Quando recebeu o convite para escrever um dos volumes da série best-seller “For dummies” (que no Brasil ganhou a tradução “para leigos”), o psicólogo Fred Mattos, especialista em relacionamentos amorosos, se viu diante de um desafio. Como falar no mesmo tom didático dos outros volumes–que já abordaram temas como vinhos e guitarra – sobre algo tão imprevisível quanto os relacionamentos amorosos?
O autor, que colabora para sites como “Papo de Homem” e “Casal Sem Vergonha”, resolveu então abandonar a versão original americana e fugir do padrão “homens são racionais e mulheres, emocionais”. Assim, “Relacionamento para Leigos” (Ed. Alta Books) procura destrinchar todos os elementos ligados a um relacionamento, da paquera aos sinais para identificar que a relação já acabou.
“São dicas que se aplicam a qualquer tipo de relação e de orientação sexual. Tive a preocupação em não seguir uma heteronormatividade, não ficar com aquela sensação de que é um livro escrito para menininhas”, diz Fred.
Com brincadeiras com o universo organizacional, como “Treinando para ser empreendedor na arte de administrar um relacionamento”, o psicólogo diz ter aprendido na sua experiência clínica de atendimento de casais como a maior parte das relações acaba não por falta de amor, mas porque não há praticidade na vida a dois.
“Como nossa cultura estimula o mito do relacionamento amoroso como se fosse uma coisa mágica, quase mística, a gente acaba sendo um pouco ingênuo imaginando que a relação funciona por conta do destino”, afirma. No livro, Fred diz dar orientações para que, caso o amor bata à sua porte, você esteja preparado.
“Os maiores problemas de relacionamento acontecem porque todo mundo se acha um pouco (leia-se muito) especialista em matéria de amor e quando chega a hora de se relacionar, acaba colocando o coração na frente da razão, e cria mais confusão do que felicidade. Algumas frases muito repetidas popularmente começam a parecerem verdades, mas que ocultam problemas potenciais que acabam por transformar a vida dos casais em algo muito ruim."
A pedido de Marie Claire, o autor listou dez dicas sobre relacionamento amoroso que todo mundo acha que já sabe, destas que de tão repetidas viraram verdades universais.
1. Você acha que o amor basta
Infelizmente não basta, porque mesmo o amor mais bonito do cinema acontece num local geográfico onde as pessoas trabalham, estudam, vivem, pagam as contas, administram problemas e tem outras prioridades além do amor de casal. Aqueles que não sabem manejar esses detalhes práticos da vida cotidiana fazem a admiração e o amor naufragarem em menos de um ano de relacionamento.
2. Diferenças pessoais se ajustam?
Alguns problemas pequenos, como gosto alimentar ou estilo musical podem se conciliar com o relacionamento. Mas valores pessoais expressos em conduta de vida, religiosidade, posição política, hábitos familiares e hábitos pessoais podem se transformar em grandes infernos na vida do casal. Na fase de namoro ninguém nota, pois cada um volta para sua casa no fim do dia, mas na hora de enfrentar as fases mais difíceis, como abalos financeiros, nascimento de filhos, ou doença na família é que as diferenças podem revelar problemas graves. O tempo não resolve diferenças fundamentais.
3. Opostos não se atraem
Se uma pessoa mais intimista se relaciona com outra que se conecta com todo mundo, ou uma mais conservadora com outra questionadora, isto pode acabar sendo um problema. Se elas não souberem valorizar o que há de diferente, isso vira uma guerra amorosa. As semelhanças também não garantem uma solução caso elas só se fechem nas suas características prediletas. O ponto não é a diferença ou semelhança, mas a conciliação e a busca de evolução.
4. O amor não é capaz de mudar a pessoa amada
Diferente do que os livros de romance dizem nem sempre o amor tem o poder de curar as feridas, mágoas, traumas e problemas de personalidade. Se fosse assim, eu como psicólogo diria para as pessoas se apaixonarem para buscar sua “cura”. O amor é um refresco para fases difíceis, mas não é uma garantia de mudança pessoal efetiva. Podemos aprender muitas coisas com a pessoa amada, mas só se estivermos abertos a isso.
5. O amor tem que ser puro e desinteressado... Será?
Um amor puro e meio cego é um amor que se alimenta de fantasias e idealizações. Se ele não busca nada de volta, então ele não é humano. O amor real, daquele que se beneficia de crescimento, amadurecimento, feedback, apoio mútuo, colaboração e empatia é "interesseiro". No sentido de buscar um benefício pessoal além do bem-estar do outro. Alguém que ama sozinho vive um amor doente e parasitário, ambos precisam avançar com o amor.
6. Um amor não se cura com outro
Um novo amor pode quando muito distrair um pensamento persistente em relação ao ex. Mas se isso for sinal de problemas pessoais mal resolvidos ou traços de personalidade complicados então um novo amor será só uma reprodução, com outra fachada, de conflitos antigos. Trocar seis por meia dúzia.
7. A rotina não mata um relacionamento
O que mata é a incapacidade do casal ver na rotina o que ela tem de única, diferente, criativa, estável, aconchegante e geradora de mudanças pessoais. A rotina só é um problema para quem já está propenso a desistir por qualquer motivo. Numa rotina positiva um casal pode se descobrir a cada novo dia.
8. Em briga de marido e mulher, se mete a colher
Casais que ficam fechados em sua bolha podem se tornar muito tóxicos e presos num ciclo ruim. O isolamento do casal em relação aos amigos, "padrinhos" e conselheiros do bem pode fazer que eles reforcem cada vez mais certezas problemáticas do relacionamento. Estar aberto para interferência saudável dos outros é uma forma de evitar uma cegueira amorosa.
9. O amor não é (só) um sentimento
O amor é uma ação, mais que um sentimento, pois para se renovar precisa de oxigênio produzido numa vida funcional. Se você acha que na sua essência você ama, mas isso não vira ação, palavra, elogio, apoio, contas pagas, vida estável, cuidado consigo e uma vida com significado, então você não entendeu o que é o amor.
10. Relacionamento sobrevive sim a uma traição
A traição pode ser resultado de muitos motivos, dos mais sórdidos aos mais incompreensíveis, e esse acontecimento pode ser resultado de um momento estranho de um casal, de uma crise passageira, de um problema de personalidade, de uma tentativa de descobrir novos modelos de vida até a gota d'água de algo problemático. Nenhuma traição pode ser vista do mesmo jeito, é preciso certo bom senso, frieza, coragem e humildade para um casal se debruçar, analisar, se redescobrir e se superar, ou simplesmente entregar a toalha. Longe do fim, ele pode revelar muitos recomeços, mas isso só para quem não é extremista ou impaciente.