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Tenista nº 1 do país, Teliana Pereira nasceu no sertão e é esperança brasileira em Roland Garros

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Teliana Pereira: a tenista é a primeira brasileira a chegar ao topo da categoria em 27 anos (Foto: Pedro Podestá)

A primeira vez que Teliana Pereira se tornou notícia foi ainda na pré-adolescência quando, pequena e franzina, passou a ganhar todos os torneios nacionais de tênis de que participava, mesmo competindo com garotas mais velhas do que ela. Foram cerca de 150 até chegar àquele que lhe deu fama internacional: em abril, Teliana venceu seu primeiro WTA (Women’s Tennis Association), na Colômbia.

É a primeira vez em 27 anos que uma brasileira chega ao topo da categoria – a última foi em 1988, quando a gaúcha Niege Dias disputou a final em Barcelona –, que inclui outras competições famosas como a de Roland-Garros, que acontece este mês. Sua maior conquista, no entanto, é outra. A garota é a quarta filha de oito irmãos que sobreviveu à aridez do sertão de Pernambuco. A irmã Valdeni não teve a mesma sorte: faleceu aos 7 meses, vítima de desidratação.

A família mudou-se para Curitiba, mais especificamente para Vila Sandra, na periferia da capital.  Foi quando, aos 8 anos, Teliana começou a trabalhar em uma academia de tênis onde o pai fazia manutenção e a mãe, faxina. Ela ganhava alguns trocados correndo de um lado para o outro, pegando bolinhas que escapavam da quadra.

Era a diversão da menina que, entre uma aula e outra, mostrava seu talento com raquetes emprestadas. Ao notar a habilidade de Teliana, o dono do espaço, o francês Didier Rayon, a incentivou a jogar. A ascensão foi meteórica: a garota era boa de treino e começou a acumular títulos.

Aos 19, teve uma lesão no joelho e passou dois anos tentando se recuperar. Entrou em depressão. Voltou a jogar depois de fazer uma vaquinha entre os amigos e se tornou a número 1 do Brasil e a 75ª do ranking internacional. E pretende terminar 2015 entre as 50 melhores do mundo.

Teliana recebeu a reportagem de Marie Claire em Cagnes-sur-Mer, na França, durante o torneio da Federação Internacional de Tênis, dias antes de ser desclassificada do torneio ITF Saint-Gaudens. A raquete escapou de sua mão em um movimento e atingiu o público que assistia à partida.

Na conversa, ela falou sobre o sonho de casar, sua emocionante trajetória e da rivalidade feminina dentro e fora das quadras. “Prefiro me inspirar em Guga, Nadal e Federer. No circuito masculino, os homens são amigos. No feminino, nenhuma quer que a outra vá bem.”

MARIE CLAIRE - Há duas semanas você foi desclassificada do torneio ITF de Saint-Gaudens. O que aconteceu?
TELIANA PEREIRA -
A raquete escapou da minha mão e acertou o público. Nunca tive a intenção de  jogá-la e não costumo fazer isso. Mas a regra é clara: se a raquete sai da quadra, o  jogador é desclassificado. Como eu, a organização do torneio (juiz, árbitro geral, diretor) ficou chateada porque sabe que foi sem querer. Guga e Fernando Meligeni já passaram por isso. Agora estou focada em Roland-Garros. Espero jogar bem, dar o meu melhor. Não colocamos nenhuma meta de classificação.

MC - Como se sentiu ao vencer o  seu primeiro WTA em Bogotá?
TP -
Inexplicável. Demorou para cair a ficha. Foi a realização de um sonho meu e da minha família.

MC - Quais são suas lembranças do sertão de Pernambuco?
TP -
Vivíamos em Barra da Tapera, que não é bem uma cidade, mas uma porção de sitiozinhos. Ali não tinha maternidade, então minha mãe teve de atravessar o rio e nasci em Santana de Ipanema, que fica em Alagoas. Mas logo voltei para Pernambuco. Lembro da nossa casa, branca e bem pequena, numa rua de terra. Meus irmãos e eu dormíamos empilhados no mesmo quarto. Detestava o banheiro, que ficava no quintal dos fundos e não tinha vaso sanitário. Tinha pavor de ir lá à noite. Fazia xixi na cama, óbvio!

MC - E o dia a dia, como era?
TP -
Meus pais e irmãos mais velhos trabalhavam na roça. Eu era a menorzinha e ficava em casa cuidando da Val, que hoje tem 21 anos. Como eu era sapeca, não cumpria bem meus deveres: a fazia dormir e ia para a casa dos meus primos, que eram vizinhos. Passávamos o dia esquentando açúcar numa colher, até virar caramelo. Era nossa brincadeira. Às vezes, também ia para a roça. Espetava o boi para ele não parar de arar a terra. Aos sábados, uma mulher passava em nossa rua, de bicicleta, vendendo pão francês e chinequinho [tipo de pão doce]. Era uma alegria, porque a gente sempre comia a mesma coisa, arroz e feijão, então aquele era um dia especial.

MC - Sua infância foi modesta?
TP -
Não chegamos a passar fome. Todo mundo lá em casa sempre trabalhou. A gente precisava, não tinha outra saída. Mas perdi uma irmã de desidratação, ainda bebê. Minha mãe sofreu muito, mas superou. Também não me lembro de brincar. Desde pequenos, tínhamos responsabilidades. Não conhecíamos cinema nem shopping. Quando não se sabe que essas coisas existem, não se sente falta.  Nos divertíamos entre nós.

MC - Seus pais são severos?
TP -
Eles são carinhosos do jeito deles. Nunca apanhei do meu pai. Da minha mãe, algumas vezes. Eles são reservados. Não falam sobre como se conheceram, por exemplo. Sei que foi numa festa. Imagino que tivessem uns 16 anos. Lá no sertão, aos 17 a mulher casa, aos 18 tem o primeiro filho. Todas as vezes que reclamo da vida, minha mãe diz: “Se você estivesse em Pernambuco teria cinco filhos puxando sua saia, um marido para cuidar e não teria conhecido o mundo”. Ela é uma guerreira.

MC - Eles ainda são casados?
TP -
Depois de dez anos que estávamos em Curitiba, ela tomou coragem e se separou do meu pai. Ele é mulherengo, tinha amantes. Minha mãe sabia e sofria calada. Quando meu irmão, Renato,  descobriu, pediu para meu pai ir embora de casa.

MC - Como encarou a separação deles? Foi um trauma?
TP -
Estava voltando de um campeonato no exterior e a família toda foi me buscar no aeroporto. No caminho, meu pai falou: “Sabe, Teliana, seus irmãos me colocaram para fora de casa”. Perguntei o que tinha acontecido e eles me explicaram. Fiquei triste, mas foi melhor para minha mãe, que ficou muito independente depois disso. E eles se dão bem melhor do que quando eram casados. Meu pai vive lá em casa, em Curitiba, onde moro com minha mãe e quatro irmãos.

“Prefiro me inspirar em Guga, Nadal e Federer. No circuito masculino, os homens são amigos. No feminino, nenhuma quer que a outra vá bem”, diz a tenista (Foto: Pedro Podestá)



MC - Como foi sair do sertão e chegar ao Paraná?
TP -
Meu pai foi antes, passou dois anos trabalhando como pedreiro. Lembro do dia em que voltou. Estávamos ansiosos para saber como era Curitiba, então ele sentou à mesa, com todos em volta, e contou que tinha construído uma casa pra gente e que íamos embora. Fomos de ônibus. Foi nossa primeira viagem e demorou três dias. Para mim, tudo era diferente. A excitação era tanta que minha mãe esqueceu todas as panelas e roupas no bagageiro. Como o sertão é muito quente, vivia reclamando do frio. Foi só em Curitiba que comecei a ir à escola [aos 8 anos].

MC - E como foi entrar na escola?
TP -
Amava matemática e adorava jogar vôlei, mas parei por causa do tênis, porque não podia machucar o braço. Era quietinha, boa aluna. Quando cheguei à sétima série, ficou difícil conciliar o tênis e os estudos, por causa das viagens e dos treinos. Os professores me ajudaram. Fiz o colegial a distância e agora estou na faculdade de administração, também a distância.

MC - Como começou a jogar?
TP -
Meu pai fazia a manutenção de uma quadra de tênis e minha mãe, a limpeza. Depois da escola, eu pegava um ônibus e ia para lá encontrá-los. Trabalhava pegando bolinhas. Ganhava uns trocados, fazia mais por diversão do que por obrigação, porque gostava de estar na quadra. Tinha 8 anos e não sabia nada do esporte. Um dia, o Didier [Rayon], dono da academia, perguntou se eu queria treinar. Até então, sonhava apenas em ser professora de matemática.

MC - Quando sentiu que se tornaria profissional?
TP -
Quando comecei a competir nos torneios estaduais. Como não tinha dinheiro para as inscrições e as viagens, o Didier fazia uma vaquinha na academia para eu poder participar. Ganhava todos os campeonatos. Aos 12 anos, jogava na categoria de 18. Imagine uma menina magrinha, com pernas finas, disputando com mulheres fortes. Quando comecei a estudar a distância, encarei o tênis como um trabalho. Não me acho uma atleta supertalentosa, que entra na quadra e faz tudo perfeitamente. O que consegui foi graças à dedicação.

MC - Qual foi seu primeiro prêmio importante?
TP -
No Brasil, desde que me tornei profissional em 2007, sempre fui a número 1. Aos 15 anos, joguei pela primeira vez em Roland-Garros [França]. Eu não tinha noção de como era importante. O Didier me dizia que era o auge, mas só compreendi quando entrei no complexo. Me arrepiei inteira. Fiquei nervosa e travei. Joguei, mas perdi. O primeiro torneio internacional juvenil que ganhei foi em Cali [Colômbia], aos 18. Depois, na Argentina, venci e quem me entregou o prêmio foi a Gabriela Sabatini. Ganhei 1.500 dólares.

MC - O Didier, seu técnico, é uma espécie de segundo pai?
TP -
Convivi com ele mais do que com meu pai. Didier me acolheu e fez de nossa família a dele. Sabia que a gente se alimentava mal, então todo mês fazia supermercado pra gente. Meu irmão, Júnior [que também se tornou jogador], era quem comia tudo! Didier se tornou meu técnico, me levou para viajar, apresentou comidas diferentes e me ensinou a falar inglês, francês e espanhol. O destino nos separou quando me machuquei. Ele passou a treinar em São Paulo, e eu não tinha condições de ir para lá. Mas nos falamos sempre. Ele é o responsável por quem sou hoje. Cuidou de mim como uma filha.

MC - Seus pais confiavam nele?
TP -
Cem por cento. Aos 13, fizemos nossa primeira viagem para participar de um torneio em Nice [França]. Ele queria que eu soubesse como era um jogo de verdade. Foi a primeira vez que vi neve. Fui ao hotel onde estavam hospedadas as tenistas profissionais, e encontramos a [a americana premiada] Venus Williams. Fui pedir um autógrafo. Ela negou, acredita?  Fiquei chateada. Costumo brincar dizendo que, se um dia jogar contra ela e ganhar, no final, vou falar: “Sou aquela menininha para quem um dia você negou um autógrafo”. Não custava nada assinar o papelzinho!

MC - Você é vingativa?
TP -
Não, mas, quando me machucam, dificilmente esqueço.

MC - Sua carreira estava em ascensão quando machucou o joelho, em 2008. O houve?
TP -
Tinha 19 anos e estava entre as 200 melhores do mundo, conquistando ótimos resultados. Fui competir nos Estados Unidos e, no meio de um jogo, tentei pegar uma bola longe e senti uma dor forte no joelho. Achei estranho, mas estava ganhando e não dei importância. No intervalo, a fisioterapeuta disse que eu tinha rompido o menisco [cartilagem do joelho] e não poderia voltar. Desobedeci. Achei exagero. Faltava ainda um set inteiro e decidi continuar, mas não aguentei nem um game. Fiquei desesperada. Voltei para o Brasil em cadeira de rodas.

MC - Como foi o processo de recuperação?
TP -
Uma tragédia de quase dois anos! O pior momento da minha vida. Perdi os patrocínios e gastei muito dinheiro com médicos e tratamentos. Tentei me recuperar sem fazer cirurgia, mas não deu. Depois da operação, disseram que poderia jogar em seis meses. Assim que melhorei, fui à Europa competir de novo. Estava jogando mal, mas feliz por ter voltado. No segundo campeonato, fiz um jogo duríssimo e saí da quadra sem andar. Voltei ao Brasil e começou um calvário. Um médico chegou a dizer que as dores eram psicológicas. Finalmente descobriram que a cartilagem do meu joelho continuava gasta. Operei de novo, em São Paulo. Como não tinha dinheiro, fiquei num hotel horrível, no centro, sem serviço de quarto. Pra completar, não podia andar. Foi triste.

MC - Pensou em desistir?
TP -
Foi duro e fiquei deprimida, chorava, achava que aquilo nunca ia terminar. Mas nunca passou pela minha cabeça parar, porque simplesmente não sei fazer outra coisa.

MC - Como deu a volta por cima?
TP -
Nunca fiz terapia, nem tomei remédios. Aliás, evito ao máximo por causa do doping. Mas, na época em que me machuquei, conheci meu namorado, o Alexandre [Zornig, empresário], que me ajudou muito. Ele me levava de carro até a fisioterapia e esperava três horas até terminar. O Alexandre também jogava, mas parou. Sinto que ele achou que poderia viver o sonho de ser profissional ao meu lado. Então, quando me recuperei, meu irmão Renato [atual técnico de Teliana], ele e eu fizemos um projeto reunindo os meus principais resultados e listando tudo o que precisava para o retorno. Apresentamos para as pessoas da academia onde comecei a treinar, quando era criança, e pedimos dinheiro. Também fizemos rifas e vendemos raquetes. Para completar, recebi apoio econômico da família do Alexandre.

MC - O Alexandre sempre viaja com você? Vocês fazem sexo durante os campeonatos?
TP -
Viaja, porque trabalha comigo. Ele administra minha carreira e, como foi tenista, me dá dicas quando meu irmão não me acompanha. Mas não gosto muito de fazer sexo durante o campeonato. Acho que não combina. Quando estou num torneio, fico muito focada. Não me permito nenhuma distração. Mas, assim como não tem sexo, não tem turismo. Só quando eu perco – ou ganho, claro [risos].

MC - Antes de conhecê-lo, você era namoradeira?
TP -
Tive meu primeiro namorado aos 16, namorei outro rapaz por mais um ano, com quem perdi a virgindade, aos 17. Depois, conheci o Alexandre e estamos juntos há sete anos. Tenho certeza de que vamos casar. Ele é lindo: alto, loiro...

MC - O tênis é um esporte elitista. Você já foi vítima de preconceito ou racismo?
TP -
Em quadra, nunca. Mas, como tive de viajar muitas vezes sozinha, vivi experiências desagradáveis. Uma vez, na Itália, um policial da alfândega me levou para conversar numa salinha. Mal falava inglês e fiquei supernervosa. Tentei contar que era jogadora de tênis, precisei mostrar raquetes, explicar que não era imigrante ilegal. Outra situação, também na Itália, foi num hotel. O recepcionista me ligou para dizer que o dono do lugar queria jantar comigo. Fiquei trancada no quarto, com medo de ele entrar.

MC - Em que tenistas mulheres você se inspira?
TP -
Prefiro ver os homens jogarem. Mulheres são bipolares. Um dia, a jogadora te dá oi. No outro, nem te conhece. No circuito masculino, os jogadores são amigos. No feminino, não existe amizade. É uma competição, ninguém quer que a outra vá bem. É duro, mas é a realidade.

MC - Você sofreu por não ter amigas jogadoras?
TP -
Nem um pouco. O tênis é um esporte que te deixa egoísta. Tenho uma família grande e unida. A gente se basta.

MC - Já foi paquerada por outras tenistas?
TP -
Claro. Já deram em cima de mim descaradamente. Mas gosto de homem. Nunca beijei uma mulher. Não gosto dessas brincadeiras.

MC - Você  é religiosa?
TP  -
Sou católica, mas vou pouco à igreja. Sempre rezo, principalmente no avião. Morro de medo.

MC - Tenistas como Maria Sharapova e Serena Williams são também ícones fashion. Você se preocupa com seu visual quando está em quadra?
TP -
Não consigo jogar de unha feita, por exemplo. Várias tenistas entram em quadra maquiadas. Eu não tô nem aí. Mas adoro cuidar dos cabelos. Eles eram bem enrolados e faço progressiva. Prefiro tê-los lisos. Mas quando estou em Curitiba, com o namorado, uso maquiagem, blusinha, shortinho. Amo salto alto, gosto de comprar roupas e de saber o que está na moda.

MC - Como é sua relação com o corpo? É atenta a isso?
TP -
No ano passado, estava me sentindo gordinha, com 64 quilos [Teliana tem 1,68 m]. No segundo semestre, tive de fazer uma parada de três meses por causa de uma tendinite no joelho e resolvi que, quando voltasse, estaria com o corpo e a cabeça em ordem. Procurei um nutrólogo e descobri uma intolerância à lactose e um pouco também ao glúten. Fiz uma dieta rígida, que me deixou de muito mau humor, mas emagreci. Também me apliquei na musculação. Agora tenho 58 quilos e estou bem.

MC - Qual foi a maior extravagância que você fez com o dinheiro de suas premiações?
TP -
Todo o dinheiro que ganhei sempre foi investido para participar de torneios. Hoje não preciso mais viajar sozinha. Meu irmão sempre está comigo. Mas depois que conquistei o WTA, em Bogotá, me permiti um “excesso”: contratei uma churrascaria e fiz uma festona na casa do Alexandre com tudo a que eu tinha direito!


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