Há oito anos, o fotógrafo de moda David Jay soube que uma de suas melhores amigas, uma modelo de 28 anos, tinha câncer de mama. Gêmea idêntica de sua namorada, ele a havia clicado diversas vezes desde que ela tinha 16 anos. Ao vê-la pela primeira vez após uma mastectomia (cirurgia para retirada parcial ou total da mama), Jay soube que as vidas de todos ao redor nunca mais seriam as mesmas e achou que deveria documentar aquele momento.
“Cheguei para ela e disse: ‘Preciso fazer fotos suas assim” e ela respondeu: ‘Claro que sim’”, lembra o fotógrafo. Assim nascia o Scar Project (Projeto Cicatriz), que já fotografou mais de cem mulheres –e alguns homens- vítimas da doença ao redor do mundo. Naquela ocasião, na Austrália onde vivia, Jay lembra que fez algumas imagens sóbrias da amiga, vestida de jeans, camiseta e com uma cicatriz visível atravessando o peito por baixo do tecido.
Veja uma galeria de imagens de mulheres retratadas no Scar Project
Desde então, as modelos clicadas pelo fotógrafo aparecem nuas ou seminuas, em retratos que exibem sem subterfúgios não apenas as marcas, mas expressões singulares de tristeza, orgulho, coragem. “Eu espero que as imagens do projeto transcendam a doença e passem uma mensagem sobre humanidade e vida, que as pessoas não as vejam só no contexto do câncer, porque essa é uma maneira muito simples de encarar algo bem mais complexo”, diz o fotógrafo, pela primeira vez no Brasil para fotografar quatro participantes brasileiras, a convite da Fundação Laço Rosa, que atua na prevenção à doença.
Acostumado a fotografar algumas das mais belas mulheres do mundo ao longo de 15 anos, Jay afirma que a iniciativa não se confunde com o seu trabalho. “A fotografia de moda é fantasia e este projeto é a realidade. Quando faço as fotos, de fato não estou interessado em capturar uma imagem linda de uma mulher com câncer, mas uma imagem verdadeira”, observa. “Nós gastamos tanto tempo obcecados pelo nosso físico, a maneira que nos vestimos, que parecemos para os outros. Essa é a parte menos importante da beleza.”
Todas as fotografadas têm entre 18 e 35 anos. O fotógrafo conta que decidiu voltar suas lentes para mulheres jovens porque elas não eram o foco das campanhas de prevenção na época, quando muitas estavam morrendo vítimas da doença. “Elas estão no começo de suas vidas, muitas nunca tiveram um namorado, marido ou filhos, não realizaram muitos planos e isso [as consequências da doença] pode mudar muito suas vidas. Muitas perdem grande parte de sua identidade feminina. É muito difícil para elas.”
No início, ele lembra, um anúncio publicado na internet procurando por garotas portadoras da doença para serem fotografadas não obteve uma única resposta. Jay afirma ter ficado surpreso com a repercussão e a procura voluntária de interessadas em participar do projeto após as primeiras fotos se tornarem conhecidas.
Além de fazerem parte da exposição, muitas das retratadas continuam em contato com o fotógrafo por meio de um grupo aberto no Facebook. “O Scar Project é como uma família. Tenho contato com a maioria das pessoas. Infelizmente, uma delas morreu anteontem. Estávamos em contato, uma mulher jovem, que estavam muito doente”, conta Jay. “O lado bom é saber que mesmo as que estão bem continuam envolvidas.”
Exposição
O resultado das sessões de fotos –incluindo a das quatro brasileiras retratadas por ele- poderá ser visto em outubro, mês que celebra a luta contra o câncer de mama, numa exposição no MAC (Museu de Arte Contemporânea), em Niterói.
Envolvido pelas imagens “reais” e histórias de seus personagens anônimos, David Jay é autor de outro projeto, o “Unknown Soldier” (Soldado Desconhecido) com veteranos feridos nas guerras do Iraque e Afeganistão. “Assim como o Scar Project não é sobre câncer, este projeto não é sobre guerra. É sobre vida, humanidade, compaixão, amor, compreensão, a maneira como lidamos uns com os outros.”