“Eu tinha 22 anos quando decidi, de supetão, sair do Brasil. Havia acabado de me formar na faculdade de hotelaria, em São Paulo, e me inscrevi no curso de marketing de moda do IED (Instituto Europeu de Design), uma das escolas mais renomadas do mundo e ideal para quem quer fazer carreira na moda. Era meu caso.
Sempre amei Milão e o que a cidade representa: é a casa dos melhores designers do planeta, as pessoas são superestilosas e o mercado de luxo é efervescente, com chances para uma novata como eu era. Pouco depois de chegar, conheci uma sul-africana chamada Shannon e passei a dividir com ela um apartamento ao lado da catedral.
O curso durava três anos e aproveitei esse tempo para estudar muito – mas muito mesmo. Tanto que me formei com louvor, e isso abriu portas. O próprio IED me indicou para entrevistas em marcas sensacionais.
É claro que sentia saudades do meu país, da minha família e do namorado que tinha em São Paulo. A gente estava junto havia só três meses quando parti, mas seguimos a distância e ficamos assim quase quatro anos. Nos víamos quando eu voltava ao Brasil a cada ano, em longas férias de três meses. Também fazíamos viagens curtas para matar a saudade.
Em meados de 2011, ele foi me visitar e fomos de férias para Berlim. Era para ser romântico, só que dessa vez foi horrível. Nos acabamos de tanto brigar e, numa discussão feia, terminamos. Voltei para Milão na mesma hora, um dia antes do previsto, e caí doente. Fiquei com uma febre altíssima e uma gripe que evoluiu para pneumonia. Passei dias chorando e tomando remédios.
Enquanto me recuperava, fui chamada para uma entrevista na grife Roberto Cavalli. Era o pior timing possível, me sentia um caco, mas sabia que não podia perder a oportunidade. Passei a entrevista inteira espirrando e saí de lá com a certeza de ter dado uma péssima impressão. Mas, poucos dias depois, veio a surpresa: eles queriam me contratar! Eu havia sido escolhida como RP (relações-públicas) da marca, para fazer parte de um time de sete pessoas.
De repente eu, que fui criada entre Mogi das Cruzes e Arujá, duas cidades pequenas no interior de São Paulo, estava em Milão, participando de reuniões na casa de um dos estilistas mais importantes do mundo, indo a festas exclusivas do circuito da moda e trabalhando com gente como a top Naomi Campbell ou a supereditora de moda Anna Dello Russo.
Mas em 2012, depois de quase dois anos na empresa, minha inquietude falou mais alto e decidi sair de lá para alçar outros voos. Nasci em uma família empreendedora e fazer carreira em um só lugar nunca soou atrativo. Com a indicação de uma amiga, consegui me apresentar no setor de empregos da Chanel, onde comecei a participar de um processo seletivo.
Foi nessa época que Shannon me avisou que um amigo passaria uns dias em nosso apartamento. Havia honestamente esquecido do assunto quando, numa tarde, saí para almoçar com minha mentora do IED, que me aconselhava sobre a carreira.
Ao voltar ao apartamento, abri a porta e o vi: um cara lindo, de cabelo comprido, tocando violão sentado no chão da minha cozinha (o tipo de música que ele faz é acústica e instrumental, com influências de ritmos africanos). Me apaixonei na hora. Nem sei dizer por quê, mas peguei o celular e fiz uma foto daquela cena. Eu, que nem usava Instagram, decidi postar o momento – e assim ficou registrado o instante exato em que a gente se conheceu.
Na época eu estava saindo com um alemão que tinha conhecido havia algumas semanas, mas esqueci de sua existência no segundo em que vi o Guy. Ele, por sua vez, havia terminado um namoro de três anos meses antes, e dizia para todo mundo que não queria se envolver. Shannon e eu éramos amigas, mas não tão próximas, eu costumava sair com outra turma. Nos dois dias em que Guy ficou na nossa casa, porém, ia com os dois para todo lado!
No último dia, fomos a um bar alternativo com um grupo de amigos meus. Eu e ele conversávamos em inglês, nossa única língua comum. De repente, ele me olhou e disse que eu era muito bonita, e emendou: ‘I think I’m in love with you’ (“Acho que estou apaixonado por você”). Em seguida, ficou tão sem graça que foi para o outro lado do bar, sem conseguir olhar para mim.
Eu também não sabia o que fazer, parecia uma adolescente. Meu coração estava na boca.
Nós três voltamos para casa e eu fui para o quarto dormir. Com a Shannon junto, não tinha clima para conversar sobre o que tinha acontecido – não me abria com ela, que era mais amiga dele do que minha. Mas o Guy bateu à minha porta e entrou.
Queria pedir desculpas, disse que tinha sido impetuoso e que era um absurdo falar algo assim para uma mulher que tinha acabado de conhecer. Ele é descendente de ingleses, então tem um lado bem formal. Eu, claro, disse que não tinha problema nenhum, agradeci o elogio e o fato de ele ter ido lá se explicar.
Então fomos tomar um vinho na sala e lá rolou nosso primeiro beijo. Ao contrário do que imaginei, foi muito estranho! Eu estava supernervosa e ele também. A gente se beijou e saiu correndo cada um para o seu quarto. Claro que depois não consegui dormir!
Na manhã seguinte, o Guy foi para Údine, a 400 quilômetros de Milão, tocar em um festival de música e nos convidou. Era fim de semana e ele disse que eram só duas horas de trem, mas no caminho descobrimos que eram 5h30.
Eu também tinha de trabalhar pois estávamos em plena Semana de Moda e tinha aceitado um frila de uma agência de análise de tendências. A essa altura, já tinha ido à Chanel duas vezes e aguardava que a marca marcasse a data da derradeira entrevista.
Lá, eu o vi tocando de novo, num show solo, e me encantei mais ainda com a sensibilidade dele. Um dos shows foi numa praça aberta, um lugar lindo e romântico. Depois, ficamos conversando, nos beijamos e, dessa vez, deu tudo certo! Ele decidiu cancelar a viagem para Florença e Roma e passar duas semanas comigo em Milão.
Foi quando tive a certeza de que tinha encontrado o amor da minha vida. Eu me sentia nas nuvens e só pensava: ‘É isso! A vida é isso’. Era muito amor dentro de mim. Ao mesmo tempo, sentia que meu coração ia explodir quando lembrava que ele iria embora para outro continente.
O dia da partida chegou e Guy voltou para a África do Sul. Eu só tinha uma certeza: o reencontraria logo, de qualquer jeito. Então tive a ideia de sugerir para a agência que me contratava um relatório sobre o mercado de moda nos Brics [a África do Sul é o “S” da sigla do grupo dos grandes países em desenvolvimento, que inclui também Brasil, Rússia, Índia e China].
Ofereci o trabalho em troca apenas da passagem para o país, e eles toparam. Então, 15 dias depois da partida do Guy, em setembro de 2012, embarquei com destino a Durban para passar três semanas.
Logo depois de aterrissar, ainda no avião, bateu uma insegurança. ‘Como assim, estou na África?’ Foi tudo tão rápido que nem conseguia absorver as novidades: estava apaixonada por um cara que mal conhecia e num país muito distante do meu. Mas bastou vê-lo no portão de desembarque, com um buquê de flores na mão, para saber que tinha feito a escolha certa.
Fiquei num hotel nos primeiros dias, mas logo me mudei para a casa dele. Foi incrível. Montamos um esquema que era trabalhar pela manhã, ele com música e eu nos meus artigos, e ter as tardes livres para nós. Choveu muito no início, então, depois que assistimos a todas as temporadas de "Friends", a chuva cessou e ele me levou para conhecer a cidade.
A África do Sul é um mix muito maluco de culturas, são 11 línguas diferentes. E Durban, a terceira maior cidade do país, é o maior símbolo disso. Lá tem o maior número de indianos fora da Índia, a maioria da população é zulu e os ingleses ficam em terceiro lugar nessa miscelânea. Achei que fosse ser complicado me adaptar, mas não. O Guy é superenvolvido com a cidade e foi um ótimo guia.
Não houve um momento específico em que decidi não voltar mais para a Itália. Fui seguindo a intuição e ficando, ficando. A prova de que estava indo tudo bem foi que, no meio disso tudo, fui chamada para a entrevista que faltava na Chanel. Declinei. Juro que não pensei duas vezes.
Nossa relação avançava rápido e me sentia ótima, nunca tinha vivido tamanha felicidade. No fim desse ano, 2012, fomos passar o Natal no Brasil. Às vezes ainda me perguntava se era possível mesmo um amor assim, mas a gente se deu tão bem com os amigos e as famílias um do outro que isso só me deu mais certeza de que, sim, podia acreditar naquilo.
Em maio de 2013, ele me pediu em casamento do modo tradicional: de joelhos, com um anel maravilhoso, falando que queria dormir e acordar todos os dias ao meu lado. Não estava esperando, foi durante um piquenique em um lugar com vista para o mar, na entrada de uma floresta, a 15 minutos de Durban.
Nos casamos na África em março do ano passado, no domingo de Carnaval, com uma festa para 70 pessoas. Veio gente do Brasil, da Itália, da Inglaterra... Nossos amigos se deram bem e surgiram até alguns romances. Até então, nunca tinha planejado me casar. Tudo aconteceu naturalmente, sem um querer mudar o outro, e essa foi a principal diferença para meus relacionamentos anteriores.
Hoje em dia, a gente passa um terço do ano na África, um mês viajando pela Europa, Estados Unidos e Brasil, e o resto em turnê. Virei groupie! E olha que sempre falei que jamais me envolveria com um músico, porque eles sempre viajam muito e têm um monte de meninas atrás... É claro que as vejo se aproximando após os shows, mandando recados, mas lido bem com o assédio e confio bastante nele.
No começo, eu o ajudava como relações-públicas e até na produção, mas agora toco um projeto na área de moda com comunidades menos favorecidas aqui na África. Procuro artesãos que façam peças tradicionais, dou uma cara mais contemporânea e os ajudo a exportar.
Eu e o Guy passamos o tempo todo juntos, pois o estúdio dele fica em casa e, quando vou comprar tecido ou visitar as comunidades, ele gosta de ir comigo. Estamos juntos há quase três anos e, lógico, não é mais aquele frenesi de comecinho de namoro. Mas nunca brigamos. Por virmos de culturas diferentes, adotamos a política de que é melhor conversar, sempre.
Então, além de sermos apaixonados, também viramos melhores amigos. Me sinto sortuda por ter alguém que amo, com quem posso falar de tudo, jogar cartas em uma sexta à noite ou tomar tequila em um bar esquisito em uma segunda-feira. Não me arrependo de nada.”