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Pela humanização, artistas registram relatos de mulheres que sofreram agressões durante o parto em hospitais brasileiros

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UMA EM QUATRO MULHERES JÁ SOFREU ALGUM TIPO DE AGRESSÃO NO PARTO (Foto: Carla Raiter)

A violência obstétrica, há anos, se transformou em uma realidade brasileira. Segundo a pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado realizada pela Fundação Perseu Abramo em parceira com o SESC, em 2011, uma em cada quatro mulheres brasileiras que deram a luz em hospitais públicos ou privados alega ter sofrido algum tipo de agressão durante o parto. Interessadas em reverter esta situação, a fotógrafa Carla Raiter e a produtora cultural Carolina Ferreira decidiram criar o Projeto 1:4.

Inspiradas no Projeto Unbreakable, que fotografa vítimas de abusos sexuais segurando cartazes com frases ditas pelos violentadores, a dupla, que já lutava pela humanização dos partos, decidiu retratar o relato de mulheres que vivenciaram a experiência terrível da violência obstétrica, “mas de um jeito mais forte – com trechos tatuados na pele e com uma estética diferente”.

O projeto teve início com três convidadas. Mas assim que ganhou uma página no Facebook, centenas de mulheres do país inteiro procuraram as artistas a fim de contar suas histórias. O relato é impresso em um papel importado próprio para tatuagem temporária e aplicado no corpo. “Fotografamos e depois removemos”, explica Carla.

"LIDAR COM ESSES RELATOS É UM EXERCÍCIO DIÁRIO DE HUMANIDADE" (Foto: Carla Raiter)

“Das centenas de relatos recebidos, de todas as mulheres já fotografadas, todos nos mobilizaram. Lidar com esses relatos, essas mulheres e famílias, para nós, é um exercício diário de humanidade, de enxergar o outro – um outro que já foi negligenciado pela rede que deveria apoiá-lo, suportá-lo”, acrescenta.

Segundo Caroline, que há treze anos viveu uma cesárea indesejada, imposta, inquestionável e com episódios de imperícia, violência psicológica e desassistência, “a violência obstétrica deixa danos perenes e irreparáveis”.

"A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA DEIXA CICATRIZES INDELÉVEIS" (Foto: Carla Raiter)

“Algumas mulheres relatam dores físicas excruciantes, como cesáreas sem anestesia, outras tiveram as vidas arrasadas depois de humilhações e agressões físicas durante o parto. São mulheres que tiveram suas relações familiares – com a criança, com o pai do bebê, com aqueles que são próximos a ela – seriamente abaladas. São mulheres que desistiram de tentar a maternidade de novo. Em todas as suas faces – violência física, verbal, intimidação, imperícia, má prática, descaso – a violência deixa cicatrizes indeléveis e desmesuradas”, conta.

Com o projeto, elas pretendem atrair cada vez mais atenção e questionamentos sobre o problema, além de sensibilizar e estimular a humanização do parto. “Trata-se de um processo biológico, psicológico, social e até espiritual da mulher, protagonizado pela mulher, e não pela equipe médica. Qualquer intervenção só é feita quando realmente necessária, e com informação e consentimento prévios. No parto humanizado, a mulher tem a liberdade de escolher onde vai parir – no hospital ou em sua própria casa, por exemplo, contanto que seja uma gestação de baixo risco – e quais serão os profissionais de sua equipe, e é acompanhada por uma ou mais pessoas de sua confiança, como o pai do bebê, sua mãe etc. Também pode contar com o auxílio de uma doula e de métodos não farmacológicos de alívio da dor, além de ter total liberdade para se movimentar, se alimentar, ingerir líquidos e parir na posição que for mais confortável – que raramente é aquela imposta pela maca, com a mulher deitada, com as pernas em apoios”, explica Carla.

"ALGUMAS MULHERES RELATAM DORES FÍSICAS EXCRUCIANTES" (Foto: Carla Raiter)



Além disso, a fotógrafa ressalta que a humanização deve também “incluir a liberdade de a mulher escolher o tipo de nascimento que quer para o seu filho – e isso incluiria a escolha por uma cesárea”.  Mas para isso, é preciso que as futuras mães tenham mais acesso a informações de qualidade.

Com este intuito, elas seguem então dando andamento ao projeto, que, por algumas limitações geográficas e financeiras, é realizado apenas em São Paulo. Mas a intenção é expandir e, “futuramente, com mais material, fazer uma exposição ou publicar em formato de livro”.

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FALTA DE ASSISTÊNCIA TAMBÉM É ABUSO (Foto: Carla Raiter)

 


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