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Diretor francês revela os bastidores da criação de um desfile de alta costura em "Dior e Eu"

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Raf Simons em cena do documentário (Foto: Divulgação)

Em sua autobiografia, "Christian Dior & Moi" (ed. La Libraire Vuibert; sem tradução para o português), um dos mais importantes costureiros do século 20 narra a trajetória da maison, inaugurada em 1945, a partir dos personagens envolvidos na empreitada. Dos assistentes pessoais às modelos que desfilaram suas primeiras roupas, Christian Dior (1905-1957) descreve, um a um, os que participaram do processo de criação da coleção de 1947, na qual ele lançou o New Look, estilo revolucionário, responsável por seu sucesso mundial como estilista.

Foi exatamente esse o mesmo formato escolhido pelo diretor francês Frédéric Tcheng para compor o documentário "Dior e Eu" _em cartaz a partir de 27 de agosto. O filme retrata um importante evento da história recente da marca, a chegada do diretor artístico Raf Simons. O belga assumiu em 2012, meses após a saída de John Galliano, envolvido num escandâlo de antisemitismo. Para mostrar o início dessa parceria, o cineasta grudou a câmera em Raf e na equipe responsável por sua primeira temporada de alta costura, durante as exíguas oito semanas que antecederam a estreia na semana de moda.

Nesse percurso, o espectador é introduzido a personagens encantadores como Florence Chehet e Monique Bailly, comandantes da oficina, e ao modo obstinado e genial de atuar de Raf Simons. Essa é a terceira produção do jovem Tcheng, que codirigiu os documentários "Diana Vreeland: The Eyes Has to Travel", sobre a mítica editora, e "Valentino, o Último Imperador", retrato do estilista italiano.

Em "Dior e Eu", Tcheng buscou desmitificar o ramo, humanizando os profissionais que atuam para transformar moldes de papel em vestidos deslumbrantes. O resultado é um registro sensível, que dá ao grande público a chance de desvendar um pedaço desse universo, tema da conversa exclusiva entre o diretor e Marie Claire, em Paris:

Marie Claire - Quem é o "eu" do título do filme, "Dior e Eu"?
Frédéric Tcheng -
Essa é uma questão aberta. Durante as filmagens, descobri que, seja Raf Simons ou Monique Bailly, todos possuem uma história afetiva de seu trabalho na maison. Meu interesse era mostrar a contribuição pessoal de cada um deles na criação do conceito de "my Dior" [slogan de uma das campanhas da grife]. Além disso, o título faz referência à biografia do senhor Dior ["Dior et Moi"]. No livro, ele descreve sua dupla personalidade, como ele mesmo ou como pessoa pública. No filme, a pessoa pública é Raf Simons, claro, mas são, também, todos ao redor, que atuam na Dior. Por fim, sou eu.

MC - De quem partiu a ideia de fazer o documentário?
FT -
Quando vim a Paris apresentar "Diana Vreeland: The Eyes Has to Travel", conheci o diretor de comunicação Olivier Bialobos, que gostou do filme e sugeriu documentar a grife. Eu deixei claro que faria se fosse para o cinema, e não uma peça publicitária. Na época, início de 2012, ainda não havia sido anunciado o novo estilista, mas boatos na imprensa sugeriam Raf Simons. Se, por um lado, depois de dois trabalhos sobre moda, eu quisesse mudar de tema, por outro, eu era obcecado por Raf. Nunca o tinha encontrado e mal tinha feito pesquisas sobre ele, mas suas criações me fascinavam. Se fosse mesmo ele o escolhido, acreditava que modernizaria a herança de senhor Dior. Além disso, tive a sensação de que poderia mostrar o universo da moda despido de estereótipos e clichês. Provar aos críticos que há artistas e pessoas muita sérias no métier.

MC - Qual foi a reação de Raf Simons quando sugeriram a ele documentar a criação de seu primeiro desfile para a grife?
FT -
Ele negou. Então, eu lhe escrevi uma carta na qual me apresentei, relatei a maneira como trabalho e, sobretudo, como eu imaginava o filme, o que é algo muito difícil de fazer quando não temos ideia de como será o resultado das filmagens. Disse a ele ainda que gostaria de mostrar seu encontro com a equipe, no ateliê, e também com Christian Dior, uma figura do passado, que mantém sua importância. Acredito que o fato de eu ter afirmado que o projeto não era tão centrado em Raf ajudou porque, alguns dias depois, ele respondeu que não poderia dizer "sim completamente", mas também não diria "não completamente" [risos]. Ele disse: "talvez", o que significava que ele me encontraria e me daria uma semana de teste. Foi o que fizemos.

MC - Como é Raf Simons?
FT -
Encontrei Raf através da câmera. Começamos a filmar no dia em que ele foi apresentado à equipe como o novo diretor artístico. Todos estávamos nos encontrando pela primeira vez. Fiquei muito estressado com o fato de que não podíamos nos conhecer antes. Depois, me dei conta de que foi a maneira correta de começar nosso relacionamento. Ao longo do filme, a relação evolui e as pessoas vão ficando cada vez mais calorosas. Raf é uma pessoa intensa e apaixonada. Ele coloca seu coração no trabalho e busca desafios o tempo todo. Fora dele, é caloroso e supercurioso. Quando ficávamos a sós, me fazia dezenas de perguntas.

MC - O que mais o surpreendeu durante as filmagens?
FT -
A diversidade de homens e mulheres, de todas as cores e percursos, que trabalham no ateliê. Além, é claro, de Florence (Chehet) e Monique (Bailly). Mesmo se eu tivesse escrito o filme com antecedência, jamais poderia imaginar dois personagens tão interessantes. Florence é sempre positiva e cheia de energia, enquanto Monique, mais apreensiva, porque não é fácil trocar de estética. Foi genial ter as duas protagonistas, que podiam falar sobre como era passar a trabalhar com uma pessoa nova, sob pontos de vista diferentes. As duas são adoráveis.

MC - Numa das cenas, Raf Simons aparece nervoso, cobrando da equipe o motivo pelo qual os vestidos não estavam finalizados no prazo. Ninguém pediu para você cortar esse trecho?
FT -
Raf pensou em pedir para eu tirá-lo, mas desistiu. Ele é um artista e compreende o processo criativo. Ao manter o episódio, eu queria mostrar como é o trabalho do ponto de vista de Raf e do ateliê. Busquei destacar as razões de todos os envolvidos sobre o motivo pelo qual os vestidos não estavam prontos na data determina por ele _[os vestidos atrasaram porque uma cliente da alta-costura solicitou a presença de uma das chefes do ateliê nos Estados Unidos, para fazer o ajuste numa roupa. O ateliê não podia negar o pedido pois os vestidos são vendidos por alguns milhares de euros].


MC - Você passou por todos os altos e baixos da criação da primeira coleção de Raf Simons. Como se sentiu no desfile, quando finalmente tudo estava pronto?
FT -
Chorei, como todo mundo. Não somente porque eu sentia tudo o que eles estavam sentindo, mas também porque foram os dois meses mais estressantes da minha vida!

MC - Qual foi a reação da equipe da Dior na avant-première, em Paris?
FT -
Fizemos uma grande projeção, com a presença de todos os ateliês. Quando as luzes se acenderam, as pessoas estavam todas emocionadas por se reconhecerem. Monique, por exemplo, ficou surpresa com tudo o que ela tinha feito ou dito. Raf pediu para assistir sozinho, em DVD. Depois que viu, ele me ligou para dizer que tinha ficado muito bom, um filme emocionante, e que finalmente poderíamos ser amigos [risos].

MC - Em diversos trechos, há textos retirados da autobiografia de Christian Dior. Por que você escolheu mostrá-lo dessa maneira?
FT -
A ideia de introduzir a voz do senhor Dior veio pouco a pouco. Um dia, voltando das filmagens, li trechos do livro e me dei conta de que o tempo havia passada, mas nada mudou. Poderia trocar alguns nomes, mas as situações que ele descrevia eram as mesmas que eu tinha acabado de presenciar entre Raf e os costureiros. Na época, eu estava interessado na influência do passado no presente, graças a um longa que pensava em fazer sobre meus ancestrais chineses. Queria mesclar imagens da China contemporânea às vozes de meus antepassados. Nunca fiz esse filme mas, a intenção de tratar as duas épocas como histórias paralelas, foi usada em "Dior e Eu". Na maison, existem dezenas de causos sobre o fantasma de Christian Dior. Então, eu o transformei num personagem como o do filme "Rebecca", de Alfred Hitchcock [na trama, o espiríto da ex-mulher do protagonista, morta há anos, paira na rotina familiar]. Ao incluir a fala de Dior, quis criar uma aura de mistério, além de colocá-lo em diálogo com Raf Simons, que soube modernizar sua herança.


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