Ela é o assunto do momento, a atriz que Hollywood corre atrás e de quem todo mundo quer saber. Se você espera que a próxima frase seja um clichê do tipo “nem sempre foi assim”, acertou. Até dois anos atrás, Jessica Chastain, 36 anos, vivia muito, muito longe do lugar que ocupa hoje. Filha de um bombeiro e de uma cozinheira da Califórnia, ela e quatro irmãos, desde muito cedo, conviveram com a falta de dinheiro e o medo de serem despejados ou não conseguirem encher a geladeira. O trauma moldou-a para manter os pés no chão quando o sucesso aconteceu. E nesse quesito, Jessica não tem nada clichê, afinal, verdade seja dita, é muito raro Hollywood adotar uma nova musa após os 25 anos de idade.
Depois de trabalhar com diretores de renome como Al Pacino (Wild Salome), Terence Malick (A Árvore da Vida) e Ralph Fiennes (Coriolanus), ela foi indicada ao Oscar de atriz coadjuvante por "Histórias Cruzadas" em 2012 e, este ano, ao Oscar de atriz principal pelo papel em "A Hora Mais Escura". “Houve uma época em que, se eu não conseguisse passar em um teste para um filme, não teria dinheiro para pagar o aluguel. Esse tipo de pressão faz o processo de seleção ser muito mais muito estressante”, disse ela a Marie Claire, em um hotel de Nova York.
A mais recente empreitada de Jessica é uma escolha arriscada – e só confirma sua vontade de fugir dos clichês. No filme de terror "Mama", líder de bilheteria nos Estados Unidos por duas semanas, ela surge tatuada e de cabelos curtos e pretos. Na pele de Annabel, integrante de uma banda punk, ela luta contra seus instintos maternos e espíritos vingativos. “Depois que fiz uma mãe calorosa em 'A Árvore da Vida', só recebia ofertas para papéis semelhantes. Aí, disse para mim mesma: ‘Ok, vou provar que vocês não podem me enfiar num molde’.” Formada em arte dramática – graças a uma bolsa de estudos – pela prestigiosa Julliard School, de Nova York, antes do sucesso em Hollywood, fazia apenas pequenas participações na TV, atuava no circuito off Broadway e em “filmes que nunca eram lançados”. Teve de ser perseverante: “Sorte não basta, há de ser ter paciência”, ensina.
MARIE CLAIRE Para os padrões de Hollywood, você demorou a ser reconhecida. Sofreu muito por isso?
JESSICA CHASTAIN Embora eu seja superimpaciente e sonhe em ser atriz desde os 7 anos de idade, agradeço por não ter conhecido o sucesso aos 17, por exemplo. Tenho uma visão realista da profissão, sei que toda essa atenção desaparece de uma hora para outra. Quando isso acontece com alguém muito jovem, pode ser traumático. Vivi sem o sucesso por muito tempo e, honestamente, sequer espero que dure. Só espero que minha carreira não termine, quero estar atuando nos meus 80 anos.
MC Antes da fama, passou por experiências muito difíceis?
JC Cresci em uma família em que o orçamento sempre foi apertado. Tivemos um ano particularmente muito ruim, quando foi difícil até conseguir colocar comida na mesa. Mudávamos muito de casa, porque, às vezes, meus pais não tinham dinheiro para pagar o aluguel. Chegamos a ser despejados. Acho que, por causa desse episódio, desenvolvi um medo enorme de não ter onde morar. Essa insegurança me acompanhou até a idade adulta, porque sabia que tinha escolhido uma profissão inconstante. Acho até que esse meu medo de ficar sem um lugar para morar prejudicou os meus testes para trabalho. Ficava tensa, achando que, se não conseguisse um determinado papel, não teria dinheiro para pagar o aluguel. Esse tipo de pressão só aumenta o estresse no processo de seleção.
MC Você estudou artes dramáticas em uma das escolas mais prestigiosas dos Estados Unidos. Como era sua relação com arte antes disso?
JC Cresci assistindo a filmes na televisão. Meus pais não costumavam ir ao cinema. Eu dizia para eles: “Olha, esse filme ganhou o Oscar por isso ou aquilo, vamos assistir?”. Mas eles não tinham a menor ideia do que eu estava falando. Hoje eles vão ao cinema só por minha causa. Minha vontade de interpretar começou depois que assisti a uma montagem de Ricardo III, ainda no tempo da escola. Achei a história tão sexy e violenta que me fez querer fazer uma peça de Shakespeare. Quando, mais tarde, fui morar em Mineapolis com o meu então namorado, fui apresentada aos filmes de arte. Vi A Professora de Piano e me apaixonei por aquele tipo de cinema e pelo trabalho de Isabelle, até hoje minha atriz preferida. Tenho vergonha de confessar, mas foi a primeira vez que a vi atuando! Queria fazer filmes como aquele.
MC O que você fez depois que terminou o curso de arte dramática da Julliard?
JC Fiz peças de teatro off Broadway e também muitos trabalhos esquisitos, como me vestir de Mickey Mouse em festas de aniversário de crianças (risos). Também participei de programas de televisão. Nada memorável, como um cadáver numa série policial ou uma adolescente que mantinha o pai como um vegetal para torturá-lo. Eu queria ir para Hollywood, só que não encontrava muitos testes. Hoje acho que o problema foi candidatar-me a papéis errados para mim. Eram sempre filmes juvenis e talvez eu não me encaixasse muito bem naquele universo. Os filmes que estou fazendo agora são mais raros. Não são para qualquer perfil de atriz.
MC Qual foi o verdadeiro momento da virada na carreira?
JC Tive dois: quando Al Pacino me chamou para fazer Wilde Salome, meu primeiro longa-metragem, que, aliás, ainda não foi lançado comercialmente – espero que a repercussão de A Hora Mais Escura e Mama ajude nisso. Depois, quando Terence Mallick me escalou como par de Brad Pitt em A Árvore da Vida. Quando fui fazer testes para A Árvore da Vida, o Terence ligou para o Al Pacino e perguntou coisas do tipo “por que você trabalhou com ela?”, “ela não tem currículo em cinema?”, “ela tem algum problema, é louca?”. Al Pacino falou as melhores coisas a meu respeito, o que foi legal. A partir de então, fui beneficiada por uma série de recomendações. Spielberg ligou para Terence, porque queria me colcar em Histórias Cruzadas e assim por diante.
MC Mas como você foi parar nas mãos de Al Pacino?
JC Eu me inscrevi para os testes de Wild Salome e, para minha surpresa, fui chamada para a audição. Na hora do teste, com o próprio Al Pacino, a primeira coisa que perguntei para ele foi: “Como vim parar aqui?”. Ele me disse que a Marthe, a assistente e namorada dele, mencionou meu nome, porque tinha me visto numa de minhas peças menores. Se você faz o que ama e não busca só dinheiro, às vezes, chega ao sucesso. Melissa Leo ralou por anos antes de ganhar o Oscar de atriz coadjuvante por seu trabalho em O Vencedor. Mark Ruffalo também serviu muitos drinques em bares antes de ficar conhecido. Sorte é apenas uma parte do sucesso. Tem de ter paciência também.
MC Você estreou no tapete vermelho ao lado de Brad Pitt e Sean Penn, no Festival de Cannes (2011)...
JC Nunca havia enfrentado uma cerimônia como aquela na vida. Lembro que fiquei tão nervosa diante da perspectiva de atravessar o tapete vermelho, encarar o público e a multidão de fotógrafos, que chorei dentro da limusine que nos levou do hotel até o Palácio dos Festivais, onde aconteceria a sessão de gala de "A Árvore da Vida" (naquele ano, o filme foi o vencedor da Palma de Ouro). Eu não tinha a menor ideia de como deveria agir! Mas Brad e Sean me tranquilizaram. Foram muito protetores, seguraram as minhas mãos o tempo inteiro.
MC Você é tímida?
JC Muito! Minha melhor amiga é atriz. Você deve conhecê-la, Jess Weixler, que fez Teeth, um filme premiado no Sundance Film Festival de 2007. Ela esteve no Festival de Cannes comigo. Fomos colegas de quarto e fizemos a Julliard juntas. Tenho sorte de ter uma amiga que me apoia, proteje, acompanha todos os meus passos e me traz de volta à realidade quando me entusiasmo demais por alguma coisa. Jess é do tipo que ameaça bater na cara se eu não tomar tenência (risos)! Pois então. Fui eu que produzi a festa de aniversário de 30 anos dela. Jess queria um festão, com tudo o que tinha direito, dançar em cima da mesa e coisa e tal. Eu era aquela garota encolhida no canto do salão dizendo para ela: “Divirta-se!”. Estou contando isso tudo para mostrar que não sou o tipo de pessoa que gosta de um monte de gente em volta de mim e me desejando feliz aniversário. Essa é a minha amiga, não eu (risos).
MC O que passou por sua cabeça quando recebeu a notícia da sua primeira indicação ao Oscar, por seu papel em "Histórias Cruzadas"?
JC Sinceramente, nunca acreditei que tinha chance de ficar entre os indicados. No momento em que recebi a ligação da minha agente, estava em Paris, assistindo a um desfile de moda. Por causa disso, havia deixado o celular desligado. Quando liguei o telefone novamente fiquei preocupada ao encontrar o aviso de uma ligação perdida dela. Àquela hora, todo mundo estava dormindo em Los Angeles. Liguei de volta e ela me cumprimentou pela indicação. Havia uns trinta fotógrafos à minha volta, registrando minha expressão de surpresa, o rosto todo franzido. Foi a foto mais desagradável que já fizeram de mim, mas, pelo menos, é o registro de um reação genuína.
MC Chegou a escrever um discurso de agradecimento, em 2012, quando foi indicada e não ganhou o Oscar?
JC Sim. A gente tem de estar preparada, especialmente em se tratando de um prêmio tão importante como o Oscar. Acompanho a cerimônia da Academia de Artes e Ciência de Hollywood desde criança. Lembro de todo mundo lá em casa de roupão, sentados em torno da TV, jantando e esperando os nomes dos vencedores serem revelados. E, na hora em que fui indicada, pensei: “como não ter algo para dizer no palco no caso de uma vitória?”. Odiaria isso!
MC Foi uma surpresa vê-la em um filme de terror como "Mama". Não é um gênero bastante arriscado, especialmente para uma atriz em ascensão?
JC Mama é resultado de minha teimosia. Depois de "A Árvore da Vida", fui soterrada por convites para interpretar esposas dedicadas, mães perfeitas. Estava marcada por esse tipo de papel! Minha reação foi: “Ok, vou provar que não conseguirão me colocar num molde!”. Mama é um filme de gênero, o exato oposto de filmes como "A Árvore da Vida", por exemplo. Meu papel nele não é o de uma mãe perfeita, mas o de uma mulher que reluta contra a ideia de ter filhos. No início, a personagem demonstra um certo egoísmo, não é uma pessoa agradável.
MC Você voltou ao teatro no final do ano passado, com a peça "The Heiress", na Broadway. Como foi retornar à meca do teatro americano, agora como protagonista?
JC Para ser honesta, gostaria de ter escolhido um período melhor para voltar a fazer teatro. É que assinei contrato para fazer "The Heiress" há um ano e meio, antes de tudo isso. Tenho me sentido muito cansada, não é a melhor maneira de se fazer teatro. Mas o palco é um território muito especial, em que o público não se importa com a atenção que o ator está recebendo lá fora ou as indicações para o Oscar que ele recebeu. É um ótimo exercício de modéstia.
MC Como foi trabalhar com a diretora Kathryn Bigelow em "A Hora Mais Escura"?
JC Foi uma experiência fantástica. Trabalhamos com um material muito difícil, cenas intensas, longos dias de trabalho e em locações complicadas. Mas Kathryn é uma grande cineasta, e também uma bela figura humana. O calor dela nos ajudou a atravessar os dias de trabalho mais difíceis. O filme termina com questões não respondidas como “Ela é um monstro ou uma heroína?”. Esse tipo de desfecho é um sinal de bravura da Kathryn. Confesso que não entendi muito bem o motivo de tanta polêmica em relação ao filme e à postura da minha personagem, a agente da CIA que liderou, por dez anos, as investigações que levaram ao responsável pelos ataques de 11 de Setembro. Acredito que as pessoas que criticaram não entenderam completamente a mensagem complexa do filme.
MC Você teme o fracasso?
JC Tenho sorte, mas sei que o fracasso está à espreita. Creio que o receberei bem quando ele chegar. O fracasso é uma possibilidade quando aceitamos grandes riscos. A gente aprende mais com os tropeços do que com os acertos. Sempre digo a mim mesma que só merece estar nessa profissão quem consegue se conformar com a perspectiva de ser pobre. Estaria feliz mesmo sem o sucesso, pois amo o que faço.
MC Teve algum flerte com Tom Hardy, seu par romântico no filme "Os Infratores"?
JC Tom é fantástico, mas jamais cruzei a linha da amizade. Nunca me vi namorando um ator. Talvez, se encontrar alguém que mexa comigo, aconteça. Até o momento, estou solteira e tenho preferido separar as coisas.