
Candidíase, infecções por fungos e bactérias, evasão escolar e até elevação dos índices de desemprego são fatores ligados à pobreza menstrual. O termo, pouco difundido até recentemente, tornou-se nesta semana um dos mais debatidos por ativistas, artistas e políticos após o veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na quinta-feira (7) à distribuição gratuita de absorventes pelo Estado. A pobreza menstrual se refere, mais diretamente, à falta de acesso a produtos de higiene menstrual adequados, mas engloba, na realidade, desigualdades sociais que afetam a saúde física, psicológica e mesmo as oportunidades de estudo e trabalho de quem menstrua.
Mais da metade da população brasileira é formada por pessoas com útero, enquanto boa parte não tem acesso a utensílios de higiene que permitem viver uma rotina normal durante o período menstrual. Uma pesquisa encomendada pela Sempre Livre e divulgada em 2018 mostra que quatro em cada 10 pessoas que menstruam no Brasil são afetadas ou conhecem alguém que precisa lidar com pobreza menstrual -- apesar de 94% afirmarem desconhecer o termo propriamente dito. Foram entrevistadas 814 mulheres entre 14 e 45 anos das classes C e D. Dessas, 21% declaram ter dificuldades financeiras para comprar produtos de higiene menstrual todos os meses.
Na falta acesso a absorventes e derivados, roupas velhas, coadores de café, jornais, tufos de algodão, sacolas plásticas e miolo de pão são utilizados nos dias de sangramento do ciclo, informa o estudo. Isso impacta diretamente a vida dessas pessoas, que deixam de ir à escola ou de trabalhar por não ter acesso a absorventes e materiais de higiene adequado, o que causa constrangimento.
"Assim como uma das maiores causas de evasão escolar entre meninas é a gravidez da adolescência, uma das maiores causas do absenteísmo escolar é a falta de acesso a absorventes durante o período menstrual", ressalta a ginecologista Ana Teresa Derraik em conversa com Marie Claire. "Recentemente, alguns sistemas escolares atentaram para o fato de que pessoas menstruam, e durante esse período pode ser constrangedor não contar com absorvente para sair de casa. Pode manchar a roupa, sujar ônibus, sujar carteira escolar. E é uma situação que causa muito constrangimento. Então, acesso a absorvente é garantia de que durante o período menstrual se possa circular livremente, inclusive frequentar a escola. É com grande pesar e tristeza que eu recebi a notícia desse veto, porque isso faz com que o acesso de meninas e meninos à escola seja discriminatório. É uma discriminação de gênero", aponta.
Na decisão publicada no Diário Oficial no dia 7, Bolsonaro sancionou o projeto de lei 4.968/2019, de autoria da deputada federal Marília Arraes (PT-PE), criando o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, com o intuito de disseminar informações e promover debates sobre menstruação. No entanto, os artigos que previam distribuição de absorventes higiênicos de forma gratuita e que definiam os grupos por ela beneficiados foram vetados.
O projeto foi aprovado pelo Senado em 14 de setembro e seguiu para sanção presidencial, mas Bolsonaro alegou não haver estabelecida fonte de custeio para as medidas. Em pronunciamento oficial, a relatora, senadora Zenaide Maia (PROS-RN), defendeu que o Congresso derrube o veto do presidente. O prazo para avaliação é de até 30 dias.
"O Congresso precisa derrubar o veto de Bolsonaro à distribuição de absorventes para demonstrar que, ao contrário da Presidência, os parlamentares se importam com o fato de que uma em cada quatro estudantes falte às aulas por não ter acesso a esse item de higiene. Com muito orgulho, fui relatora dessa lei, de iniciativa da deputada Marília Arraes. Mas os vetos prejudicaram a parte principal dessa legislação e, por isso, precisam ser derrubados", defende.
O texto sugeria que os recursos para a distribuição dos absorventes viessem do orçamento destinado ao Sistema Único de Saúde (SUS) e do Fundo Penitenciário Nacional, no caso de pessoas presas, internadas em unidades de cumprimento de medidas socioeducativas. Estudantes de baixa renda da rede pública de ensino e pessoas em situação de rua ou de vulnerabilidade social extrema também seriam contempladas.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) se pronunciou sobre o veto dizendo que a atitude "chega a ser cruel" e trazendo dados sobre a pobreza menstrual no Brasil. "Desconexão com a realidade, falta de empatia e desconhecimento da condição feminina, em pleno mês de valorização da saúde da mulher: o Outubro Rosa. Chega a ser cruel o veto à distribuição gratuita de absorventes a moradoras de rua, encarceradas e estudantes de baixa renda de escolas públicas. Uma em cada quatro jovens já faltou à escola por falta do produto. O argumento de que não há previsão orçamentária é irreal. Os recursos viriam do SUS e do Fundo Penitenciário”, disse em nota a Marie Claire.
“Também não se pode falar em falta de interesse público em um país onde 52% da população são mulheres. Veto do presidente é mais um sinal do menosprezo dele à condição humana", concluiu.
Bolsonaro alegou que absorventes não constam na lista de medicamentos considerados essenciais para o SUS e que escolher grupos prioritários não atende ao princípio de universalidade do sistema, impedindo que o orçamento fosse utilizado para os materiais. Já sobre o Fundo Penitenciário Nacional, o presidente afirma que a lei que originou o fundo não prevê o uso dos recursos para este fim.
Pobreza menstrual é causa de problemas de saúde
Na prática, sem acesso aos produtos adequados, muitas pessoas substituem o absorvente higiênico por materiais do dia a dia encontrados em casa, o que pode prejudicar a saúde vaginal. O estudo da Sempre Livre também mostra que 73% das mulheres que precisam recorrer a métodos não recomendados durante a menstruação tiveram problemas de saúde como candidíase, infecção urinária, cistite e infecções vaginais por fungos ou bactérias.
"O veto fere não apenas o direito fundamental à saúde, mas a perspectiva integral de proteção à mulher em sua dignidade. Os absorventes representam uma necessidade básica e elementar à saúde feminina", aponta a advogada Danielle Biazi, especializada em Direito Civil. "A ausência deles projeta também as desigualdades socioeconômicas, visto que resultam, por exemplo, na impossibilidade de práticas rotineiras como trabalhar, sair de suas residências para quaisquer finalidades e se envolverem em atividades esportivas. Outra questão importante diz respeito às destinatárias, de baixa renda, vulneráveis, portanto, em medidas várias, seja pela violência sobre seus corpos, seja pela incapacidade econômico financeira em arcar com produtos que possuem um custo impactante na renda familiar mensal daqueles que pouco ou nada possuem."
Apesar de barrar a distribuição gratuita de absorventes, Bolsonaro manteve trechos que obrigam o Poder Público a promover campanhas informativas sobre saúde menstrual e que autorizam os gestores da área educacional a realizar os gastos necessários para cobrir o que é previsto pela lei.