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Porta dos Fundos e o humor na internet: “Eles querem é f....”

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“Detesto esse bom-mocismo, de fingir ser o que você não é na prática", diz Júlia Rabello (Foto: Jorge Bispo)“Detesto esse bom-mocismo, de fingir ser o que você não é na prática", diz Júlia Rabello (Foto: Jorge Bispo)

O coletivo criado por Fabio Porchat, Gregório Duvivier, Ian SBF, João Vicente de Castro e Antonio Tabet quer romper com todos os paradigmas do humor. Há seis meses, eles dizem toda sorte de palavrões e piadas politicamente incorretas na rede. E, com isso, conquistaram de telespectadores comuns a produtores de cinema e televisão. A TV Globo, de olho no sucesso do grupo, já busca uma forma de adaptar o formato de esquetes em programas de sua grade; o cinema quer transformá-los em longa-metragem ainda este ano e o mercado publicitário encomenda tiradas cômicas para seus produtos. A procura tem razão de ser: até o fechamento desta edição, o Porta dos Fundos acumulava 72 vídeos e mais de 140 milhões de visualizações. Eles imaginavam tudo isso? Sim, mas achavam que ia demorar pelo menos dois anos – e a explosão aconteceu em alguns meses.

No dia em que o diretor Ian SBF e a atriz Júlia Rabello encontraram o repórter da Marie Claire, num café em Ipanema, no Rio, Ian discutia com um figurão de TV um projeto ainda confidencial. Cortou a ligação para conceder a entrevista. “Tá podendo, hein? Dispensando diretor de TV”, brincou Júlia, uma das meninas que, como Clarice Falcão e Letícia Lima (mulheres de Gregório e Ian, respectivamente), fazem parte da turma. Poucos minutos antes, ela falava do fenômeno e da surpresa ao ouvir que o William Bonner assistia ao Porta.

É ela a protagonista do vídeo "Sobre a Mesa", um dos mais acessados da turma com quase 6 milhões de visualizações. Para quem ainda não viu: durante o jantar, o marido reclama que só tem abacaxi e tangerina de sobremesa. Ele queria pudim e, ao perguntar o que ela quer, a mulher rebate: “O que eu quero Mário Alberto? Eu quero foder”, seguido de impublicáveis comentários. De início, as mulheres se ofenderam. Hoje gostam dessa defesa do direto de... foder. Nem Júlia acreditou no sucesso em que se transformou. “No Leblon e em boate gay eu virei a Xuxa”, diz.O fato é que o Porta dos Fundos arrebentou com o politicamente correto. “Detesto esse bom-mocismo, de fingir ser o que você não é na prática.” Na prática, Júlia já renegou a existência de Deus, flertou com o espiritismo e a umbanda e hoje retomou o catolicismo. É casada com Mauro Veras, humorista do "Zorra Total" e com quem contracena na peça "Atreva-se", de Jô Soares. E está feliz por ter aceito o humor como parte da sua vida. A seguir, os melhores trechos da nossa conversa com a dupla.

GENTE PURA É F*D*
Ian -
Nosso humor é o que se faz no bar e ninguém bota na TV. Está dando certo porque as pessoas se identificam. Estava todo mundo cansado de assistir a coisas que não falam diretamente, que não têm um palavrão... Mas a gente nem pensa se é apelativo ou não. A gente pensa se a gente está rindo. Qual é o limite do humor? A Júlia diz que não pode ofender, mas a gente ofende, faz piada de negro e da tragédia alheia. Depois vai lá ver os comentários no Youtube e tem um monte de gente ofendida. Há esquetes que provocam repulsa. Por isso a gente já fez vários vídeos se despedindo. A gente achou que o Confessionário ia acabar com tudo (na cena, um homem conta ao padre suas aventuras sexuais com um rapaz, no qual o reverendo reconhece o próprio amante). O politicamente correto é irritante, mas também relativo. Por que quando morreu o Chorão todo mundo queria fazer piada? É assim. Se você não fizer não é comediante.
Júlia - Fazemos um humor sem barreira e sem militância. Tocamos no assunto e você discute ou ri se quiser. Temos nossos escrachos e nossas tortas na cara. As pessoas curtem ou rejeitam.O que não aguento é o bom-mocismo chatinho. É você pegar um timeline de Facebook e ver todo mundo puro de coração. Mágoa de mulher também acho cansativo. Gosto da energia masculina do Porta. Homem briga, grita ali e passou, foi, sem aquele ranço das mulheres, que me irrita.

SEXO É F*D*
Júlia -
Claro que a minha primeira vez não foi com o meu marido. Imagina, sou uma mulher moderna... Minha estreia foi engraçada, mas não daria uma esquete da Porta dos Fundos. Acho sexo indispensável. E, como toda mulher do meu tempo, tive algumas experiências e não vou mentir: tamanho não é documento... mas dependendo do tamanho, é sim! Também já broxaram comigo. E quem nunca broxou? Já vivi grandes micos. Um contei pro Jô Soares e depois me arrependi. Foi sobre um ex-namorado que usava dentaduras. E me contou isso depois de um beijo. O resto eu esqueci! Sofro de memória seletiva, só lembro do melhor sexo, só lembro de ontem a noite... Na minha opinião, o melhor sexo é o que tem intimidade. Sempre ouço aquelas piadinhas de que quem casa para de transar. Para mim é o contrário, acho que ter um bom parceiro sexual equivale a um ticket para o parque de diversões. Ian Sexo é um assunto recorrente. Quando você não está casado, está procurando alguém pra ficar junto. Se você está casado, diminui o fluxo. E a vontade continua. O ser humano é assim, somos pessoas de apetites. O sexo é um campo fértil de piadas, porque mexe com os desejos. Eu já vivi uma situação tragicômica na cama. Na faculdade, apareceu uma garota que queria “fazer coisas doidas”. E foi uma merda. Ela apareceu de colegial e ficava me batendo, me queimando com vela. Rolou para dizer que foi. E para ela parar de me bater.

MACHISMO É F*D*
Júlia -
Quando li o roteiro do esquete Sobre a Mesa pensei “ok, um monte de putaria”. Hoje muita gente vem falar comigo como se eu fosse uma porta-voz das mulheres que querem foder. Acho legal, mas uma pena ainda precisar desse discurso. As mulheres já fodem muito hoje em dia, não? Mas eu não entendia nada do negócio da internet, não sabia como funcionava. A gente gravou muito antes do canal ir pro ar. Quando vi o filme, fiquei constrangida. Aí pensei “ninguém vai ver”. E começaram a entrar milhões de comentários me chamando de puta.
Ian - Na internet entra muito menino de 12 anos que aprendeu a se masturbar agora e põe lá “comeria muito essa vadia”. Eu acho que o mesmo motivo pelo qual o filme chocou o fez libertador. Ninguém nunca ouviu uma mulher falando isso na TV. Sei que muitos caras ficaram chocados e não consigo entender o porquê, não vivo nesse mundo machista. Não trabalho num escritório de advocacia ou de engenharia. Então, não consigo entender como funciona isso. Mas eu sei que tem.

RAFINHA BASTOS É F*D*
Júlia -
No episódio do Rafinha Bastos com a Wanessa (o humorista disse que “comeria a cantora e o bebê” e acabou se demitindo da Band por não aceitar pedir desculpas publicamente), a sensação que tenho é que uma coisa que poderia ter sido resolvida na esfera particular acabou na esfera pública. Se você fica respondendo pelo microfone a coisa vira uma bola de neve. Porque a praça pública quer mais é alvoroço, tudo muda de proporção. Acho que o humor do Rafinha tem um perfil claro. Muitas coisas eu gosto, outras não. Ele é inteligente, mas tem mão pesada e pode machucar. Deve ter machucado a Wanessa. Também não pode ter essa ditadura, de que os humoristas podem falar qualquer coisa, que são fodões e ponto. Não, não são.

TV ABERTA É F*D*
Ian -
Uma vez entrevistei o Guel Arraes (o cineasta) para um documentário de humor e perguntei: “Quando foi que a TV virou cagona?”. E ele respondeu que sempre foi. Eles fizeram o TV Pirata porque ninguém nunca tinha feito. O que o Porta dos Fundos faz também não se fez até hoje. Você vê na mesa do bar, mas nunca foi registrado. Assim como nunca teve esse movimento de alguma produção da internet ir para a TV. Existem conversas, eles nos procuram e a gente escuta. E nos perguntamos: “Será?”. Não sabemos. Só sei que eu não gosto do que está na TV hoje. Não vejo graça nenhuma. A gente gosta de outro tipo de humor. Já estive na TV Globo. E dizendo isso parece que a gente está fazendo uma crítica a quem trabalha ali. Quero deixar claro que não tem nada disso. O Fabio (Porchat) falava uma coisa com a qual comecei a concordar depois que passei pela Globo: não é só a TV que não permite, o sistema não permite, o Brasil não permite. Eu criticava muito, mas como passei por lá sei que existe boa vontade ali dentro. É muito foda você apontar dedo e dizer “você não quer fazer o humor que eu gosto”. Mas não acho que o Porta vai para algum lugar dentro da TV, a gente vai encaminhar para a internet. Tem uma lista de empresas que estão atrás de nós: com muitas, a gente já está trabalhando e, com outras, ainda vamos trabalhar. A coisa cresceu, não consigo mais acompanhar como está isso.

CONVIVER É F*D*
JúlIa -
O Brasil é machista. Eu vivi num ambiente em que não precisei levantar a espada do feminismo. Mas são fundamentais os espaços que as mulheres abriram. Acho legal ter uma mulher na presidência e um negro no Supremo Tribunal Federal. Mas o mais importante é a competência. E não se é preto, branco, homem, mulher, gay, hétero. Uma vez, participei de um programa em que estava a Fernanda Young. Ela disse que teve que se masculinizar muito numa época e, hoje em dia, se dá ao luxo de ser menininha. Para mim não foi assim. Eu nunca precisei perder a menininha, nem deixei de ter pulso quando foi necessário. Espero que as feministas fiquem felizes de saber que sou fruto dessa luta. Mas eu acho que o mundo é uma merda mesmo. Nunca vai ser perfeito. Conviver dá confusão. Não é só questão de gênero. Na escola, eu era escrotizada e escrotizava também. Quando o Gabriel O Pensador fez Loira Burra, o pessoal se juntou para cantar isso pra mim. Sofri, passou, foda-se. No dia seguinte, era eu que estava fazendo bullying com alguém. Isso se chama colégio, se chama viver.

SUCESSO É F*D*
Ian - Outro dia um cara me perguntou qual o objetivo do Porta dos Fundos. Eu não sabia o que falar, ultrapassamos todos os objetivos faz tempo. Vou dizer que quero um milhão de reais?... Já tenho. O ritmo é forte: numa semana fazemos pelo menos uma reunião de roteiro, três ou quatro gravações e o lançamento de dois vídeos. A empresa está consolidada, mas é difícil dizer qual a média de investimento. A gente começou muito no amor, a grana não foi nossa primeira preocupação, não tivemos uma estratégia muito definida. Os custos iniciais, nós mesmos pagamos, os cinco sócios. Hoje, recebemos por visualização na internet. A cada mil views, o Google tem um valor, que varia muito. É padrão deles. Além disso, fazemos vídeos para terceiros. Eu dirijo todos os filmes, mas a gente conversa sobre tudo.A decisão do elenco varia, às vezes eu escolho, noutras é uma decisão conjunta. Não tem nada muito definido. Não penso mais no futuro. Eu gastava um dia inteiro sonhando. Não sonho mais. Estou vivendo.


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