Simpática e calorosa, a rainha Silvia não sorri quando fala da Copa de 2014. Não que a soberana seja avessa ao futebol, mas o evento aguça suas preocupações em torno de um problema sério: o abuso de menores. Os crimes contra as crianças detêm sua atenção há mais de 14 anos, quando ela criou a ONG Childhood Brasil, que trabalha contra a exploração sexual de crianças e adolescentes. A rainha da Suécia passa boa parte do mês de novembro em São Paulo para visitar parentes e acompanhar o trabalho da entidade, presidida no país pela acionista da construtora Camargo Corrêa Rosana Camargo de Arruda Botelho.
Entre os avanços celebrados, está o convênio assinado no último dia 8 com o Tribunal de Justiça de São Paulo. A proposta é melhorar a estrutura do depoimento especial – o momento, muito delicado, em que a criança dá a sua versão dos fatos. “Foi algo muito importante, um alívio”, afirma Silvia. A Marie Claire ela falou também (em português fluente) sobre a infância no Brasil e a vida de rainha.
Marie Claire - As pessoas imaginam que a sua vida é um conto de fadas, não?
Rainha Silvia - Pois olha, bastante trabalhoso, esse conto de fadas (risos). É uma vida bem intensa, de grandes possibilidades, porque eu posso ajudar, posso chamar atenção a certos problemas. Eu faço isso com grande respeito.
MC - O que a levou a criar uma ONG?
RS - Meu marido [o rei Carlos Gustavo] e eu viajamos muito, não só em visitas oficiais. Sempre visito ONGs e vejo o que estão fazendo. Quando a União Soviética caiu, por exemplo, a situação naqueles países era muito séria. Muitas meninas procuravam trabalho, iam para Paris sem saber o perigo que elas corriam, e muitas viravam escravas sexuais. Quando se vê tanta tragédia, tantos problemas, a gente se pergunta: “O que eu posso fazer?”. Então, justamente aqui no Brasil, discutia a situação com amigos, falávamos da situação da favela, que agora eu sei que mudou muito, mas naquele tempo era muito sério. Foi assim que a ideia nasceu.
MC - Como a questão avança no Brasil?
RS - O Brasil é grande, é enorme. E naturalmente a Copa dá muita preocupação. Não é só um orgulho a Copa ser no Brasil. É também um grande desafio. São muitos turistas que vêm e precisamos agir para proteger essas crianças. A Childhood trabalha hoje na prevenção, em cidades onde ocorrerão os jogos. Também gostaríamos de agir nas escolas, junto ao Ministério da Educação. Muitos não conhecem o direito das crianças e é muito importante que tanto elas quanto os adultos saibam isso.
MC - Essas mesmas crianças se tornarão mulheres e, no Brasil, enfrentarão um cenário difícil no que se refere à violência sexual contra a mulher. Como a Suécia aprendeu a respeitar as mulheres?
RS - Mas nós temos problemas também. Infelizmente, esse é um problema bastante global. Talvez eu não devesse dizer, mas nós temos muita imigração de outras culturas na Suécia, e eles trazem esses problemas, porque em outras culturas a mulher não tem o mesmo valor nem o mesmo direito. Mas vi aqui, em São Paulo, um cartaz num ônibus que dizia: “Denuncie a violência contra a mulher”. Isso é muito importante. Claro, aí você se pergunta: “Sim, mas e depois?”. O que acontece se uma menina denuncia o padrasto? A família se dissolve, e a responsabilidade que ela sente é muito grande. É preciso uma rede para ajudar essas meninas.
MC - No dia a dia, como é o contato com o povo?
RS - Às vezes nós vamos a eventos de esportes. E eu faço compras. Então, às vezes, vejo que alguém está olhando, que me reconhece, e que pensa: será que ela vai pegar o azul, ou o verde? Ela vai escolher o mais barato ou o mais caro? É interessante, porque então eu também leio o rosto deles (risos). A nossa vida na Suécia é pouco complicada. As pessoas reconhecem, falam bom dia, fazem um sinalzinho, mas são muito discretas, é tranquilo.
MC - Qual a parte mais prazerosa do seu dia a dia?
RS - Olha, eu fiquei vovó. É melhor não começar com isso, porque não vai acabar nunca (risos). É muito especial. Mamãe sempre dizia: “Os netos são uma sobremesa da vida”. E é mesmo. A gente vê que essa criança pequeninha, com 15, 16 meses, pensa, vê, observa, tem os seus próprias ideias, é muito divertido, um milagre.
MC - O que a motiva a visitar o Brasil?
RS - Não é só a jabuticaba (risos)! Mamãe era brasileira. Meus dois irmãos mais velhos são nascidos no Brasil. Eu nasci na Alemanha e, depois da guerra, voltamos para cá, eu tinha dois anos e meio. Passei a minha infância aqui, até os 13 anos. Infância é aquela coisa cor de rosa, feliz, sabe. E na casa de mamãe eram oito irmãos, quer dizer, os primos são muitos, e muito divertidos. Então não é só o trabalho da Childhood, que eu acho muito importante, mas é também o carinho dos meus familiares e do Brasil. Por isso tento voltar a cada ano.