Com uma foto nas mãos, um menino de cerca de 8 anos vagava pelas ruas de Chibok, no estado de Borno, nordeste da Nigéria, em meados de maio. Carregava a imagem de sua irmã, Deborah Solomon, de 19, raptada dias antes. Naquele momento, ele não sabia do paradeiro dela e mostrar o rosto da jovempara o mundo era tudo o que podia fazer na tentativa de trazê-la de volta. Com um olhar assustado, ele segurou a fotografia entre os dedinhos e posou para as lentes de fotógrafos de jornais estrangeiros. O retrato em que Deborah aparece com um turbante azul foi tirado para comemorar o fato de que ela concluiria o ensino médio. A família não pôde festejar a conquista.
Deborah foi uma das mais de 200 meninas sequestradas na noite do dia 14 de abril, levadas da escola onde estudavam, em Chibok. Ela e suas colegas faziam uma prova de física quando homens vestidos de soldados chegaram disparando suas armas no local. Apresentaramse como militares e ordenaram às meninas que subissem nos caminhões. Elas já tinham escutado boatos de que o Boko Haram, o grupo de extremistas islâmicos que pratica chacinas e sequestros no norte da Nigéria, estava prestes a agir na cidade. Amedrontadas, obedeceram. Quando todas estavam em cima dos caminhões, os homens dispararam tiros para o ar e gritaram, em coro: “Allahu akbar”, ou “Deus é grande”, para celebrar o êxito da ação. Elas se deram conta, então, de que tinham caído em uma emboscada.
Naquele momento, essas nigerianas (com idades entre 16 e 19 anos) não imaginavam o que o futuro guardava para elas. Sabiam apenas que nenhum lugar no mundo poderia ser pior para estar naquele momento. Há anos o Boko Haram sequestra meninas e as obriga a se converter ao islã. Depois, as vende comoesposas para líderes tribais ou as mantêm como escravas sexuais. As que tentam fugir são degoladas com facões. A terrível notícia do rapto se espalhou pelo mundo. No caminho para o esconderijo, algumas vítimas conseguiram fugir. Surgiram testemunhos como o de uma jovem que afirmou que suas colegas estavam sofrendo 15 estupros diários e que ela, virgem, foi oferecida ao líder do grupo.
Tais relatos levaram celebridades como Angelina Jolie e Michelle Obama a participar de uma campanha na internet para mobilizar governantes — da Nigéria e fora dela — a se empenhar na busca pelas jovens. Em um primeiro momento, o governo nigeriano recusou ajuda internacional. Por isso, a ONU cobrou atitudes do presidente Goodluck Johnathan, “Ter o mundo olhando para nós pressionou as autoridades”, afirma Aisha Oyebode, uma das líderes da Coalizão Mulheres pela Paz e pela Justiça, que organizou protestos na Nigéria. Quando as autoridades locais aceitaram, Estados Unidos, Reino Unido e França enviaram equipes para o país.
A HISTÓRIA DA SEITA
Boko, em hausa (a língua da Nigéria), quer dizer “educação ou influência ocidental”. E Haram, em árabe, quer dizer “proibido ou pecaminoso”. O grupo foi fundado em 2002 pelo pregador muçulmano radical Mohammed Yusuf com a ajuda de universitários desempregados. O objetivo deles era criar uma milícia para lutar por um estado muçulmano. “O Boko Haram quer que o país seja dirigido com as mesmas regras que o Talibã impôs ao Afeganistão no passado”, diz o americano Jacob Zenn, autor de um livro sobre o grupo nigeriano. Isso significa substituir a Constituição do país, que é secular, pela charia, o conjunto de leis do Corão, e também combater qualquer manifestação do que considera fruto da cultura ocidental — da democracia ao acesso das meninas à escola.
Yusuf foi assassinado em 2009 e seu vice, Abubakar Shekau, um homem inteligente e poliglota, assumiu o comando. Membros do próprio Boko Haramjá disseram que ele é mais sanguinário do que seu antecessor. Desde que se tornou líder, os ataques se intensificaram. Em 2011, eles mataram mais de 550 pessoas na Nigéria. Em 2012, o número passou de 800. Até maio deste ano, somam-se 1.500 mortos. As táticas variam de ataques com tiros usando motocicletas à explosão de bombas em locais públicos, especialmente em igrejas cristãs, além de atentados suicidas. Ao dominar cristãos, exigem que os reféns orem a Alá. Caso resistam, eles têm as gargantas cortadas. Crianças detidas nessas ações viram escravas ou soldados armados do grupo.
OS FILHOS DO ESTUPRO
O ataque de abril às meninas de Chibok foi o maior praticado pelo grupo, mas ações desse tipo acontecemdesde 2009 na Nigéria. Muitas das vítimas dessas ações, que fugiram ou foram resgatadas, chegaram grávidas ou com filhos pequenos. De volta às suas famílias, elas têm de enfrentar o preconceito por terem sido violentadas. “Além de conviver com o terror da experiência por que passaram, essas adolescentes se tornam ‘incasáveis’ porque não são mais virgens. Também não há apoio médico, psicológico ou social para elas”, afirma Rona Peligal, vice-diretora da divisão de África da Human Rights Watch, em Nova York. As que não conseguem retornar são mantidas como reféns até a morte ou são vendidas no próprio país, no Chade ou em Camarões.
* Colaborou Letícia González