“A falta de rotina é o que nos move.” É assim que a jornalista Glau Gasparetto, 38, e que o consultor em tecnologia Adriano Dias, 42, definem a vida que decidiram levar há um ano. O casal paranaense deixou de lado toda a burocracia que implica um trabalho corporativo diário para colocar em prática um sonho antigo: trabalhar viajando.
“Nós dois passamos quase 20 anos trabalhando em empresas tradicionais, de diferentes portes. E viajar sempre foi uma paixão compartilhada, algo que fizemos tanto quanto possível nos 11 anos que somos casados”, conta ela. “E em todas as férias era a mesma história: nos momentos de devaneio, pensávamos em mil maneiras de viajar mais, buscando alguma alternativa de trabalho remoto.”
Em dezembro de 2013, então, eles decidiram se dedicar integralmente à empresa, que haviam aberto anos antes para eventuais trabalhos autônomos, e fizeram as malas. De lá para cá, somaram cinco meses e meio fora de casa, 32 lugares visitados em 10 países, 40 voos, 200 horas dentro de aviões, 9000 km de estradas percorridas no Brasil e no exterior, e algo em torno de 120 GB de 3G/4G consumidos – sem conta o wi-fi, é claro!
A dedicação a projetos digitais somada à expertise em várias áreas de conhecimento - jornalismo, design e tecnologia - e ao networking com empresas e pessoas da mesma área, que rendeu potenciais clientes, ajudou a viabilizar a vida tão sonhada.
Para tudo funcionar bem, foi preciso ainda montar um “escritório” compacto e sem fios. “São computadores, tablets, smartphones e outros acessórios que nos ajudam a trabalhar a partir de qualquer lugar. Adotamos recursos diversos como, por exemplo, sistema de voz sobre IP, o que garante que um cliente possa falar conosco em qualquer lugar que estivermos – e, pra ele, será apenas como fazer uma ligação para nosso número em São Paulo”, explica Glau.
“Aí foi preciso só um pouco de coragem, confiar em nossa competência, ter um pouco de disciplina, gostar muito do que faz e se jogar neste novo mundo", acrescenta Adriano.
TRABALHO É PRIORIDADE
Nas redes sociais, não é difícil encontrar pessoas elogiando – e até “invejando” - a falta de rotina do casal, mas eles garantem que é preciso muito planejamento e disciplina para mantê-la. “Não serve para todas as profissões ou pessoas”, esclarecem.
“A questão do planejamento inclui ter praticamente tudo preparado antes mesmo de chegar a um destino – escolhemos hotéis, pousadas ou apartamentos com boa internet, sabemos onde comprar chips para celular e até as melhores opções de deslocamento”, conta Glau. “Também temos como regra que o trabalho é prioridade. Antes de viajarmos, dedicamos tempo para adiantar tudo o que é possível, para termos mais tempo livre durante a viagem. E ainda nos organizamos para estar pelo menos um período de cada mês em São Paulo, para reuniões presenciais com os clientes.”
Se algum imprevisto surgir, eles não veem problema em ficar no hotel, numa cafeteria ou em um restaurante trabalhando o dia inteiro, “mesmo que seja necessário abrir mão de alguma programação prevista”. Por isso, costumam programar uma estada, no mínimo, 50% mais extensa do que a recomendada para um turista convencional.
Além disso, eles contam com uma forcinha extra de seus hábitos de trabalho. A preferência por colocar a mão na massa no período da noite possibilita que eles reservem a manhã para visitar as cidades por onde passam, sempre com os aparelhos móveis em mãos para solucionar qualquer urgência. “Esse esquema é bastante conveniente quando estamos em países em que o fuso horário está a nosso favor. Na Turquia, por exemplo, estávamos seis horas à frente. Quando voltávamos para o hotel, depois dos passeios, coincidia com o horário que nossos clientes estavam começando a enviar demandas.”, explica ela.
“Para nós, que amamos tanto conhecer outros lugares, pessoas e histórias e, ao mesmo tempo, adoramos poder trabalhar no mundo digital, foi certamente a melhor decisão que tomamos em nossas vidas até agora”, garantem.
TURISTAS x NÔMADES DIGITAIS
O controle dos gastos e do tempo são os principais fatores que separam a Glau e o Adriano de turistas comuns. Acordar a qualquer hora e passar longos períodos à beira mar ou em restaurantes são práticas inviáveis para os nômades digitais, assim como se permitir comer em restaurantes bacanas todos os dias, não se preocupar com a conta do bar e fazer absolutamente todos os passeios.
Entram para a lista de diferença o fator determinante para a escolha da próxima viagem. Enquanto muita gente se guia pelo destino dos sonhos, eles se pautam pelas promoções de passagens aéreas. “Pesquisamos constantemente o melhor preço de passagem e de hotéis; fazemos cálculos e combinações de rotas de voos até encontramos a situação que gastamos menos; buscamos as mais baratas formas de se deslocar pelas cidades (geralmente por transporte público)… Ou seja, já temos expertise em planejar tudo para gastar pouco”, esclarece Glau.
Tal hábito lhes rendeu experiência suficiente para desenvolver um serviço de busca de passagens baratas, que deve ser lançado em breve. “Vai ajudar mais pessoas a viajar sem gastar muito, como nós.”
SAUDADES DA VIDA ANTIGA?
Glau e Adriano definem a atual situação como “vida wireless” – e cada destino novo como “escritório do dia”. Tudo devidamente registrado e compartilhado em blogs que levam esses mesmos nomes.
“Seguimos no sentido contrário do que mais nos incomodava nas empresas: os cabos. No ambiente corporativo, há muitos cabos que nos prendem ao ambiente e às regras. Há cabos dos computadores, cabos dos telefones, ‘cabos’ da burocracia e das políticas internas, ‘cabos’ de RH. Eles nos limitavam e nos angustiavam”, diz Glau.
Por outro lado, confessam sentir falta de alguns detalhes da vida corporativa. A convivência diária com alguns colegas de trabalho, o comodismo da carteira assinada, a garantia do 13º salário, o plano de saúde e a previdência privada são alguns deles. Afinal, assumir os próprios benefícios implica em gastos maiores.
Mas as experiências vivenciadas graças a essa liberdade têm compensado. Já consta no passaporte do casal visita à Turquia em pleno Ramadã; vôo de balão na Capadócia; passeio pelo Pamukkale; duas semanas “morando” numa casa voltada para o mar, na Costa Amalfitana; participação no Yi Peng (o festival das lanternas e dos katrongs), na Tailândia; passeio de caiaque em Halong Bay, no Vietnã; além de muitos pôr do sol fantásticos em diferentes lugares do mundo.
Entre os destinos preferidos estão: Koh Phi Phi (Tailândia), Halong Bay (Vietnã), Capadócia (Turquia), Santorini (Grécia) e Costa Amalfitana (Itália). Entretanto, esta lista pode mudar a qualquer momento, visto que o primeiro semestre de 2015 do casal já está completamente agendado com idas à Europa, Estados Unidos e Caribe.
“Talvez sejamos corajosos por sair da zona de conforto e experimentar, por correr atrás de um sonho antigo e arriscar, sem saber se daria certo. Algo que parecia uma utopia, um plano a longo prazo – talvez para quando estivéssemos beirando a aposentadoria – é algo tão real que não desejamos outra vida”, acrescenta Glau. "Há pessoas que priorizam um carro novo na garagem (ou até mais que um), o jantar semanal no restaurante bacana, o celular mais legal do mercado, um guarda-roupa recheado de roupas e sapatos caros. Nós preferimos viajar."