Numa sexta-feira à noite em Denver, no estado americano do Colorado, três belas mulheres se divertem numa festa armada em uma galeria de arte. Com vestidos bem cortados e sapatos de salto altíssimo, elas se dirigem até a área para fumantes localizada no pátio central. Uma delas, Jane West, 38 anos, abre a bolsa de grife e tira um isqueiro e um baseado.
O cheiro de maconha toma conta do ar enquanto a música toca e Jane passa o cigarro para duas amigas, Olivia Mannix e Jennifer DeFalco, ambas de 25 anos. Uma de cada vez, elas aspiram profundamente. Nenhum convidado vê estranheza na cena, e muito menos faz menção de chamar a polícia.
“Simplesmente adoro ficar chapada”, diz Jane, que organizou a noitada com sua nova empresa, a Edible Events, uma produtora de festas em que cada convidado leva sua própria maconha (elas têm até um nome em inglês: BYOC, sigla para bring your own cannabis). Tudo, aliás, feito de forma perfeitamente legal.
No dia 1º de janeiro de 2014, o Colorado tornou-se o primeiro estado dos Estados Unidos a legalizar a maconha para uso recreativo – até então, só o medicinal era permitido, e apenas em 26 estados. Isso quer dizer que, por lá, maiores de 21 anos podem cultivar, comprar, vender, fumar e comer cannabis, ainda que seja ilegal usá- la em público (a festa em questão é um evento privado).
Nesse novo mercado, as mulheres estão se consolidando como verdadeiras protagonistas, “limpando” a imagem da droga entre não usuários e enriquecendo no processo. Assim como o Colorado, onde há mais de mil empresas ligadas à erva, Washington legalizou a maconha recreativa em julho e Oregon e Alasca, em novembro.
Olivia e Jennifer se conheceram na faculdade e, há um ano, criaram a Cannabrand, uma companhia especializada em desenhar websites e criar logotipos para a indústria da maconha de Denver.
“Estamos ajudando a ‘reinventar’ a droga, levando-a para longe da subcultura da ‘larica’ e tornando-a socialmente aceitável para mulheres”, diz Olivia, explicando que o bônus de ficar chapada é não ter ressaca no dia seguinte. “A maconha é o novo vinho. Adoro cerveja, mas o glúten e as calorias me deixam inchada. Uns ‘tapas’ são mais saudáveis e não têm efeitos colaterais”, defende.
NOVA CLIENTELA
Para comprar a droga, elas vão a lojas como as de Brooke Gehring, de 34 anos, dona de quatro estabelecimentos que vendem baseados já enrolados por US$ 10, ou três por US$ 25. Brooke faz parte de um mercado surpreendentemente feminino, em que a novidade e o preconceito tiveram o efeito de unir grupos de mulheres que se apoiam mesmo quando competem diretamente.
“Somos nós que fazemos acontecer nesse ramo”, conta Brooke, ao lado de pacotes de balas de goma e chocolates com maconha à vista dos clientes. “Atendi 60 mil clientes no primeiro semestre de funcionamento e já tenho 85 empregados. Não raro, temos filas na porta.”
Uma de suas assistentes, chamadas de bud tender – um trocadilho com bartender (garçonete) e “bud”, a flor de maconha –, está lá para aconselhá-los. “São necessários 10 mg do ingrediente ativo para dar barato. Isso corresponde a uma baforada ou duas”, diz Jordan McFall, 29. “Mais pode resultar em alucinações e vômitos.”
Brooke explica que, hoje em dia, por ser legal e controlada, a maconha é também mais pura e potente. A usuária Liz Wellington, 34, gerente de recursos humanos, defende a nova indústria. “É melhor para consumidoras que, como eu, compravam de traficantes em estacionamentos.”
Pesquisas científicas mostram que a erva sozinha é menos viciante que o tabaco e o álcool. Mesmo assim, muitos especialistas acreditam que ela pode se tornar um hábito. A dra. Paula Rigg, diretora da divisão de dependência química da Faculdade de Medicina da Universidade do Colorado, é contra a legalização.
Ela argumenta com pesquisas que calculam em 10% o número de viciados entre os usuários frequentes. “A maconha expõe os pulmões a elementos cancerígenos e afeta a fertilidade das mulheres, além de interferir na memória.”
Para os menores de idade, a dra. Riggs garante que o uso constante diminuiu o Q.I. de forma permanente. É no público menor de idade que focam as campanhas contra a legalização, mesmo que a lei só permita o uso a maiores de 21 anos.
A marca de chocolates Hershey’s entrou na polêmica quando decidiu processar lojas que vendem doces com maconha embalados de maneira idêntica ao seu popular Reese’s Peanut Butter Cups, feito com manteiga de amendoim. A semelhança, diz a corporação, pode confundir as crianças.
AS PRIMEIRAS MILIONÁRIAS
Apesar da onda contrária, a produção no Colorado é real, legal e cresce num ritmo alucinante. No centro de Denver, perto do famoso circuito de galerias de arte da cidade, a cultivadora Kristi Kelly, 36, montou seu escritório e uma estufa de 10 mil metros quadrados. Ela planeja quadruplicar seu já milionário negócio até 2017 – no Colorado, um pequeno comércio da área fatura facilmente US$ 2 milhões por ano.
“O céu é o limite. Quero dominar o mundo.” Kristi abandonou um alto cargo na publicidade para entrar no ramo da maconha. Agora, cultiva plantas em plena cidade, todas rotuladas com código de barras para que os inspetores possam examiná-las.
Além de controlar o cultivo, o estado também obriga que os comestíveis feitos com a erva passem por teste de ingredientes e potência. É assim que eles vão parar, em peso, no laboratório de Genifer Murray, o CannLabs.
Lá, um time de cientistas mulheres usa equipamentos avaliados em US$ 1 milhão para analisar muffins e biscoitos. A empresária de 41 anos conta que, antes de dirigir o próprio negócio, era funcionária pública. Hoje está superorgulhosa por ter se tornado líder em sua área.
Outra poderosa da florescente indústria é a designer de software Jessica Billingsley, de 36 anos, que paga a si mesma um salário de seis dígitos na companhia que ela mesma criou, a MJ Freeway. O programa desenvolvido por ela acompanha todas as etapas de uma plantação de maconha, da semente à venda.
Jessica tornou-se uma das diretoras da recém-criada Associação Nacional da Indústria da Maconha dos Estados Unidos e, por isso, viaja a outros estados e à capital federal em missões de lobby pela legalização geral da erva.
EFEITOS NOCIVOS
Muitas dessas empreendedoras se conhecem e são amigas – o que as uniu foi o fórum de networking Women Grow (“mulheres que plantam”). Num sábado à noite, elas se reúnem para uma demonstração de diferentes cepas de maconha, passando de mão em mão folhas e brotos que são avaliados com atenção. A cena é parecida com uma degustação de vinho.
As usuárias são relativamente indiferentes aos efeitos nocivos. “Tento não pensar muito a respeito”, diz Megan Leigh Page, 27, funcionária de Jane e consumidora eventual. “No passado, provoquei danos à minha garganta e aos meus pulmões. Mas hoje uso o vaporizador para prevenir o problema [o aparelho esquenta o produto até liberar vapor com óleos essenciais, sem combustão e, por isso, sem os efeitos ruins da fumaça].”
Ela está muito empolgada com o futuro da maconha nos Estados Unidos. Também se esforça para dar o exemplo a outras jovens que, como ela, decidiram aproveitar as oportunidades que o comércio da droga trouxe.
“Como profissionais de sucesso e consumidoras moderadas, somos ótimas embaixadoras”, diz. “Os olhos do mundo estão no Colorado neste momento e nós acertamos em cheio ao gerenciar o negócio da erva.”
*Leia a reportagem completa está na edição de maio de Marie Claire, que chega nesta quinta (30) às bancas.