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Jornalista conta como viveu um mês de loucura e foi parar em hospital: "Tudo começou a desmoronar"

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Susannah em foto atual e, à direita, em imagem de vídeo durante sua internação no NYC Langone (Foto: Mike McGregor / Getty Images e Reprodução)

Tudo começou com uma picada de percevejo – o inseto parasita que, na última década, se infiltrou até nas melhores camas de Nova York. Antes de ser picada por um, no início de 2009, a americana Susannah Cahalan tinha tudo o que uma jovem de 24 anos costuma querer na metrópole: um emprego promissor (era repórter do famoso jornal New York Post), um namorado músico, amigos DJs que a convidavam para baladas e um pequeno apartamento só para ela em Hell’s Kitchen, bairro com vida noturna agitada.

Um dia, antes de sair para o trabalho, viu uma marquinha roxa no braço e se convenceu de que era mais uma vítima da infestação de percevejos da cidade. Não havia nada ali, garantiu um dedetizador, mas Susannah não acreditou e ordenou a aplicação de veneno em todos os cômodos. Foi a primeira atitude estranha de uma série que a levaria totalmente para fora de si.

Logo viriam uma crise atípica de ciúme, choros repentinos no meio da redação, surtos paranoicos, alucinações e uma internação no hospital, de onde tentaria escapar agredindo enfermeiros.

A capa da edição brasileira do livro, lançado pela Belas Letras: obra vai virar filme em 2016 com Dakota Fanning vivendo o papel da jornalista (Foto: Divulgação)



Ninguém, nem mesmo os médicos, podia entender como Susannah havia se transformado em tão pouco tempo – um a diagnosticou como bipolar, outro sugeriu que largasse a bebida. Durante o tempo que passou na ala de epiléticos do hospital universitário NYU Langone, seu estado foi de agressivo a catatônico, e Susannah passou a babar e grunhir como um zumbi em vez de se comunicar.

Seu quadro se encaminhava para um coma com risco de morte quando um neurologista fez um pequeno teste que mudou tudo. Susannah tinha uma inflamação rara no cérebro causada por um tumor de ovário, uma correlação de sintomas identificada, até então, em apenas 216 outras pessoas no mundo – e sem qualquer relação com a tal picada de percevejo.

Em resumo, seu corpo estava atacando o cérebro numa reação autoimune ao tumor, o que causava a mudança de comportamento.

A recuperação foi lenta (um ano e meio), mas total. Sobre a experiência, a jornalista escreveu "Insana" (Belas Letras, 300 págs., R$ 39,90), livro que foi parar no topo da lista de mais vendidos do jornal The New York Times e acaba de ser lançado no Brasil. A obra vai virar filme em 2016, com a atriz Dakota Fanning no papel principal e Charlize Theron como produtora. A seguir, trechos da entrevista que ela deu à Marie Claire por telefone e depoimentos retirados da obra.

MARIE CLAIRE - Como era sua vida antes da doença?
SUSANNAH CAHALAN -
Eu tinha muita energia. Jamais alguém me descreveria como uma garota calma, paradona [risos]. Trabalhava no que sonhei desde menina, jornalismo, e cada dia ia a um lugar diferente para cobrir crimes ou entrevistar celebridades. Às vezes ficava na redação até 1h da manhã e ainda saía para ver um amigo DJ tocar na balada até as 4h. No dia seguinte, estava de volta ao trabalho às 10h.  Eu havia começado a namorar Stephen, que hoje é meu noivo, e tinha me mudado para Manhattan para morar sozinha pela primeira vez na vida. Mas, de repente, tudo começou a desmoronar.

*Meu comportamento vinha se tornando mais errático a cada dia. Mas foi somente naquela manhã que a minha inconstância começou a assustar Angela, a amiga mais próxima do jornal.
– Na Times Square. As cores, os outdoors: eles brilham demais. Estão brilhando mais do que nunca.
– Você deve estar com muita ressaca – ela riu, nervosa.
– Não bebi nada. Acho que estou ficando louca.[...]
Frustrada com a inabilidade de expressar o que estava acontecendo comigo, bati as mãos no teclado.
– Não consigo fazer isso! – gritei.
– Susannah, Susannah. Ei, o que está acontecendo? – perguntou Angela, surpresa com aquela explosão.
Nunca fui de fazer cena e agora todos estavam olhando para mim. Senti-me humilhada e exposta, e lágrimas quentes desceram pelo meu rosto até caírem em minha blusa.[...]
Outra repórter se virou para mim.
– Susannah, você está bem? [...]
As lágrimas continuavam escorrendo por meu rosto, mas fiquei surpresa ao perceber de repente que não estava mais triste. Estava bem. Não apenas bem. Feliz. Não, não apenas feliz: sublime, melhor do que jamais havia me sentido em toda a minha vida! As lágrimas continuavam a vir, mas agora estava rindo."

"Ver os vídeos no hospital foi chocante. Neles, estou louca, possuída"
 

MC - Como se sentia nas primeiras crises?
SC -
Ah, me sentia uma inútil, desapontada comigo mesma. Não conseguia me concentrar e então passei a duvidar da minha capacidade. O jornalismo é uma profissão dura em que todos, mesmo saudáveis, se perguntam: vale a pena? Quando a doença progrediu, comecei a pensar que talvez Nova York fosse demais para mim, ou que não era feita para a vida de repórter. E logo depois piorei muito mais.

"Stephen [o namorado de Susannah] foi acordado por uma série de lamentos muito estranhos, que ressoavam com o barulho da TV. [...] Quando se virou para me olhar, estava sentada com os olhos escancarados e as pupilas dilatadas, sem observar nada.
– Ei, o que houve?
Nenhuma resposta.
Quando ele sugeriu que eu tentasse relaxar, virei-me para ele com um olhar que passava através de seu rosto, como se estivesse possuída. De repente, joguei os braços para frente como uma múmia e revirei os olhos. Enquanto isso, meu corpo enrijecia. Arfava por falta de ar. [...] Comecei a vomitar sangue e espuma, que jorravam da minha boca por entre os dentes cerrados.
"

Susannah com o dr. Najjah, médico que fez o diagnóstico correto. À direita, o teste aplicado pelo neurologista (Foto: Acervo pessoal / Reprodução)

MC - Foi difícil escrever o livro?
SC -
Muito, em especial ver os vídeos do hospital, em que eu agia como uma louca. Eu havia feito entrevistas com médicos e pessoas próximas para reconstruir o perío¬do da doença e, quando diziam algum detalhe interessante, pensava: “Isso é ótimo para a história!”. Mas, ao ver os vídeos, caí na real: estava escrevendo sobre mim mesma! Em um deles, estou tendo uma alucinação e pareço realmente assustada. Nunca tinha me visto assim – ninguém tem fotos de si mesmo quando está em pânico. Foi muito perturbador.

"Na TV do hospital onde estava internada, vi a seguinte chamada [uma alucinação]: “Investigaremos o que está acontecendo com a repórter Susannah Cahalan, atualmente no hospital New York University”, anuncia uma âncora com o cabelo ajeitado. Eu sou a notícia de destaque.
– Estou no jornal! – grito. Ninguém responde.
“Seu pai foi preso recentemente pelo assassinato da esposa”, a âncora diz enquanto a câmera enquadra meu pai, que anda algemado em meio a um mar de paparazzi, flashes e repórteres com cadernetas abertas e prestes a partir para cima dele.
Fui tão idiota. Não deveria ter atendido os telefonemas dos meus colegas. Eles estão escrevendo em segredo tudo o que estou dizendo. [...] Agarro o botão de emergência para chamar os enfermeiros. Eles precisam saber do complô."

"Vi que a personalidade depende da química. Somos muito frágeis"
 

MC - Como seus pais lidaram com a sua loucura?
SC -
Eles simplesmente não falam sobre isso. Meu pai nunca leu o livro. É difícil demais para ele. Quando estava colhendo informações para a obra e precisava perguntar algo, ele começava a chorar. Então passei a enviar perguntas por e-mail, e ele me respondia da mesma forma. Já minha mãe tende a minimizar o que passei, acho que pelo mesmo motivo. Ela é mais: “Acabou, acabou, nunca mais vamos falar a respeito”.

"Já estava bem claro que eu não seria uma paciente fácil, a julgar pela maneira como gritava para os visitantes e dava coices nas enfermeiras. Quando Allen [o padrasto de Susannah] chegou, apontei e gritei para ele, insistindo para que “tirassem aquele homem do meu quarto”. De modo similar, acusei meu pai aos berros de ser um sequestrador assim que ele chegou e ordenei que o barrassem também. Como ainda estava em meio ao ataque psicótico, a realização de diversos testes se tornou inviável. [...]
– Em que ano você foi diagnosticada? – perguntou a neurologista.
– Ele está armando para cima de mim.
– Quem está armando?
– Meu pai.
– O que você quer dizer?
– Ele está virando outras pessoas. Ele está se transformando em pessoas diferentes para me pregar uma peça."

Susannah em recuperação ao lado do namorado, Stephen; o eletroencefalograma que mostrou inflamação cerebral; a jovem ao lado da mãe no hospital (Foto: Acervo pessoal / Reprodução)

MC - Enquanto isso, como seu caso evoluía?
SC -
Com uma chance considerável de que eu entrasse em coma. Há muitos estágios da doença e, no meu caso, ela caminhava nessa direção. Eu seria entubada e não poderia respirar sozinha. Nessa situação, algumas pessoas morrem.

"Novos sintomas perturbadores afloraram no início da segunda semana. Minha mãe havia chegado no meio da manhã e percebera que minha fala havia piorado consideravelmente, como se minha língua fosse cinco vezes maior do que a boca. Eu babava e, quando estava cansada, deixava a língua do lado de fora da boca como um cachorro sentindo calor. [...] Também parei de emitir frases completas, alternando tergiversações, monossílabos e, às vezes, apenas grunhidos. [...] Meus braços se enrijeciam à minha frente."

MC - Você estava prestes a ser transferida para a ala psiquiátrica quando o neurologista Souhel Najjar entrou no seu caso. O que ele fez?
SC -
Pediu que eu desenhasse um relógio, e coloquei todos os números no lado direito do desenho, ignorando a metade da esquerda. Isso mostrou um problema no meu hemisfério direito e provou que minha doença não era psiquiátrica. Havia uma inflamação grave no meu cérebro, ele estava em chamas, e o dr. Najjar o investigou até descobrir por quê. Eu não sabia, mas carregava um tumor no ovário que desencadeou uma rara reação autoimune. Meu corpo atacou com anticorpos um tipo de receptor cerebral chamado anti-NMDA."

"– Eu… não… me sinto… beeeeeeeeem – eu disse enquanto estendia os braços para fora da cama.
Stephen [o namorado] seguiu os meus comandos, rebaixou as barras de proteção e me guiou para fora da cama. Tive falta de ar outra vez e comecei a chorar. Stephen apertou o botão de emergência.
– Meu... coração... dóóóóóóói – eu disse enquanto segurava o peito e me contorcia no chão frio do hospital. – Não... consigo... reeeespiraaaar.
Uma enfermeira entrou correndo no quarto. Ela checou meus sinais vitais e verificou um nível de pressão sanguínea ligeiramente alto de 15,5/9,7. [...] Naquela noite, saí em disparada do quarto do hospital e cheguei até o corredor, onde um grupo de enfermeiros me capturou e me levou de volta à sala de emergência enquanto eu lutava ferozmente, chutando e gritando. Foi a minha primeira – mas não a última – tentativa de fuga."

MC - Como  foi a recuperação? Tem medo de que a doença volte?
SC -
Foi longa. Durou um ano e meio e foram necessárias transfusões de sangue, hormônios e novas internações. Aos poucos, fui resgatando meu antigo “eu”. O índice de recaída da doença que tive varia de 20% a 30%. É assustador, mas é algo com que tenho de lidar. Não deixo de tocar minha vida, viajo sozinha, me viro, mas, se fico triste ou emotiva, logo penso: “Sou eu mesma ou é a doença voltando?”.

"Uma coisa que toda essa experiência está me ensinando aos poucos é como sou sortuda. No lugar certo, na hora certa. NYU, Dr. Najjar, Dr. Dalmau [que estudou e catalogou a encefalite autoimune de receptor anti-¬NMDA, nome técnico da doença de Susannah]. Sem esses lugares e essas pessoas, onde estaria hoje? E se eu tivesse sido acometida por essa doença apenas três anos antes, antes que o Dr. Dalmau tivesse identificado o anticorpo, onde estaria? Apenas três anos dividem a linha entre uma vida plena e uma meia-existência em uma instituição psiquiátrica ou, ainda pior, um fim prematuro em uma tumba sólida e fria.[...] O Dr. Najjar estima que noventa por cento das pessoas que sofriam dessa doença em 2009, a época em que fui tratada, ficaram sem diagnóstico."

MC - Como esse mês de loucura marcou você?
SC -
Foi realmente chocante descobrir que características centrais da minha personalidade podem mudar do nada, e não tenho controle sobre elas. A ideia de que nosso jeito de ser mora na nossa química cerebral é muito maluca. Somos de fato muito frágeis. Entendi isso.


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