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Eu, leitora: "Troquei meu marido pela minha melhor amiga"

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"Quando me dei conta, éramos as melhores amigas. Não passava um dia sem vê-la e sempre acabávamos a noite na casa dela" (Foto: Think Stock)

“Minha vida sexual começou com uma mulher, na adolescência. Ainda no colégio, fiquei com algumas meninas. Mas não era uma situação tranquila. A primeira namorada que tive era praticamente um menino: cabelo curtinho, roupas e trejeitos masculinos. Em casa, eu dizia que sairia com uma ‘amiga’, mas, quando apresentei a garota à minha mãe, ela quase desmaiou. Sacou na hora que a coisa era mais séria. Mas, ao mesmo tempo em que eu curtia, não tinha coragem de assumir esse impulso. Sonhava com uma vida heterossexual.

Tive meu primeiro namorado aos 21. Henrique era quase dez anos mais velho. Trabalhávamos na mesma editora, mas nunca havíamos nos falado. Até que ele me tirou no amigo secreto de fim de ano e os bilhetinhos de adivinhação viraram uma espécie de correspondência erótica. Foi uma enorme descoberta. Era um cara bacana, caliente. A gente transava o tempo todo. Era delicioso ir para a cama com um homem! Depois, fiquei com vários outros. Foi aí que mudei de emprego e, na nova empresa, conheci o Júlio. Foi uma paixão incontrolável.

"Ficávamos sempre sozinhas. Numa noite, estávamos dançando e avancei sobre ela”
 

Eu tinha saído da casa dos meus pais e ele foi morar comigo. Passávamos o dia todo grudados. Vivemos seis meses naquele sonho amoroso e nossas mães pediram para a gente se casar. Eu tinha 24 anos e ele, 27. Estava apaixonada e fizemos a cerimônia. Queria ter filhos e ficar velhinha ao lado dele. Adorava a minha sogra e minha irmã namorava um dos melhores amigos dele. Era um pacote completo, aquilo que todo mundo sonha ter um dia. Minha mãe o amava acima de todas as coisas porque, para ela, ele tinha me ‘salvado’ do lesbianismo. O Júlio foi, portanto, a redenção.

E para mim também, no fundo. Tudo era mais simples com ele. Bonito, educado, bem-nascido, gentil, bom de cama. Perfeito. Casei, em 1991, na igreja Nossa Senhora do Brasil [uma das mais tradicionais de São Paulo], de manhã, com um vestido maravilhoso. À noite, teve uma festa para 300 pessoas junto com a cerimônia civil. Depois, ainda fomos para uma boate da moda e amanhecemos o dia dançando. Não queríamos que aquele momento acabasse.

MUDANÇA DE ROTINA
Tudo ia muito bem até que, dois anos depois, ele foi demitido e abriu um restaurante com um primo. Era o primeiro japonês delivery de São Paulo, com três mesinhas para, teoricamente, as pessoas esperarem o pedido. Mas o lugar pegou. No começo eu gostava. Era bem tratada, chegava lá e meu prato, com tudo o que mais amava, saía sem eu pedir. Só que a nossa rotina um mudou completamente. Júlio levantava toda manhã dia às 5 horas para buscar o peixe. Durante o dia, ia ao banco, fazia outras compras. O restaurante abria às 6 da tarde e ele ficava lá até as 2 horas da madrugada.

"Passei toda a madrugada excitada como encontro”
 

Sou jornalista, meu horário de trabalho era de 11 horas da manhã até o começo da noite. Então, quando acordava, ele já tinha saído e, quando eu voltava, ele não estava mais em casa. A única maneira de vê-lo era ir ao restaurante. Os planos de ter filho estavam ficando distantes, embora minha vontade não tivesse diminuído.

Como ele sempre estava trabalhando, comecei a sair sozinha. Numa noite em que fui a um restaurante com um amigo gay, o Paulo, ele me apresentou à Lígia. Ela era alta, ruiva, tinha enormes olhos verdes e uma beleza pouco convencional. Daquelas pessoas que nunca passam despercebidas. Conversamos a noite inteira e, antes de irmos embora, ela me convidou para jantar com uma ex-namorada no dia seguinte. Quando disse ‘ex-namorada’, parecia que tinha caído um raio sobre mim.

Passei a madrugada pensando muito nela, estava excitada com aquele encontro. Lígia era uma louca, cheia de histórias e projetos. Também era casada com um homem e tinha duas filhas. Fiquei próxima da família, saíamos comas meninas. Quando me dei conta, éramos as melhores amigas. Não passava um dia sem vê-la e sempre acabávamos a noite na casa dela.

"Minha sogra disse que nunca me aceitaria lésbica”
 

O marido e as crianças viajavam quase todo fim de semana. Ela, que era atriz, não ia porque estava em cartaz com uma peça. Ficávamos sozinhas direto, por meses. Até que, numa noite, estávamos na casa dela dançando e avancei sobre a Lígia. Ela reagiu como se não tivesse entendido minha atitude. Mas estava me seduzindo e se insinuando, criando situações para que isso acontecesse. Transamos de uma maneira meio atrapalhada, não houve um encaixe instantâneo. Mas me apaixonei. E mais do que isso: me reencontrei comigo mesma. Até então, achava que as minhas histórias com mulheres tinham sido só uma iniciação sexual.

"Quando eu dizia que ia sair com a Lígia, brincava: ‘Vai namorar?’, tamanha era nossa proximidade" (Foto: Think Stock)

Naquele momento, vi que aquele desejo ainda vivia em mim. A coisa foi se tornando séria. Queria contar logo para o Júlio, mas nossos pais decidiram nos dar um apartamento e, enquanto não o achávamos, fomos morar com a minha sogra. Escondi a história para não nos separarmos naquela situação nem envolver as famílias numa briga. Quando eu dizia que ia sair com a Lígia, brincava: ‘Vai namorar?’, tamanha era nossa proximidade.

VIDA SEXUAL
Minha vida sexual com o Júlio continuava normal. Claro, às vezes não sentia vontade de ficar com ele porque tinha transado com a Lígia, mas topava. É muito diferente se relacionar com mulher e com homem. Se estivesse namorando uma menina e saísse com outra, ela teria sacado no primeiro segundo, ou no minuto em que troquei de perfume e comecei a usar o mesmo que a minha amante porque queria sentir o cheiro dela o dia todo.

"Transtornado, meu marido pegou a chave de roda e disse para não me aproximar”
 

Não tem como: as mulheres percebem os pequenos detalhes. Homens, não. Pelo menos foi o que a minha experiência mostrou. Em 1994, quatro meses depois do primeiro beijo com a Lígia, na primeira noite em que eu e o Júlio dormiríamos juntos no apartamento novo, virei para ele e falei: ‘Sabe quando você diz que a gente é namorada? É verdade’. Assim, de supetão. Só que ele não tinha a menor desconfiança de nada.

Aquele papo de ‘sua namorada’ era realmente brincadeira. Ele ficou assustado, mas não foi agressivo. Me perguntou se eu era sapatão. Respondi que não sabia, que não tinha parado de gostar dele, mas que estava apaixonada por ela. Queria que resolvêssemos isso juntos. Então, pediu um tempo para pensar e marcou um jantar como Paulo – o mesmo que tinha me apresentado à Lígia. Mas olhe a confusão: ele era apaixonado pelo Júlio e viu ali uma oportunidade de se passar pela única pessoa que estava sendo leal ao meu marido!

Falou que eu e a Lígia éramos o casal mais famoso da cidade e que todo mundo sabia de nós, menos ele. Era mentira! Júlio ficou com raiva dos meus amigos, que não teriam contado nada para ele. Voltou da conversa outra pessoa. Aquele comportamento compreensivo virou ódio: entrou em casa transtornado, com a chave de roda do carro na mão, e falou: ‘Não chega ga perto ou eu mato você’. E começou a arrumar a mala. Botava algumas roupas dentro dela e jogava outras pela janela. Quando foi embora, liguei para o Paulo e falei: ‘Você está gostando dessa história. Porque agora ele tem essa dívida de lealdade com você, a pessoa que abriu os olhos dele’. Era tudo o que meu (ex-) amigo queria. Passei a noite em claro, olhando para o teto.

Achei que a minha vida estava acabada. De manhã, tomei banho, me vesti e fui trabalhar. Cheguei à garagem e meu carro estava inteiro destruído. Júlio não teve coragem de bater em mim, mas descontou ali sua raiva. Quebrou todos os vidros e os faróis. Fui dirigindo para o mecânico aos prantos. Meu marido então desapareceu do mapa. Sumiu. Ninguém sabia onde ele estava, nem a mãe dele, a não ser o Paulo, que levava frutas diariamente para seu ‘esconderijo’ e me ligava, sadicamente, dizendo para ficar tranquila. Só que eu estava desesperada. Precisava falar como Júlio. Não queria terminar desse jeito e, além de tudo, sentia falta dele.

'ENFIM SÓS'
Do outro lado, a Lígia comemorava: ‘Enfim sós’. Ela resolveu contar tudo para o marido também.O cara saiu de casa e levou as filhas, falou que não queria elas crescendo num ambiente gay. Lígia ficou histérica. Só vinha me ver nesse estado. Acabei pegando ‘bode’ dela. Queria que ela me ajudasse e, de repente, quem estava precisando de ajuda era ela! Também terminamos.

Dez dias depois, Júlio me telefonou. Falou que iria pegar suas coisas, que era para eu deixar a porta aberta ou a arrombaria. Quando voltei do trabalho, não tinha nada em casa. Nem uma colher para comer iogurte. Só a cama e a geladeira. Todo o resto ele levou. Contei a história para um tio advogado, que nos separou rapidinho. Liguei para a minha sogra implorando que me ouvisse. Ela disse que não haveria problema se eu tivesse traído seu filho com um homem, mas jamais aceitaria uma homossexual.

Meus pais me acolheram, mas não entraram em detalhes sobre minha ‘condição’. Estava sem aliado algum. Logo depois, minha irmã veio morar comigo e mobiliamos o apartamento de novo. Ainda abalada coma história, uma noite tive um sonho erótico com a Márcia, uma antiga colega de trabalho, lésbica assumida. Uma amiga chegada armou o reencontro e, na mesma hora, ela me chamou para viajar.

Passamos uma semana juntas e, na volta, me mudei para a casa dela. Minha irmã ficou no meu apartamento, comprei a parte do Júlio e encerrei o assunto. Finalmente estava livre para viver com uma mulher, numa outra história. Ficamos juntas 11 anos. Mas ainda me sentia incomodada com a situação que tinha vivido. Tinha medo de trombar com o Júlio ou algum parente dele na rua.

PERDÃO
Meu ex-marido fechou o restaurante e voltou para a empresa em que trabalhava. Teve dois filhos: um com uma ficante e outro com uma mulher com quem se casou – e logo se separou. Tinha muita vontade de reencontrá-lo e não ver o olhar de ódio que ele exibia no rosto quando saiu de casa. Estava acostumada com ele me vendo com amor e não como se eu fosse feita de gelo.

Meu projeto de ser mãe ficou no passado, mas numa boa. Adoro ser tia.  Recentemente, nos encontramos no chá de bebê da minha irmã. Só havia adultos na festa, exceto a filha dele. A menina me amou! Ela é uma graça, linda. Não acreditei quando chegou perto de mim e pediu para eu guardar sua sandália. De vez em quando, vinha me dar um beijo. Fiquei quebrada. No fim, ela foi embora e esqueceu a sandália comigo. Pedi o telefone do Júlio para a minha irmã e mandei um torpedo com uma foto dos sapatos. Escrevi: ‘Está comigo. Se quiser de volta, vai ter de pagar resgate’. Ele respondeu: ‘Você guardou a sandália e ainda está me dando seu telefone? Hoje é meu dia de sorte’.

Marcamos de tomar uma cerveja, mas isso nunca aconteceu. Acho que ele me perdoou, só não teve coragem de sair comigo. Para mim, tudo bem. Eu precisava disso para me sentir inteira de novo. Hoje, a Márcia é minha amiga, a Lígia também, e voltei até a falar com o Paulo. Só falta mesmo reatar como Júlio.”

* Os nomes foram trocados a pedido da entrevistada


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