"Minha avó tinha Alzheimer e vivia comigo. Meu tio e meu primo são psiquiatras, ela tinha medicação, tinha geriatra, tinha neurologista, tinha todo um acompanhamento. No geral, ela estava bem de saúde. No dia 15 de agosto, ela começou a passar mal, e eu a levei para o Pronto Atendimento da Unimed de Copacabana. Lá, ela teve um laudo de pancreatite, então precisava ser internada. E nós só conseguimos uma vaga nesse hospital, Badim. Seguimos para lá uma da manhã e chegamos por volta de 1h40. Ela estava lá desde então. No dia do incêndio, estava no CTI, em coma induzido.
Na quinta-feira, a dona Rose, acompanhante que ficava com a minha avó em casa, estava lá no hospital com ela, e me ligou umas 17h45, mais ou menos, dizendo: ‘Está pegando fogo, a gente vai ter que sair, eu não sei como com a vó, eles não estão deixando a gente tirar os doentes…’. Ela me contou que alguns enfermeiros foram impedidos de sair. Então foi uma cena de terror muito grande. Teve uma cuidadora que se jogou da janela para se salvar.

Depois soube que, antes de tudo, faltou luz. E eles disseram para todos se acalmarem, que tudo seria resolvido. Em cinco minutos, o fogo se alastrou. Além da cuidadora, outras pessoas contaram isso, porque entraram em contato umas com as outras, e também depoimentos que já apareceram na imprensa. Houve falta de luz na recepção, acredito que no prédio inteiro. Quando a luz voltou, já era para elas saírem.
Dona Rose foi empurrada para sair pela escada. Muitas cuidadoras e enfermeiras saíram por lá. Queriam voltar e não puderam. Hoje vi nos jornais que, quando elas saíram, os seguranças e dirigentes deram a seguinte ordem: ‘Por favor, não avisem aos familiares.’ Lógico que todas as cuidadoras e parentes que estavam lá fizeram a comunicação para os familiares.
O fogo começou na andar debaixo do G1, onde estava esse CTI. Entre os primeiros lugares a serem afetados, estavam o boxe 1 e o boxe 2, que ficavam perto do elevador. Não posso afirmar com certeza, mas parece que esse CTI, que ontem ontem a imprensa chamou de 2, ele foi o mais afetado. Tanto que as vítimas que estão sendo encontradas estavam todas dentro desse CTI.
Além disso, o hospital deu informações erradas. Assim que soubemos que o hospital estava pegando fogo, uma prima que mora na Tijuca seguiu para lá e encontrou com a dona Rose e ficou lá até meia-noite. Eu imediatamente liguei para o meu primo que é médico, não consegui falar. Pedi para o meu filho ligar, nada também. Ligamos para outra prima, irmã dele, até a informação chegar até ele.
Foi informada que ela havia sido transferida para o Quinta D’Or. Então, de lá, elas foram para o Quinta D’Or, onde esse meu primo foi encontrar com elas, para ver se achava a minha avó. Só que elas não puderam entrar. Ele é médico da rede D’Or, teve que entrar com a credencial dele do Copa D’Or. Verificou leito por leito, minha avó não estava lá. Não contente, ele foi no Norte D’Or, ele foi no Copa D’Or, ele foi no Copa Star, ele foi no Gaffrée e Guinle, ele foi no Souza Aguiar, pediu a um amigo para ir no Caxias D’Or, outro amigo foi no Israelita, enfim, em todos os hospitais que estavam nas informações do Badim sobre as transferências. Ela não estava em nenhum.

Eu fiquei de casa telefonando para todos os hospitais, eles diziam que ela não estava, passavam o nome de outro hospital. Liguei para toda a Rede D’Or do Rio de Janeiro, e também para o Gaffrée, para o Souza Aguiar, para o Miguel Couto, para o Iaserj, todos os hospitais que a gente tinha informação que tinham recebido as vítimas. Assim que a cuidadora telefone, a gente entrou numa corrente de buscar o que estava acontecendo, de saber se ela estava na creche próxima ao hospital, no prédio do lado, onde ela estava.
Hoje, havia a notícia de que os bombeiros conseguiram entrar, às seis horas da manhã, para fazer uma varredura — que eles já estavam tentando desde mais cedo, só que cortaram a luz do hospital, disseram que por segurança. E eles encontraram os 11 corpos, e foram levados para o IML (Instituto Médico Legal).
A minha família só teve a notícia de que tinham encontrado a minha avó quando eu entrei contato com uma amiga jornalista e pedi a ela que, se ela tivesse alguma fonte, me desse uma clareada para saber onde a minha avó estava. Falei com um repórter da Globo e, 20 minutos depois, o nome da minha avó saiu na lista do IML. Ou seja, na verdade ela estava lá dentro do hospital.
A minha mãe também tem Alzheimer, então ela ainda não sabe o que aconteceu. Ela está vendo na televisão, mas não reconhece o rosto da minha avó. Ela não foi ao enterro, fiquei com ela em casa. Essa parte é muito difícil (emociona-se). O que ela sabia era que a minha avó estava fazendo exames no hospital, mas não sabia a gravidade do problema. Ontem pela televisão, ela ficou muito nervosa. Mas é que a nossa família tem pânico de incêndio. Parece que a gente já previa que algo assim aconteceria: nunca passamos por isso, mas todos têm um medo horrível de incêndio. Ela ficou nervosa com as imagens, às vezes eu tinha que mudar de canal.
Não posso provar se houve negligência no caso do incêndio. A polícia civil está investigando, para saber o que aconteceu. Mas é uma revolta muito grande, pela falta de informações e pela falta de cuidado que eles tiveram com os próprios profissionais. Foi muito triste ver aqueles profissionais saindo passando mal. As pessoas da rua é que ajudavam. Isso é um absurdo, ter que procurar ajuda de outras pessoas no meio da rua. Porque saiu muita notícia, então vários médicos de outros hospitais seguiram até o Badim para conseguir levar os doentes e as pessoas que estavam passando mal. As pessoas que moram perto e aquela creche foram os grandes salvadores daqueles funcionários.
Ainda existem pacientes desaparecidos. São familiares de pessoas que não estão conseguindo acesso a informações. A minha família entrou numa rede, procuramos advogado, procurei minha amiga jornalista, e foi assim que conseguimos saber do paradeiro da minha avó. Pessoas que não têm isso talvez estejam ainda procurando seus parentes. Por uma completa falta de responsabilidade do hospital.
Tudo leva a crer que houve um erro, uma falha mecânica. O delegado disse que foram dois focos de incêndio: um foi esse embaixo do CTI e um segundo do outro lado do hospital. Então houve uma falha que causou essa tragédia, que poderia ter tido proporções ainda maiores.
Hoje ainda está tudo muito confuso. Não sei o que fazer, mas tenho vontade de tomar alguma atitude, fazer alguma coisa. Até porque não foi só a minha avó.
Fui eu que recebi o telefonema na hora do incêndio. Eu ouvi os gritos das pessoas. Aquilo me marcou muito. Depois, vendo pela televisão o desespero das pessoas, me impressionou muito. Havia crianças que tinham ido visitar parentes e presenciaram aquilo tudo. A minha avó estava em coma induzido, ao menos ela não viu o que estava acontecendo. Mas eu creio que alguma coisa tem que ser feita. Se a gente deixar por isso mesmo, quantos mais virão?”