Quantcast
Channel: Marie Claire
Viewing all articles
Browse latest Browse all 305965

Aimée Sotto Mayor: revelada a mulher que abalou o coração de Getúlio Vargas

$
0
0
Da esq. para a dir.: Aimée e Getúlio. O então presidente Getúlio (ao centro), Aimée  (à sua dir., acima) e sua mulher Darcy (à sua esq.)  (Foto: Acervo FGV)

Sozinho, no pequeno apartamento que havia sido o seu clandestino “ninho de amor” — conforme ele próprio definira no seu diário particular —, o homem mais poderoso do Brasil chorou as saudades da amante, que partira para sempre. Getúlio Dornelles Vargas, que então governava o país de maneira ditatorial, impondo a censura à imprensa e a perseguição implacável aos adversários políticos, sentou na cama desconsolado, tomou o telefone e ligou para Paris, na esperança de trocar algumas poucas palavras com a mulher que, semanas antes, o abandonara. Em vão.

“Foi-se o meu amor”, “a minha razão de viver”, lamentou ele, com letra trêmula, no caderninho com capa de couro que mantinha trancafiado em uma gaveta de sua mesa de trabalho. Estava arrasado. Os sorrisos que exibia em público — e que se tornaram sua marca registrada, junto com o charuto fumegante e o paletó de linha branco — contrastavam com a angústia que passara a ruminar, em contido silêncio. As dores da alma se refletiam em padecimentos para o corpo. Getúlio somatizou a ausência da amada, entregando-se a um estado crescente de estupor e debilidade física.

Os médicos haviam diagnosticado um caso crônico de aortite, uma inflamação na aorta, a artéria mais importante do organismo. “A velha moléstia progride, acrescida de agudos motivos sentimentais. Mas tudo isso é comigo e, se escrevo aqui, não falo a ninguém”.

O maior de todos os segredos da República chamava-se Aimée. Uma morena alta, esbelta, de olhos verdes, dona de modos refinados. A moça tinha 24 anos quando conheceu Getúlio, em 1931, um ano após este ter chegado ao poder. Ele, a essa altura, já era quase um cinquentão. A considerável diferença de idade era, contudo, o menor dos obstáculos. Tratava-se de um amor duplamente proibido.

A estonteante Aimée Sotto Mayor Sá estava comprometida. Era noiva— e logo viria a ser a futura esposa — de Luís Simões Lopes, oficial de gabinete da presidência da República. Getúlio, por sua vez, era casado havia duas décadas com Darcy Sarmanho Vargas, a primeira-dama, com quem tinha cinco filhos, duas moças e três rapazes. Para preservar a identidade da “outra”, ele a protegeu, mesmo nos seus escritos mais reservados, com o codinome de “Bem Amada”.

Os encontros entre o casal de amantes ocorriam, invariavelmente, à tarde. Depois do almoço, entre uma audiência oficial e outra, Getúlio suspendia a agenda do palácio e corria para os braços de Aimée. Na véspera de estabelecer a ditadura do Estado Novo, em 1937, passou horas com a sua "Bem Amada", mergulhado nos lençóis da garçonière. “Ela é a luz balsâmica e compensadora dos meus dias atribulados”, definia o presidente.

O que de início parecia mais um dos muitos casos fortuitos de um incorrigível mulherengo evoluiu para o quadro de nítida obsessão — “uma paixão alucinante”, nas palavras de Getúlio. Em 1938, ele viajou com a família para uma estação de águas em São Lourenço, Minas Gerais. Levou junto, como convidada especial, Aimée. Lá, não conteve “a força incoercível de um sentimento que me inspira”, segundo descreveu. “É algo mais forte do que eu poderia esperar”. Por algumas horas, os dois desapareceram do hotel para se entregarem um ao outro, em um matagal das imediações. “Levanto-me cedo e vou ao rendez-vous previamente combinado. O encontro deu-se em plena floresta, à margem de uma estrada. Para que um homem da minha idade e da minha posição corresse esse risco, seria mesmo preciso que um sentimento muito forte o impelisse”.

Aos poucos, os imperativos do desejo sobrepujaram as razões da prudência. O caso ameaçou vazar para a opinião pública e Simões Lopes, na condição de marido ultrajado, pediu o desquite. Escreveu ainda uma carta dolorida a Getúlio, comunicando ao presidente que passaria um mês na Europa, para tentar aplacar sua profunda decepção com Aimée. “Desfeito o meu lar, me vi em justificada mágoa, como homem de coração que sou”, explicou. Na mensagem, Lopes não fez nenhuma alusão ao fato de o destinatário da carta ser o verdadeiro motivador de sua desventura conjugal.

Um mês depois da volta de São Lourenço, Aimée decidiu ir embora do Brasil, para se preservar das fofocas que começaram a pipocar nas rodas sociais e políticas do Rio de Janeiro, então capital federal. Sua vida, a partir de então, daria, por si só, um livro. Depois de morar na França, ela iria para os Estados Unidos, onde casaria com o milionário Rodman Arturo de Heeren, herdeiro da rede de lojas de departamento Wanamaker. Em 1941, a então Aimée de Heeren viria a ser eleita pela Time uma das três mulheres mais elegantes e mais bem vestidas do mundo, dividindo o título com a Duquesa de Windsor e com Barbara Cushing, editora de moda da Vogue norte-americana.

Simões Lopes, o ex-marido brasileiro, continuaria a trabalhar como um dos principais assessores de Vargas: foi nomeado presidente do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) e, em 1944, assumiu a direção da então recém-criada Fundação Getúlio Vargas (FGV). Quanto a Getúlio, este jamais esqueceria Aimée. Teve muitas outras amantes. Mas nenhuma o arrebatou. “Vou a uma visita galante. Não tem o mesmo encanto. Foi-se o meu amor, e nada se lhe pode aproximar”, desabafou, certa vez, após um desses numerosos encontros furtivos.

*Nascido em Fortaleza, o jornalista e escritor Lira Neto venceu duas vezes o prêmio Jabuti, em 2007 e 2010. Ele acaba de lançar a biografia Getúlio (1930-1945) - Do Governo Provisório à Ditadura do Estado Novo (R$ 52).


Viewing all articles
Browse latest Browse all 305965