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Violência sexual contra a mulher é generalizada no Egito, diz líder feminista Maissan Hassan

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Mulheres egípcias durante protesto no Cairo: para a ativista Maissan Hassan, pouco mudou em relação aos direitos femininos no país após a Primavera Árabe (Foto: Getty Images)

Foi ouvindo as histórias contadas pela mãe, que cedo foi obrigada a abandonar a escola, mas conseguiu mais tarde concluir os estudos e se tornar uma respeitada professora universitária, que a ativista egípcia Maissan Hassan despertou para a luta feminina no país que ostenta alguns dos piores índices de violência de gênero.

“A batalha feminista sempre foi contra o patriarcado, antes, durante e depois da Primavera Árabe”, diz a ativista, de 30 anos, que não vê grandes mudanças após as revoltas populares que varreram ditaduras do Mundo Árabe a partir de 2010. “O levante político mudou a forma como o patriarcado e a desigualdade de gênero se manifestam.”

Formada em sociologia e cinema pela Universidade Americana do Cairo, a jovem hoje documenta histórias de mulheres egípcias, que acredita servirem de inspiração para as novas gerações. No país que, segundo relatório da organização Human Rights Watch deste ano vive “uma epidemia de violência sexual”, se tornou uma das principais vozes jovens em defesa dos direitos femininos.

Nos últimos três anos, tem havido recordes de casos de ataques sexuais em grupo e estupros de mulheres em espaços públicos no país”, confirma a ativista que, no entanto, vê avanços no movimento feminista no país. “Houve um aumento significativo de jovens mulheres engajadas no debate público, seja em partidos políticos, trabalhando em grupos civis ou começando suas próprias iniciativas para combater a desigualdade de gênero e por mudanças sociais.”

Após uma rápida passagem pelo Brasil, onde participou do congresso internacional “Memória – Alicerce da Justiça de Transição e dos Direitos Humanos”, no início do mês, Maissan conversou com Marie Claire.

A ativista egípcia Maissan Hassan durante sua fala em congresso internacional em São Paulo, cujo tema foi "Iniciativas de Memória Emergentes"  (Foto: Divulgação)

Marie Claire – Quando você decidiu documentar as histórias e experiências de mulheres no seu país?
Maissan Hassan –
Eu cresci ouvindo as histórias da minha mãe, de como ela lutou contra a desigualdade de gênero ainda criança, quando foi forçada a abandonar a escola. Minha mãe, que hoje é uma dedicada professora universitária e mãe, me ensinou bem cedo lições de feminismo me contando histórias de resistência. Desde então, fiquei fascinada por coletar e documentar esses relatos, em particular de mulheres, durante meus estudos de ciências sociais na universidade e depois nos meus trabalhos em organizações de defesa dos direitos femininos e como pesquisadora e documentarista.

MC – Como essas experiências individuais podem ajudar outras mulheres que têm direitos negados em outros países?
MH –
As histórias têm o poder de inspirar e motivar. Mais importante, elas nos ajudam a superar a sensação de isolamento que geralmente sentimos quando enfrentamos injustiças e opressão. Além das minhas experiências pessoais de como essas histórias podem exercer um grande papel na vida de alguém, aprendi a importância de relatos femininos na mobilização e construção do movimento feminista. Contar histórias das feministas egípcias pioneiras, como [a antropóloga] Marie Assad [uma das pioneiras do estudo da mutilação genital] e [a poeta e filósofa] Doria Shafik, é uma fonte de inspiração para novas iniciativas feministas no país. Essas mulheres ajudaram a construir a história que as jovens feministas aprender e se espelham.

MC – Muitas feministas no Egito afirmam que, após a Primavera Árabe, a verdadeira batalha das mulheres passou a ser contra a sociedade patriarcal. Você concorda?
MH –
A batalha feminista sempre foi contra o patriarcado, antes, durante e depois da Primavera Árabe. O levante político mudou a forma como o patriarcado e a desigualdade de gênero se manifestam.

MC – Recentemente, a organização Human Rights Watch divulgou um relatório que fala de uma “epidemia de violência sexual” no Egito. A situação no país é pior do que em outros na região? Por que?
MH –
A situação de violência sexual varia enormemente nos países do Oriente Médio e Norte da África, em particular com relação aos recentes conflitos armados. No Egito, a violência sexual pode ser descrita como epidêmica porque ocorre em larga escala e se espalha rápido. É generalizada em toda a esfera pública e privada e varia entre assédio, agressão sexual e estupro. Nos últimos três anos, tem havido recordes de casos de ataques sexuais em grupo e estupros de mulheres em espaços públicos no país.

MC – Grupos egípcios de diretos humanos têm denunciado também, com frequência, casos de assédio sexual e mutilação genital feminina. Como lutar contra esses crimes?
MH –
A luta contra o assédio sexual, violência sexual e mutilação genital vem sendo travada há anos. Na verdade, grupos feministas e de defesa dos direitos humanos vem tentando combatê-los há décadas. Alguns progressos aconteceram. Por exemplo, a mutilação genital, um tabu por muitos anos, vem sendo denunciada e discutida na maior parte do país. No entanto, é uma batalha longe de estar acabando. Embora a prática seja crime no Egito, ainda é muito comum. Em novembro de 2014, um tribunal absolveu o primeiro médico a ser processado por realizar a mutilação em uma menina de 12 anos, que morreu durante o procedimento em 2013. A luta contra esses crimes requer uma reforma legal, campanhas de conscientização e produção de conhecimento que capacite mulheres e homens.

Egípcias comemoram o primeiro aniversário da revolução que derrubou o ex-ditador Hosni Mubarak, em 2012 (Foto: Getty Images)



MC - Como é possível fazer com que as vítimas denunciem os crimes numa cultura que ensina meninas que ser vítimas de assédio sexual é algo vergonhoso?
MH –
Sobreviventes e vítimas de violência sexual não denunciam porque a justiça geralmente as desestimula. Derrubar o estigma das vítimas de violência sexual é uma responsabilidade  de todos, governo, organizações não-governamentais e os meios de comunicação. A mídia tem uma grande parcela da culpa ao apresentar casos de violência sexual como algo sensual em vez de crimes hediondos contra cidadãs que estão sendo alvo devido ao gênero, por serem mulheres. Mais mulheres passarão a denunciar se conseguirmos mudar essa cultura de culpar as vítimas.

MC – Este ano o Egito criminalizou o assédio físico e verbal às mulheres, estabelecendo uma pena sem precedentes para este tipo de crime. A lei vem sendo aplicada?
MH –
Antes desta mudança, havia poucos casos de mulheres que chegaram a processar homens por assédio verbal ou físico. Após a aprovação das novas penas, em julho de 2014, sete homens foram condenados à prisão perpétua por agressões sexuais ocorrida na Praça Tahrir [epicentro dos protestos da Primavera Árabe]. Embora muitos crimes sexuais sigam impunes, estas mudanças na lei são passos importantes para mudar essa cultura de impunidade a quem comete essas atrocidades.

MC – O presidente Abdul Fatah Khalil Al-Sisi se tornou o primeiro líder egípcio a reconhecer um caso de violência sexual ao visitar a vítima de um estupro praticado por uma gangue e pedir desculpas. Qual a importância desse gesto?
MH –
Foi importante para acabar com o estigma de que falava sobre as sobreviventes e vítimas da violência sexual. Infelizmente, muitas ainda são investigadas e têm que responder a acusações de que foram também responsáveis de alguma forma pelos crimes. Elas são questionadas sobre como estavam vestidas, como se comportaram e por que estavam naquele lugar naquele momento. Estas perguntas também funcionam como ferramentas para manter as mulheres longe da esfera pública.

MC – A escritora egípcia Mona Eltahawy disse que muito pouco mudou desde os levantes que começaram na Tunísia em 2010, mas que a Primavera Árabe criou nas mulheres o poder da revolta e a necessidade de usá-lo. Como vê essa análise?
MH –
É claro que mudanças estruturais necessárias para alcançar a igualdade de gênero não acontecem no espaço de um ano ou dois. Uma das coisas que mudaram após janeiro de 2011 [data da queda do governo ditatorial de Hosni Mubarak no Egito] foi o aumento significativo de jovens mulheres engajadas no debate público, seja em partidos políticos, trabalhando em grupos civis ou começando suas próprias iniciativas para combater a desigualdade de gênero e por mudanças sociais.

MC – Você tem algum contato com grupos feministas no Brasil? Consegue ver alguma semelhança entre a situação dos direitos das brasileiras e egípcias?
MH –
O patriarcado está em toda parte. Nós aprendemos muito com outros países ao redor do mundo. A solidariedade internacional é crucial para mudar a realidade de mulheres em diferentes comunidades. Uma das experiências que mais amo é fazer parte do Frida, um fundo para jovens feministas que apoia grupos de defesa das mulheres internacionalmente. Os bolsistas do Frida estão espalhados por países como Brasil, Burundi, Zimbábue, Nepal, Trinidad e Tobago, Nicarágua, México, Afeganistão, Eslovênia, Equador e Egito.


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