Quem conhecer pessoalmente a norte-americana Piper Kerman não conseguirá imaginar que esta mulher loira, elegante e extremamente educada já se envolveu com o tráfico de drogas e foi condenada à prisão por lavagem de dinheiro e conspiração criminosa. Em 1992, quando era recém-formada e procurava por emprego, conheceu uma jovem chamada Nora e se apaixonou por ela. Estava tão envolvida no relacionamento que não ligou quando a namorada pediu que ela buscasse no aeroporto uma mala com milhões de dólares, dinheiro vindo do tráfico de drogas.
A relação não foi adiante e, dez anos depois, Piper, então uma ex-lésbica, estava noiva do editor de livros Larry Smith, iniciava o seu próprio negócio de sabonetes artesanais e levava uma vida comum. Mas o caso da mala no aeroporto veio à tona e ela foi obrigada a negociar com a Justiça. Declarou-se culpada e foi levada para a prisão de segurança mínima de Danbury, em Connecticut.
O período no presídio, descrito pela própria Piper Kerman como “terrível”, é o tema da nova série do Netflix, “Orange is the New Black”, que acaba de estrear no Brasil. O título é o mesmo do livro autobiográfico escrito por ela (e sem previsão de lançamento no Brasil) - e transformado em 13 episódios nos quais a jovem loira de classe média se vira para sobreviver em um ambiente cheio de dificuldades.
Piper veio a São Paulo e participou de uma rodada de entrevistas com a imprensa para divulgar a atração. Para a Marie Claire, ela contou sobre suas experiências na cadeia e as lições que tirou no período de um ano e três meses sem liberdade:
MARIE CLAIRE: “Orange is the New Black” é uma história autobiográfica. Tudo o que os assinantes da Netflix estão vendo na tela do computador realmente aconteceu ou há situações que são apenas ficção?
PIPER KERMAN: A série é uma adaptação do livro que escrevi sobre a minha experiência na prisão e, por isso, há algumas coisas bem diferentes do que vivi. Por exemplo, há um momento em que Piper, a protagonista, é enviada para a solitária. E eu jamais passei por isso! Há também personagens e histórias que não foram trazidas da publicação para a tela. O que acho mais bonito e importante é que os principais temas que abordei no texto estão lá, como amizade, família, o abuso de drogas, crimes e romances.
M.C.: Como foi exatamente o dia em que saiu de casa e foi para o presídio?
P.K.: Foi muito, muito difícil! Assim como mostrado na série, Larry, que na época era meu noivo e agora é meu marido, me levou até o presídio. Nós nos despedimos e choramos durante muito tempo. Eu estava com muito medo! É até estranho ver como na série esse momento tão terrível foi transformado em uma cena de quase comédia. Fiquei impressionada! (risos). Na vida real foi muito traumatizante.
M.C.: Qual foi o momento mais difícil lá dentro?
P.K.: Certamente quando recebi a notícia de que minha mãe tinha morrido. Também tive conflitos intensos com guardas e jamais esquecerei quando fui transferida para outro presídio. É uma situação muito tensa, porque colocam você algemada em um avião com presidiárias e você fica pensando no tipo de coisa que encontrará neste novo lugar. Fiquei com muito medo!
M.C.: Após tanto tempo convivendo só com mulheres, o que mudou no seu conceito sobre o universo feminino?
P.K.: Fui educada em um colégio de meninas nos Estados Unidos e, apesar de a prisão ser bem diferente de uma escola, eu já estava acostumada a conviver somente entre mulheres. Acredito que eu estava mais bem preparada para esse ambiente do que outras pessoas (risos). No presídio aprendi que a força das mulheres é milagrosa e ultrapassa qualquer coisa que esperamos de nós mesmos. O sexo feminino tem uma capacidade enorme de superar dificuldades e isso foi o que mais me marcou.
M.C.: Ficar na prisão lhe rendeu bons frutos, como o livro e agora a série. O que mais o presídio te trouxe de bom?
P.K.: Apesar da situação terrível, fiz muitas amizades lá. Mulheres que conheci na prisão são minhas amigas até hoje e pessoas muito especiais em minha vida.
M.C.: A vaidade é uma questão muito feminina e dentro da prisão é praticamente obrigatório abdicá-la. Como lidou com essa situação?
P.K.: As mulheres são muito criativas. A prisão tem a intenção clara de desumanizar, e, no caso das mulheres, ter que abrir mão da vaidade é devastador. Você ficaria surpresa de ver como as mulheres têm que brigar para conseguir cuidar dos cabelos, por exemplo. Essa questão individual passa a ser uma questão da comunidade. Então, se uma das presas conhece uma maneira de cuidar dos fios, ela compartilha e ajuda as outras. É em grupo que vamos resolvendo.
M.C.: Você afirmou em outras entrevistas que namorar outras mulheres foi uma aventura da juventude. Como foi ver na tela esse período da sua vida?
P.K.: É muito estranho ver na tela o maior erro que cometi na vida. Não que me relacionar com mulheres tenha sido um erro, mas me envolver com o tráfico de drogas para ficar perto de uma delas foi. E é impossível ver essas decisões que tomei no passado e não pensar o que mudaria, como teria sido de tivesse tomado outro caminho. No entanto, acredito que o mais importante é dizer a verdade sobre você mesmo e sobre a maneira como você vê e está no mundo. E o mais maravilhoso da série é isso: apesar de ter partes ficcionais, mostra a vida como ela realmente é!