A atriz Vaneza Oliveira, de 31 anos, ficou conhecida mundialmente ao interpretar a Joana, da série 3%, a primeira produção brasileira da Netflix. Agora, ela se prepara para mais um desafio na carreira como diretora e roteirista do curta-metragem Mãe não chora, inspirado em sua própria história. O filme foi selecionado para o 30º Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, que acontece na capital entre os dias 22 de agosto e 1º de setembro.
Em entrevista à Marie Claire, Vaneza conta que o curta, com direção e roteiro também de Carol Rodrigues, mostra a história de Raquel, uma mulher que trabalha na Vara da Família na Defensoria Pública e tem que levar seu filho para o trabalho porque não consegue deixá-lo com o pai.
“O projeto do curta nasceu da minha experiência pessoal como mãe solo. Em 2016, estava num processo de pensão alimentícia e demorava muito tempo para cada etapa. Isso me fez pensar como seria a vida de uma mulher que trabalha na Defensoria e não contasse com a ajuda do pai e não conseguisse tomar a decisão de colocar o pai na justiça. Isso é tão difícil e por várias questões, o processo demora, as questões psicológicas de que mulher se vira sozinha também pesa”, diz Vaneza.
A artista decidiu então inscrever sua ideia de projeto em um edital afirmativo da Spcine. “Como atriz, fui bem malandra e mandei a narração de uma cena para minha candidatura. Achava que o projeto não ia passar, tinha acabado de gravar 3%, não era conhecida, mas passei pra segunda fase. Levei um susto e eu e Carol Rodrigues corremos para escrever o roteiro”, conta.
Uma semana depois de estrear 3%, saiu o resultado do edital com a aprovação do curta de Carol e Vaneza. “Gravei a série e produzi o curta ao mesmo tempo. Toda a ideia do filme que tínhamos no começo foi se aperfeiçoando e mudando. O filme é uma ficção, mais muito da minha experiência como mãe solo e eu estava num processo de cura pessoal, estava entendo minhas mágoas e o motivo de ter sido tão difícil colocar o pai da minha filha na justiça. Inclusive, o resultado do edital veio antes do resultado do processo de pensão da minha filha. Demorou dois anos e pouco. Ele me enrolava, não ia na audiência…”, relembra a atriz.
Vaneza foi mãe aos 16 anos. Por sua vivência e por observar outras mulheres, Vaneza percebeu que era difícil para as mulheres estar em um processo como este. “Ao questionar as mulheres porque era difícil tomar essa decisão, elas não sabiam o que dizer. Ficou claro o quanto a sobrevivência diária de uma mãe faz com que ela não consiga reagir as violências e a necessidade de ser mãe e profissional. A personagem Raquel trouxe isso, mostramos como as pessoas lidam com a criança dela que está no ambiente de trabalho, a tentativa constante de pedir ajuda para alguém e a pessoa recusar. Além de lidar com os pitacos que os outros dão, para eles é fácil dizer ‘coloca ele na justiça’, mas ninguém se dispõe para ajudar”, afirma.
Vaneza conta que parte da decisão de tratar essa dificuldade foi o dia que o pai da sua filha a fez um pedido: “Ele pediu que eu esperasse ele terminar a pós-graduação para depois pagar a pensão da minha filha. Eu não conseguia terminar minha faculdade… Percebi que enquanto ele estava vivendo a vida dele eu não estava conseguindo fazer nada do que eu queria. Precisava falar com ele sobre dinheiro. Falávmos de amor e afeto, mas nem isso ele dava. Eu achava que tinha que me virar sozinha, fazer tudo, sendo mulher, preta e periférica”, conta.
A artista aprendeu a lidar com isso ao fazer o roteiro do curta. “Me ajudou a não me culpar mais por não reagir. A gente tem mania de olhar para o passado e diminuir a gente, mas o processo de realização do filme me fez me perdoar por não reagir naquele período. Como eu vou conseguir ser mãe e dar amor para minha filha se eu não consigo me perdoar?! A gente se acha horrível, mãe carrega a culpa. Porém, caso eu não pedisse pensão, estaria deixando de fazer algo para minha filha”, diz a atriz, que também interpreta a personagem principal. “Seria estranho roteirizar e dirigir uma história minha com outra atriz no papel”, explica.
Vaneza pretende transformar o curta-metragem em um documentário. “Quero ouvir outras mulheres que viveram uma história parecida. Precisamos entender o que é preciso para criar uma mãe criar um filho”. Em São Paulo, o filme será exibido nesta quinta-feira (22), às 19h, na Cinemateca Brasileira do BNDES, no sábado (24), às 17h, no CCSP e no Cine Sesc, às 15h, em 28 de agosto.
A artista deseja também que o curta seja exibido por todo o país. “O filme vai entrar no circuito da Spcine e nas sessões teremos uma advogada para que as pessoas que assistirem possam tirar dúvidas sobre o processo de pensão, pra elas saberem que é demorado, mas que não devem desistir. Quero levar uma experiência para além do audiovisual, espero que as mulheres se sintam informadas e acolhidas”.