não só por ser meu primeiro musical, e com Felipe Hirsch, como também porque adoro esse movimento inglês que inclui Boy George, Bowie...”, diz ele.
No palco, Jesuíta faz o papel que foi do autor de Ziggy Stardust: do extraterrestre que quer partir, mas não sabe como, e passa dias e noites entediado em frente à TV, numa metáfora à sociedade contemporânea. “O texto vem recheado de nuances que o próprio Bowie propôs, de personagens que ele mesmo inventou, então, acho que é um desafio para gente criar em cima disso”, diz Barbosa. “É também um processo autobiográfico, já que ele sugere um homem que está querendo ir embora, está no fim da vida e quer despertencer desse mundo dos homens e ir para outro lugar”, descreve. “Nessa época, Bowie já sabia que estava bastante doente, ia morrer, mas não contou para ninguém. Ele quis fazer disso criação", conta Barbosa. “Temos a bênção dele.”