Quantcast
Channel: Marie Claire
Viewing all articles
Browse latest Browse all 305965

Professora compartilha angústias e descobertas de mudança de sexo: “Agora sou Helena”

$
0
0
Fotos e ilustrações compartilhadas pela pesquisadora Helena Vieira durante seu processo de transição de gênero (Foto: Reprodução / Facebook)

Helena tinha apenas 6 anos quando notou que havia algo que incomodava no seu comportamento. Fã da animação japonesa Shurato, vestiu-se com um lençol e pendurou uma rosa na orelha para imitar uma das deusas do Mundo Celestial. Um tio a surpreendeu e disse que estava parecendo uma drag queen. “Sou um super-herói”, respondeu ela, então um menino chamado Fernando.

A escolha do nome, Helena, “porque significa resplandecente”, assim como as angústias, incertezas e mudanças no corpo são narradas pela professora e pesquisadora, de 24 anos, desde que, há um, decidiu encarar a transição de gênero. Em relatos ora dramáticos, ora cômicos, ela compartilha a experiência com seus seguidores no Facebook e em suas palestras sobre sexualidade e gênero, tema no qual é especialista (leia alguns deles ao longo deste texto).

cabeçalho - 12 de maio (Foto: Arte / Marie Clarie)

 

"Ele: Quanto tempo você vai levar pra 'virar' mulher?
Eu: Não entendi.
Ele: Eu te acho maravilhosa. Melhor que qualquer 'mulher' que já conheci. Mas, não consigo me relacionar com você. Precisa ser 'mulher de verdade', entende?"

“Quando entrei na adolescência, entrei no mundo gay e não me identifiquei. Não gostava de ter um pênis, existir como menino. Gostava de produtos de beleza. Meu irmão é gay e, enquanto ele ia pra balada, eu queria ficar em casa aprendendo a fazer tapioca como a minha avó”, conta a pesquisadora a Marie Claire.

A incerteza de não se identificar com nenhuma sexualidade reconhecível à época a levou à depressão e quase a abandonar o curso de Gestão de Políticas Públicas na USP. Foram muitas crises, que acompanham Helena até hoje. Como válvula de escape, começou a entrar em chats de bate-papo e, mais tarde, a criar perfis nas redes sociais com nomes femininos, “só para ser tratada como mulher”.

cabeçalho - 28 de maio (Foto: Arte / Marie Clarie)

 

 

 

"A partir de hoje, no Facebook e em outros espaços, sou Helena. Helena, por ter descendência helênica. Helena porque significa resplandescente. E Helena, porque minha vida anda tão dramática que parece uma novela do Manoel Carlos ( mentira). E não foi a Helena que causou a guerra de Tróia? Pois vim ao mundo pra causar mesmo. Mudar o nome para um radicalmente diferente do anterior, pra mim, é um rompimento. E esse rompimento me faz bem."

Foi pela internet, também, que descobriu a existência de transexuais, pessoas que pareciam passar pela mesma crise que ela. “Percebi que não existiam só os travestis que se prostituíam -e com quem eu conversava no ponto de ônibus quando saía do cursinho pré-vestibular onde dava aula- porque não tinham outra alternativa de vida. Não era isso que tinha sonhado para mim”, diz.

Descobriu, ainda, que o gênero que sentia como sua verdadeira identidade não estava ligada ao seu sexo. De tanto pesquisar sobre o tema, Helena acabou se especializando no assunto. E foi na convivência com outros estudiosos e ativistas transexuais, nos convites para falar sobre o tema, que, aos poucos, sentiu-se parte de um grupo. “Aproveitava esses encontros para tirar dúvidas. Perguntava como elas faziam para disfarçar os pelos no rosto, ficar com cintura”, recorda.

Cabeçalho - 11 de julho (Foto: Arte / Marie Clarie)

 

 

"Se um dia alguém disser que o tratamento hormonal é fácil, acredite, está mentindo. Cada corpo responde de um jeito. O meu tem me inchado, deixado com dores nas juntas, e sensibilidade extrema em algumas partes do corpo. Ah, e não pensem que os resultados são imediatos. Eles não são. Cada corpo vai ter um tempo. Respeitando esse tempo e mantendo as doses do médico não corremos tantos riscos. Mas que me sinto atropelada, me sinto."

Uma desilusão amorosa depois, resolveu deixar São Paulo e ir viver em Fortaleza, para fazer companhia à avó. Com ela, se abriu e mostrou as primeiras peças femininas. “Ela não gostou, mas entendeu como se fosse um personagem que criei. Me ajudava a esconder a sombra da barba, a comprar esmaltes. Decidi que não iria ensinar teoria queer pra uma senhora semianafabeta de 65 anos.”

Com o segundo marido da avó, no entanto, a mudança não foi vista como uma obra de ficção. Sentindo-se indesejada, foi morar sozinha, ao mesmo tempo em que iniciou o tratamento para se transformar, fisicamente, na imagem que sua mente sempre entendeu como sendo a verdadeira. As altas doses diárias de hormônio aprofundaram a depressão e, por alguns meses, teve de interromper a terapia.

cabeçalho - 18 de julho (Foto: Arte / Marie Clarie)

"Ter peitos muda minha relação espacial com meu corpo. Esses dias, desavisadamente, deitei com o braço prendendo um deles: Que dor! Que susto! Arquiteta do meu corpo, operária da minha identidade. Jamais pensei que essa miríade de mudanças pudessem ocorrer. Minha barba, ainda cresce, porém, antes em uma semana tornava-se cheia. Agora leva mais de um mês e fica falhada (além de imensamente mais fina)."

“Quando você está na transição não é mais homem, mas não é mulher, parece uma situação aberrante. Se deixa de tomar hormônio num dia, no dia seguinte tem peito e barba. É um trabalho em que está se construindo. Não fica bonita”, conta Helena.

Os altos e baixos hormonais alternam momentos de desespero, mas também hilários, todos devidamente registrados por ela na rede social, convertida numa espécie de diário íntimo da transformação. “Fui sem camisa fumar na calçada. Todo mundo me olhando, eu não entendi o motivo. Olhei pra calça pra ver se estava rasgada. E então me vem o estalo: ‘Porra, são meus peitos’. Morri de vergonha e corri pra dentro pra por uma blusa”, postou, no último dia 27.

Cabeçalho - 26 de julho (Foto: Arte / Marie Clarie)

 

 

"Há tempos que não escrevo sobre minha depressão. Ela prossegue, crescente. Eu achei, ledo engano meu, que já estava bem. Mas raros momentos de alegria fazem parte da depressão. Meu choro é convulsivo. Choro agora, dormi chorando, acordei a chorar. A transição tem tudo a ver com isso. A dor de olhar pra corpo que eu tenho, e ver que ele nao é mais 'masculino', mas que ainda não chegou a ser feminino. O isolamento emocional que isso me causa. É como se não fosse mais eu, mas um amontado de carne, tristeza e mágoa. Preciso de forças pra resistir. Mas não sei de onde tirá-las."

Longe do glamour exibido pelo ex-medalhista olímpico Bruce Jenner ao aparecer como Caitlyn –talvez hoje a pessoa transgênero mais reconhecida no mundo-, Helena também relata momentos de desconforto e isolamento. “Por causa da depressão, sinto muita vergonha. Tem gente mais avançada [no processo], que é magra, que é bonita. Sinto uma série de pressões sociais e estéticas. Ser gorda e trans é muito difícil. Todo mundo espera uma Ariadna [ex-participante do Big Brother transexual], uma Roberta Close.”

DISCRIMINAÇÃO E ATIVISMO
Não bastassem as cobranças do espelho, longe dos holofotes, também enfrenta a discriminação diária de qualquer anônimo que expõe sua transição. Há duas semanas, encontrou um bilhete deixado na sua porta. Ao abrir, se deparou com um desenho com traços infantis que retratava uma figura feminina onde se lia em uma caligrafia também infantil: “Viado. Traveco. Vai Morrer”.

“Vou a policia? Não. Dirão qiue é brincadeira de criança. Ao menos a tivessem feito com mais estilo. Farei como Harvey Milk, a deixarei visível pra lembrar o quanto meu ativismo incomoda”, escreveu, referindo-se ao político e ativista gay norte-americano, ao lado da imagem do bilhete devidamente publicada.

O bilhete colocado na porta de Helena e publicado no Facebook: "Dirão que é brincadeira de criança" (Foto: Reprodução / Facebook)

 

Cabeçalho - 27 de julho (2) (Foto: Arte / Marie Clarie)

 

"Fui a sala, e o que eu encontro? Essa mensagem debaixo da porta. Vou a policia? Nao. Dirão que é brincadeira de criança. Ao menos a tivessem feito com mais estilo. Farei como Harvey Milk, a deixarei visível pra lembrar o quanto meu ativismo incomoda."

Não é a transfobia, velha conhecida de Helena, que mais a incomoda. “O mais difícil nesse momento é o isolamento emocional. Encontro muitos homens, que querem sexo e só. Se passo na rua, é como se eu não existisse. Vivo numa espécie de gueto emocional. Você existe no escuro, mas não tem ninguém ao longo do dia.".

Enquanto se submete aos hormônios –serão necessários ao menos 5 anos e mais algumas cirurgias para adquirir os traços que a farão sorrir no espelho, calcula-, Helena faz planos de uma nova vida como mulher, nada diferentes das de heroínas românticas das novelas de Manoel Carlos. “Me vejo com grandes cabelos cacheados, mais magra, cirurgiada, com um marido, tendo adotado duas crianças, cuidando da casa, cuidando dele e dando aula em alguma universidade.”

  •  
Cabeçalho - 27 de julho (1) (Foto: Arte / Marie Clarie)

"Tomei banho, vesti uma calça de lycra pra ficar em casa. E fui sem camisa fumar na calçada. Todo mundo me olhando, eu não entendi o motivo. Olhei pra calça pra ver se estava rasgada. E então me vem o estalo: 'Porra, são meus peitos!'. Morri de vergonha e corri pra dentro pra por uma blusa. Ah, essa nova geografia do corpo, sempre nos pregando peças."


Viewing all articles
Browse latest Browse all 305965