“Me casei com Kleber em 2014, depois de uma série de racionamentos abusivos. Foi um festa linda, no campo, ao entardecer, com todos os nossos amigos e familiares reunidos. Já falávamos sobre filhos, mas, como eu tinha acabado de me formar, queria ter um tempo para me estabilizar na carreira para dar aos nossos filhos o que nunca tivemos. Acontece que meu relógio biológico não entrou em acordo com meus planos e começou, de fato, a apitar. Conseguir me segurar por dois anos, quando parei de tomar meu anticoncepcional. No início de 2017, porém, nada havia acontecido. Como meu ginecologista havia me dado o prazo de um ano, voltei ao consultório. Além dos exames tradicionais, ele me pediu uma histerossalpingografia, que introduz um catéter bem fino no útero para tirar um raio X. E foi constatado que eu tinha a trompa esquerda obstruída, provavelmente, por conta de uma cirurgia de retirada de cisto que fiz aos 19 anos. Mas ainda me sobrava a trompa direita e o médico disse que eu não teria problemas para engravidar.
Mais um ano se passou e, para minha total frustação, nada aconteceu. Parecia que todo mundo engravidava menos eu. Passei a ter raiva das grávidas próximas a mim, chorei muitas vezes no banheiro pelas amigas que conseguiam ter filho.
No início de 2018, resolvi que devia ir atrás de uma segunda opinião médica e fui me consultar com uma especialista em fertilização. Depois de avaliar meus exames, me disse que eu tinha que fazer uma fertilização depressa, que seria uma corrida contra o tempo. Estava prestes a completar 35 anos e, segundo ela, meu tempo estava acabando. Aí me pediu mais uma bateria de testes e falou que eu nunca conseguiria engravidar naturalmente. Sai da consulta chocada, e voltei a me consultar com o meu antigo ginecologista. Ele disse que todos os médicos tentariam me vender algum tratamento para ganhar dinheiro nas minhas costas. E, mais uma vez, falou que eu não precisava fazer nada além de ‘namorar muito’. Saí de lá superconfusa e decidi não esperar mais. Marquei então uma visita a um infertileuta, profissional especialista em infertilidade.
Cheguei ao consultório ainda muito fragilizada, meu marido foi comigo. Ele olhou os exames e, sem nem olhar direito na nossa cara, falou que eu jamais engravidaria naturalmente porque meu problema era nas duas trompas. Só me restava fazer uma fertilização in vitro. Antes de eu perguntar alguma coisa, já foi me passando os valores do procedimento, da medicação, de tudo que envolvia o futuro procedimento.
Saí de lá arrasada, me sentindo um lixo. Peguei meu carro e dirigi até a casa dos meus pais, em Juquitiba. Precisava de colo. Depois de muito chorar, respirei fundo e pensei que não poderia ser fraca. Precisava ir atrás de uma solução para realizar meu desejo de ser mãe.
Nessa época, eu era coordenadora de obras em uma incorporadora, ganhava relativamente bem, mas naquele momento não tínhamos muito dinheiro guardado para fazer nenhum tratamento e, então, tivemos que esperar. Nesse meio tempo, fiz uma pós graduação, estudei inglês e francês, fiz tudo que era necessário para melhorar meu currículo. Mas, a essa altura do campeonato, nada disso me deixava realizada como antes. Só pensava em engravidar. Sei lá, era como se não fizesse mais sentido correr atrás de tantas coisas, se o que o que eu mais queria não estava ao meu alcance.
Em julho do ano passado, com o dinheiro das minhas férias mais o bônus de uma obra entregue, consegui fazer o caixa que precisava para começar o tratamento. Voltei então à medica com quem havia me consultado no início de 2018 e, para minha alegria, a conversa foi outra. Ela disse que eu poderia tentar o coito programado com injeções hormonais pelo menos três vezes, antes de partir para a fertilização porque, apesar de a mobilidade da minha trompa esquerda mesmo estar diminuída, ela ainda funcionava.
A essa altura se me falassem que tomar xixi todos os dias de manhã seria bom pra engravidar, eu tomaria. Faria qualquer coisa pra ser mãe. Tentamos, então, em agosto e em outubro e, de novo, não deu certo. Fui ao inferno mais uma vez, me sentia completamente fracassada. Mas meu marido, sempre companheiro e amigo, toda vez conseguia me trazer de volta à razão dizendo que tudo isso se resolveria.
Nessa época, ele viu um médico nas redes sociais que parecia ser referência em fertilização e que atendia em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Ele publicava as histórias de sucesso pacientes anônimas e trouxe de volta a minha esperança. Marcamos a consulta com o Dr. Antonio Miziara, e viajamos até lá com exames, expectativa e todo o meu desejo de ser mãe a tiracolo.
Pela primeira vez, encontramos um médico humanizado, que nos ouviu sem pressa, tirou todas as nossas dúvidas e respeitou os nossos medos. Voltamos para São Paulo com muitas receitas de vitaminas e pedidos de exames. Até então, ninguém havia posto em xeque a fertilidade do meu marido, e descobrimos que ele tinha alto índice de fragmentação de DNA no espermatozoide, que é uma perda na integridade na cadeia de DNA e reduz a capacidade de fecundação. Foi detectado ainda que minha reserva ovariana estava baixa -- ou seja, aquela médica havia desperdiçado o que já era escasso.
Estava no meio de uma obra quando peguei esse maldito resultado. Naquele momento, pensei que ter estudado tanto, me dedicado tanto à carreira já não fazia mais nenhum sentido. Havia deixado o tempo passar e, com ele, minhas chances de ser.
Dr. Antonio foi muito preciso em sua avaliação. Disse que teríamos mesmo que fazer uma fertilização in vitro, mas que antes precisávamos cuidar do problema do meu marido. Em dezembro de 2019, demos início ao tratamento. Além das várias vitaminas e coenzimas que tomava, Kleber parou de fumar, melhoramos a nossa alimentação e voltei a fazer exercícios.
No fim de fevereiro, meu marido repetiu os exames e a fragmentação havia melhorado. Fiquei radiante. Finalmente, poderíamos iniciar os procedimentos para a fertilização. Eu mesma aplicava em minha barriga injeções para estimular a produção de folículos. Superemotiva e com quase 10 quilos a mais, realizava um ultrassom transvaginal a cada três dias para acompanhar a evolução do tratamento. Animados, passamos a fazer planos para o bebê, escolher nomes e imaginar como seria a nossa vida com um filho.
Parecia tudo certo para, finalmente, começar o procedimento da fertilização em si. Fiz então a coleta dos óvulos e, dos três que produzi, somente dois estavam maduros e foram fecundados. No dia seguinte, porém, Dr. Antonio me ligou e avisou que, apesar desses dois óvulos terem fertilizado, não poderíamos seguir adiante porque os embriões estavam alterados e teriam que ser descartados.
Comecei a chorar desesperadamente, joguei o celular longe. Tinha uma casa, um trabalho legal, condições de dar uma vida confotável a uma criança, mas não conseguia engravidar. Não era justo.
Depois de alguns dias, conversei com Dr Antonio e decidimos fazer um novo estímulo. Fiz alguns ultrassons para avaliar o momento certo para começar as injeções, comprei tudo novamente, até que recebi a notícia-bomba: devido à orientação da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, por causa da pandemia do novo coronavírus, não poderíamos retomar o tratamento -- somente pacientes que já estavam no meio do processo de fertilização poderiam continuar.
Foi devastador. Parecia que estavam tirando de mim o direito de ser mãe. Meu médico pediu que eu mantivesse o foco, continuasse tomando minhas vitaminas e os antioxidantes. Retomaríamos o tratamento quando tudo melhorasse, sabe-se lá quando. Indignada, só pensava que eu era a pessoa mais ferrada da vida. Que, na hora que tinha dinheiro o suficiente para seguir adiante com meu sonho, a vida me tirava o que eu mais queria.
Surtei. Bebi, fumei, comi tudo o que queria. Dane-se. Se eu não podia ter filho, ia aproveitar meus dias sem me privar de mais nada. Mas a verdade é que me sentia morta por dentro, totalmente frustrada. Criei uma repulsa maluca por grávidas, não conseguia ver mais nada em relação a isso. Em meus piores momentos, já pensei até em pedir o divórcio para que meu marido conheça outra pessoa capaz de gerar um filho dele.
No fim de abril, no entanto, Dr. Antonio me ligou e disse que a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida havia liberado a realização de procedimentos em mulheres com problemas oncológicos e que podem entrar na menopausa a qualquer momento, meu caso. No início, fiquei relutante. Não me sentia segura em retomar o tratamento sem ter bases cientificas que comprovassem os danos causados às mães e aos bebês caso fosse infectada pelo novo coronavírus. Mas, como sempre, Dr. Antonio me tranquilizou e, depois de conversar com Kleber, decidi tentar de novo. Retomei então o martírio das injeções -- dessa vez estou com cinco folículos! --, e montei uma estratégia tipo de guerra para cada vez que precisamos sair. Deixamos sapatos, celulares, a chave do carro e nossas roupas do lado de fora do nosso apartamento e, quanto entramos em casa, vamos direto para o banho. Limpo tudo na minha casa todos os dias, a toda hora.
Não sei ao certo se vou conseguir ser mãe, mas não posso desistir agora. Solitária e angustiante, essa jornada de agora não é muito diferente de todas as anteriores. Para não criar (mais) expectativas, não contamos nada a ninguém. É muito sofrido esse caminho, nossas famílias nos cobram demais. Quem netos a todo custo, como se eu não quisesse filhos também. Meu sonho está cada vez mais forte, presente. E vírus nenhum vai tirar isso de mim.”