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Negras empreendedoras: Dandara Sevilha e as peças de cerâmica da Ímpar Ateliê

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Dandara Sevilha, artista por trás do Ímpar Ateliê, com uma de suas peças de cerâmica (Foto: Reprodução Instagram)

 


Com a precarização do trabalho, jovens se questionando sobre seu lugar no mercado _ou se perguntando o que almejavam_, aumentam as buscas por autocuidado, assim como ampliam-se as discussões à propósito de doenças psicológicas. A cerâmica para estilista e ceramista Dandara Sevilha, do Ímpar Ateliê, está relacionada com um pouco disso tudo. Além de empreender, ela traz para seu trabalho o processo terapêutico, de emancipação financeira e artístico. Em entrevista à coluna, ela fala sobre sua ocupação e dá dicas para inspirar outros que almejam uma mudança de vida e na carreira.

#BlackGirlMagic - Dandara, você pode me falar um pouco sobre seu processo criativo?
Dandara Sevilha -
A cerâmica foi um achado. Estava procurando um caminho e, ao esbarrar com a arte de fazer cerâmica, percebi que podia ser algo importante. Fazer cerâmica me ajuda com problemas como a ansiedade, já que cada peça passa por um processo demorado até ficar pronta. Processos esses que muitas vezes não dependem da gente, mas, sim, da natureza. Após ser modelada, a peça precisa secar totalmente de forma natural antes da primeira queima. As queimas também são fases sobre as quais não temos 100% de controle, já que o item pode estourar dentro do forno, reagir de forma inesperada à alta temperatura etc. Por isso, também tenho aprendido a lidar com frustrações, algo que, para mim, sempre foi difícil, porque nem sempre o produto sai como você imaginou. Com a cerâmica, consigo ainda me conectar às pessoas, aproveitar o melhor delas e entregar o melhor de mim, seja com os clientes ou com os parceiros. São pessoas que entendem a importância do coletivo e da sororidade e as dificuldades de empreender. Mas, acima de tudo, tenho trabalhado minha autoestima. Faço uma peça e sinto orgulho. Vejo que sou capaz de fazer coisas legais, o que é validado por pessoas que gostam e acompanham meu trabalho. Então, a cerâmica tem sido uma terapia, um aprendizado, um hobby, um trabalho. Tem ajudado a enxergar e aceitar a pessoa que sou hoje, com todas as falhas e potencialidades, e a me construir como a pessoa que eu quero ser.

Fazer cerâmica me ajuda com problemas como a ansiedade, já que cada peça passa por um processo demorado até ficar pronta
Dandara Sevilha
Detalhes do processo de criação de Dandara Sevilha, que encontrou na cerâmica um antídoto para a ansiedade (Foto: Camila Rodrigues/Divulgação)

 


#BGM - Você falou sobre ter um sentimento de frustração em relação a sua vida e isso a levou a trilhar outros caminhos. O que acotenceu?
DS -
Desde criança, tinha vontade de trabalhar com moda. Desenhava e costurava roupas para as bonecas e era viciada na Fashion TV. Quando terminei o ensino médio, a escolha foi rápida: iria cursar moda. Aí começou toda a minha frustração. O curso era legal, mas não me encontrava nele. Era muito nova e achei que, em algum momento, iria descobrir uma atividade pela qual me apaixonasse. Como desistir do curso não era uma opção, fui até o fim e, antes do quarto semestre, consegui um emprego na área. Mas eu sabia que não era aquilo o que eu queria para minha vida. Muita coisa no mercado da moda não fazia sentido para mim, mas não tinha trabalhado com outra coisa. Minha formação era em moda, eu tinha um bom emprego na área, mas minha autoestima, sempre péssima, não me deixava enxergar no que mais eu poderia ser boa. Comecei a ficar bem mal: chorava todos os dias, tinha ataques de ansiedade, coração acelerado, tontura e dor de cabeça. Também comecei a reparar mais nas desigualdades do país, no quanto a gente trabalha e se desgasta para ter mais dinheiro, mas nunca tem tempo ou saúde para desfrutar do que ele pode oferecer. No quanto a gente não tem liberdade e passa a maior parte da vida trabalhando para outras pessoas, presa a escritórios em troca de um dinheiro que não é nem justo, nem suficiente. Percebi também o quanto o Brasil é estruturalmente racista, já que num escritório com centenas de colaboradores, podia contar nos dedos quantos eram negros. Ainda me dei conta do quanto a gente produz, impacta o meio ambiente, se desgasta para levar às pessoas coisas que muitas vezes elas não precisam e se endividam para ter. Então, tomei coragem e pedi demissão, mesmo sem nenhum plano.

#BGM - Como é ser uma empreendedora-artesã no mercado de trabalho?
DS -
Tenho liberdade de criar e fazer as coisas como acredito ser o correto. Liberdade de errar sem sentir que estou prejudicando alguém e faço as coisas no meu tempo. Tudo isso pode ser bom e ruim, porque é você com você mesma. Ninguém vai cobrar um prazo para que minhas peças estejam prontas, o que as vezes acarreta em eu não fazer _ou me cobrar demais a ponto de ficar quase louca. Mas, tudo isso, mesmo que não seja sempre agradável, faz com que eu me conheça melhor, exercite minha autoestima, autoconfiança e disciplina. A mão na massa muitas vezes é quase terapêutica. É incrível pensar, desenhar e ver aquilo tomar forma por meio de suas mãos. Trabalhando em grande escala, você perde o controle do processo, desenvolve algo com base no que pode dar mais lucro e não necessariamente no que quer expressar ao mundo. Consigo projetar planos para o futuro da marca que tenham a ver com as coisas que eu acredito, que possam ajudar a amenizar pelo menos um pouco os problemas que me incomodam no mundo. Não sei quanto vou ganhar no fim de cada mês, nem por onde vou passar, com quem vou ter de tratar. Por mais que me planeje, sempre aparecem coisas novas no caminho que precisam ser aproveitadas e dificuldades que não dá para prever.

Colar do Ímpar Ateliê, de Dandara Sevilha: inspirações vão de Pablo Picasso à natureza (Foto: Camila Rodrigues/Divulgação)

 

#BGM - Como é seu processo criativo e o que te inspira?
DS -
Meu processo criativo é bem livre. Na maioria das vezes, um tema específico me interessa, eu o estudo, me aprofundo, faço painéis de inspiração. Crio e desenho as joias e peças com base em formas, cores e texturas que remetem ao tema. Outras vezes, é extremamente instintivo: modelo a argila e, de repente, a massa começa a tomar uma forma, eu gosto dela e sigo. Então, crio uma joia que se encaixe na peça de cerâmica que eu fiz. As coisas que mais me inspiram são a natureza, o feminino, culturas ricas e nem sempre valorizadas, como a africana, e obras de artistas como Pablo Picasso e Naia Ceschin. Após a etapa conceitual e da mão na massa, espero as peças secarem, o que pode demorar de três a 20 dias, dependendo do clima, do tamanho, da forma de armazenamento etc. Depois vem a primeira queima a 900º, que chamamos biscoito. Após esta, esmalto as peças para dar aquele aspecto vidrado e queimo novamente, a 1.240º. Se resolvo aplicar ouro ou platina líquida, elas vão mais uma vez para a queima, dessa vez a 700º. Todas as queimas duram um dia todo, além de um outro dia para que o forno esfrie e eu consiga manipular as peças. Ou seja, o processo de cada item pode durar até um mês.

As coisas que mais me inspiram são a natureza, o feminino, culturas ricas e nem sempre valorizadas, como a africana, e obras de artistas como Pablo Picasso e Naia Ceschin
Dandara Sevilha

#BGM - Para quem quer se reposicionar na vida e na carreira, quais as dicas que você daria?
DS -
Eu diria para ter força, coragem, resiliência e paciência. Força e coragem para ir contra a maioria, muitas vezes na contramão do que dizem ser o certo e seguro, sair da zona de conforto e se arriscar. Resiliência para recomeçar quantas vezes for preciso, mudar de ideia, ajustar expectativas, sonhos, para alcançar um objetivo maior. Paciência para esperar os resultados e colher os frutos do seu esforço. Não é um caminho fácil, já pensei várias vezes em desistir, mas, no final, levanto a cabeça e sigo, porque tem valido muito a pena.


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