Professora da Universidade Estadual do Paraná há 9 anos, Deborah Bruel, 43, foi à sua primeira manifestação na última quarta-feira (29) em frente ao Centro Cívico de Curitiba. Professores e servidores em greve protestavam contra a votação final de um projeto de lei que promove alterações no fundo de previdência da categoria.
O ato foi duramente reprimido pelo Batalhão de Choque PM, que usou bombas de efeito moral, spray de pimenta, jatos d’água, balas de borracha e gás lacrimogênio para evitar a aproximação dos manifestantes que queriam assistir à sessão plenária, deixando ao menos 230 pessoas feridas, segundo os sindicatos de professores. Treze foram presos. As imagens de servidores feridos e sangrando logo se espalharam pela internet.
Em nota, o governo do Paraná lamentou as agressões, que atribuiu a “manifestantes estranhos ao movimentos dos servidores estaduais concentrados em frente à Assembleia Legislativa”. “O radicalismo e a irracionalidade de pessoas mascaradas e armadas com pedras, bombas de artifício, paus e barras de ferro, utilizados contra os policiais, são responsáveis diretos pelo confronto”, diz o texto.
Para Deborah, que disse não ter visto black blocs durante o ato, o que ocorreu naquele dia vai demorar a sair da memória. “Estão chamando de confronto, mas foi um massacre. Atiravam na direção das ambulâncias. As pessoas não conseguiam nem retirar os feridos.” Leia o relato da professora à Marie Claire.
“Sou professora da Unespar (Universidade Estadual do Paraná) desde 2006. Tivemos uma greve decretada em fevereiro, um mês de paralisação. A pauta era o projeto 252 de alteração no fundo previdenciário. Naquele momento, o governo assinou um termo de compromisso de que a matéria seria discutida no decorrer do mês de março. Que não iria para votação sem ampla discussão com categoria.
O projeto acabou indo para a Assembleia e resolveram votar em regime de urgência –o que limita a discussão. Muito pouco mudou nas duas votações. Por conta disso, da incapacidade do governo em dialogar, resolvemos deflagrar a greve novamente.
As universidades no Paraná nunca estiveram em situação tão precária. A que trabalho, está há quatro anos sem sede, funcionando em três prédios alugados, com aluguéis atrasados há três meses.
Ontem [quarta-feira, 29] era o dia D, a última instância de votação do projeto na Assembleia. Havia professores acampados há três dias Nossa Senhora de Salete. Começaram a chegar vans e ônibus com muitos colegas de universidades do interior, mas não só professores, havia também agentes penitenciários, servidores do judiciário e da saúde.
No Centro Cívico, também havia milhares de policiais militares. Todos estavam armados com arma de fogo, apesar de não terem utilizado. Já se precavendo para uma manifestação, o presidente da Assembleia havia conseguido impedir que sessão fosse pública.
Ninguém conseguiu acompanhar a votação. As informações que tínhamos eram dadas por assessores de deputados da oposição. Mais tarde, um deles foi agredido por cães da PM. Tinha umas 10 mil pessoas na praça. Os professores não tinham armas, nada, como estão dizendo. Havia algumas pessoas com máscara e vinagre porque vimos que eles estavam equipados achávamos que alguma coisa ia acontecer.
No momento que começou a votação, um caminhão de som avisou e toda multidão começou a gritar “Retira!”, “Fora, Beto Richa!” e outras palavras de ordem. Os policiais tinham feito uma barreira com um alambrado que caiu com a massa de gente pressionando. Houve uma tentativa da multidão de avançar, mas acho que em nenhuma hipótese eles iam conseguir entrar [na Assembleia] porque eram muitos policiais. Eles tesponderam imediatamente com balas de borrachas e gás lacrimogêneo.
Foram mais de 90 minutos sem parar, uma coisa que eu nunca vi, para todos os lados. Eu estavam mais recuada, perto do acampamento. Eles atiraram lá também. A maioria dos manifestantes eram do ensino básico, que tem muitas mulheres acima dos 40, 50 anos. Também tinha muitos alunos, adolescentes do segundo grau. Não tinha black blocs. Isso que o governo está dizendo não tem cabimento.
Eles não pararam de atirar na direção de pessoas. O gás invade as vias aéreas muito rápido. Mesmo o vinagre não adianta. Em seguida, jogaram esguichos de água, o que potencializa a ação do gás. Uma ação inexplicável, sem escrúpulos. Nada justifica. A polícia tinha condições de conter de qualquer maneira [o protesto].
O governador usou a PM como sua guarda pessoal para proteger a votação. Não era para proteger prédio. Mesmo na ocupação de professores na Assembleia, que ocorreu em fevereiro, não quebraram nada no prédio, deixaram tudo limpo.
Um colega recebeu uma bomba nas costas e ficou com escaras. Vi pessoas muito machucadas, ensanguentadas, atiravam em todas as direções. No começo do que estão chamando de confronto - que não foi, foi um massacre-, atiravam na direção das ambulâncias. As pessoas feridas não conseguiam nem ser retiradas.
Algumas pessoas foram levadas para dentro da prefeitura porque acharam que [a PM] não entraria lá. O saguão ficou parecendo uma praça de guerra. As ambulâncias do Samu se colocaram atrás do prédio porque havia muita fumaça na frente.
Os professores da rede básica estavam na linha de frente. Essas pessoas se machucaram gravemente. Vi muitas pessoas sangrando nas mãos, peito, rosto. Parecia que estava dentro de um filme. Um helicóptero também sobrevoou o protesto. No meio da correria, alguns colegas viram bombas de gás vindo da direção do helicóptero.
Ontem, os acampados saíram de lá. Muita gente ficou com medo de que policiais continuassem agindo. Depois do horror da tarde, os sindicatos decidiram que não era seguro ficar lá. Todo mundo estava muito abalado. Foram recolhidas muitas provas, cartuchos de balas etc.
Colegas que estão há mais tempo na profissão dizem que desde 1988, quando o governo de Álvaro Dias também reprimiu com a cavalaria da PM um protesto de professores, não viam algo assim. Por ora, a greve continua. Há um sentimento geral de muita indignação e frustração.”