A guerra que aconteceu entre 1959 e 1975 ainda é uma ferida profunda no Vietnã. Isso porque a geração que hoje tem entre 30 e 45 anos e está à frente do país é filha dos soldados que lutaram no conflito. São pessoas que muitas vezes perderam o pai e foram criadas apenas pela mãe. Gente que teve de fugir, viveu em campos de refugiados e passou fome. Trajetórias muito duras vividas por mulheres que sobreviveram não só para contar a história, como para construí-la. A magnata Tien Thuy Le Hong, de 42 anos, é um desses exemplos. Perdeu o pai aos 5 anos, pouco antes de a guerra acabar, e foi criada pela mãe, uma professora primária, numa época em que havia muita escassez de alimentos no país. “Ela era muito severa e nos ensinou que trabalhar duro era a chave para sobreviver.” Tien Thuy aprendeu tão bem a lição que, em 1995, ganhou a concorrência para abrir o primeiro supermercado do Vietnã. O grupo hoje é formado por 25 empresas que, juntas, faturam mais de meio bilhão de dólares por ano. “Tive sorte de estar no início da expansão econômica do Vietnã”, diz.
A origem dos conflitos que dilacerou e, mais tarde, catapultou talentos femininos como Tien Thuy está na Segunda Guerra, época em que o Japão (país alinhado com a Alemanha) invadiu o Camboja, o Laos e o Vietnã. A região, então conhecida como Indochina, estava sob domínio da França e a população já dava indícios de que queria a independência. Quando a Guerra terminou, em 1945, os japoneses foram embora e começou a luta pela expulsão dos franceses, os antigos colonizadores. Anos mais tarde, em 1954, durante a Conferência de Genebra, criada para mediar a paz na Indochina, ficou decidido que o Vietnã seria dividido em dois: comunista no norte, onde seria governado por Ho Chi Mihn, e capitalista no Sul, sob o comando Ngo Dinh-Diem.
Essa divisão valeria até 1956, quando eleições decidiriam sobre a unificação do país. Só que, um ano antes, Dinh-Diem, do sul, liderou um golpe para tomar o poder. Apoiado pelos Estados Unidos, que temiam o avanço do comunismo nessa região da Ásia, ele passou a perseguir opositores políticos e instaurou uma ditadura. Com armas, dinheiro e apoio do exército americano, o norte foi incessantemente atacado até 1975, quando a pressão da opinião pública internacional e sucessivas derrotas do sul puseram fim ao conflito. Em1976, o Vietnã finalmente foi reunificado. Hoje, o país é um dos que mais crescem na Ásia. À frente desse processo, além de Tien Thuy Le Hong, estão mulheres como Hana Dang, CEO de um grupo de comunicação, a editora Thu Huong Nguyen e a decoradora Alan Duong. Elas ainda são exceção num lugar onde corrupção e machismo são um desafio. Mas, juntas, fazem uma grande – e silenciosa – revolução.
TIEN THUY LE HONG
A magnata Tien Thuy Le Hong, de 42 anos, ama dourado. Seu palácio no subúrbio da cidade de Ho Chi Minh (maior cidade do país e antiga Saigon) é todo decorado no tom.Quando recebeu a reportagem de Marie Claire, ela vestia um Salvatore Ferragamo dourado (“vindo direto das passarelas de Milão”), combinando com sapatos e acessórios da mesma cor.Tien fezdo luxo
o seu ganha pão. Desde que venceu a concorrência para abrir o primeiro supermercado do Vietnã,em 1995, parece ter adquirido o toque de midas. Hoje, seu negócio é formado por 25 empresas, que distribuem produtos de marcas de luxo e investem na construção de shopping centers. Juntas faturam mais de meio bilhão de dólares por ano.
A empresária nasceu em 1970 em Hanoi, a capital e segunda maior cidade do pais, e perdeu seu pai aos 5 anos, pouco antes de a guerra acabar.Todos os vietnamitas foram forçados a lutar no conflito, mas ela não revela de que lado da batalha a família ficou. “Preferimos não falar sobre isso”, diz. A mãe dela, uma professora primária, criou sozinha seis filhos, numa época em que havia muita escassez de alimentos no país.
Quando terminou a faculdade, em 1993, Tien começou a trabalhar como aeromoça na Vietnã Airlines. “Naquela época, era considerada uma posição de muito prestígio”, diz. Se não fosse a trabalho, de outro modo era quase impossível para uma vietnamita comum viajar ao exterior. Foi assim que ela teve a rara oportunidade de visitar cidades como Paris, Berlim e Sydney. “Abriu completamente meus olhos. Não tinha ideia que poderiam existir estilos de vida tão glamourosos”, afirma. A empresária conheceu o marido, um bem-sucedido homem de negócios vietnamita com quem tem dois filhos, enquanto trabalhava na companhia aérea. Os contatos dele a ajudaram a abrir o primeiro supermercado, mas Tien usou as próprias habilidades para levar grifes ao Vietnã. “Eu sabia o que as mulheres como eu gostariam de ter”, diz. Sua empresa é representante exclusiva de Burberry, Salvatore Ferragamo e Rolex, entre outras grifes. “Minha ambição é que o volume dos meus negócios alcancem 1 bilhão de dólares”, diz. Como tudo mais em sua vida, o futuro parece dourado para Tien.
HANA DANG
Ela se lembra de ter desmaiado de fome na rua quando era adolescente. Com quase 1,70m de altura – algo incomum para uma vietnamita – Hana pesava menos de 40 quilos, devido à dieta pobre, à base de arroz e milho. “Por muitos anos depois da guerra, não tínhamos carne ou peixe”, diz. “Todo mundo era pobre.” Hoje, ela é multimilionária e proprietária de uma agência de publicidade e de uma cadeia de restaurantes em Ho Chi Minh.
Hana nasceu em 1972, em Hanoi – cidade que, por ser o principal reduto dos comunistas no país, vivia sendo bombardeada. Perdeu o pai, um soldado do exército antiamericano que morreu em combate, quando tinha apenas 1 ano. “Minha mãe e eu mudamos para o sul e me tornei empreendedora ainda cedo. Aos 14, montei um café na porta de casa e desenhava e costurava roupas para vender”, diz. Hana fazia todo o possível para ajudar a mãe, uma mulher exigente que nunca abriu mão de que a filha fosse uma aluna excelente. Após cursar a faculdade de inglês, Hana começou a trabalhar na filial vietnamita da McCann-Erickson, uma das maiores agências de publicidade do mundo. “Alguns anos depois, decidi que poderia ter meu próprio negócio”, diz. Sua agência tem agora 150 funcionários. “Foi duro no início, porque a sociedade vietnamita é muito machista. Os clientes achavam que eu era a secretária”, diz ela, há três anos casada com um executivo australiano.
THU HUONG NGUYEN
Tomando um chá no Caravelle Hotel, em Ho Chi Minh, Thu Huong Nguyen, 33 anos, diz que espera ser um modelo para as jovens vietnamitas que leem as revistas femininas da editora dela. “As vietnamitas estão se tornando obcecadas com beleza e dinheiro”, afirma. “São coisas importantes, mas usar o cérebro ainda tem mais valor.” Thu cresceu em Hanoi, nos anos pós-guerra. Em 1995, aos 16 anos, foi catapultada ao alienado mundo das celebridade após vencer o Miss Sport, concurso para achar a atleta mais bonita do Vietnã – ela concorreu na
categoria ginástica aeróbica. No ano seguinte ao concurso, tornou-se apresentadora de um programa de TV e, pouco depois, passou a atuar em filmes. Foi uma época glamourosa, mas logo ela retomou sua velha ambição: tornar-se jornalista. “O trabalho na TV me levou para lugares no exterior e me deu a chance de conhecer várias revistas estrangeiras. Decidi criar publicações similares”, diz. Ela pegou dinheiro emprestado e passou quatro anos trabalhando duro até construir sua editora. “Cheguei a dormir no chão, embaixo da minha escrivaninha.” Hoje a empresa tem mais de 100 funcionários. Casada e mãe de dois filhos, se orgulha de sua trajetória “Fico cansada o tempo todo, mas muito feliz de provar que sou mais do que um rosto bonito.”
ALAN DUONG
Ela dedicou a vida a deixar a casa dos outros mais bonita e tornou-se empresária de sucesso na área de design de interiores.Quando tinha 10 anos, a família de Alan perdeu a casa em que morava. “Acusavam nos de capitalistas, pois morávamos numa casa grande”, diz. Ela e seu pai, então, juntaram-se a milhares de vietnamitas que arriscaram suas vidas nos anos 80 tentando fugir do país em barcos apinhados de gente. Alan esteve em uma embarcação com outras 70 pessoas. “Vários desses barcos afundaram ou foram atacados por piratas.” Somente 17 dias depois de terem embarcado é que a mãe de Alan soube que a filha e o marido estavam em Hong Kong. A vida no exterior também foi dura. Ela passou cinco anos emumcampo para refugiados. “Era como uma prisão. Não havia nenhuma privacidade e, no banho, nós éramos lavados com desinfetantes, como se fôssemos porcos.” No final, eles foram enviados de volta ao Vietnã. Apesar das dificuldades, empresária abraçou seu país natal. “O Vietnã mudou e a minha vida também. Tenho um bom negócio, uma casa linda, um marido e um filho maravilhosos.”