“Você trabalha numa granja? Porque parece saber bem como segurar um pinto.” “Se eu fosse uma melancia, você engoliria ou cuspiria minhas sementes?” As frases que parecem retiradas de um filme pornô de baixo orçamento estão entre as mais comportadas enviadas para a artista Anna Gensler por meio de sua conta no Tinder. Novata em sites de relacionamentos, a americana, de 23 anos, disse ter ficado surpresa ao descobrir que piadas grosseiras tinham se tornado aceitáveis para abordar mulheres sob o anonimato da internet.
“Sim, eu estava totalmente consciente que o aplicativo era para encontros, pegação e, eventualmente, namoro... e não acho que há nada de errado nisso. O que não significa que eu estava procurando por mensagens sexistas e grosseiras”, contou Anna em entrevista à Marie Claire. Ela decidiu responder os insultos de maneira criativa. Usando as fotos dos perfis, desenhou caricaturas dos seus pouco sutis pretendentes nus, flácidos e desengonçados, “exatamente como eu imagino que eles são do outro lado”. Os desenhos são enviados para os autores das piores frases e, depois, publicados em contas no Tumblr e Instagram, onde já reúnem mais de 32 mil seguidores.
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Batizado de “Objectifying men who objectifying women” (algo como “Tratando como objeto homens que tratam mulheres como objeto”), o projeto, é claro, provocou a ira dos retratados, cujas reações por mensagem Anna também decidiu incluir junto às gravuras. “Você não tem nada melhor a fazer da vida além de ser uma completa vadia. Faz sentido que esteja aqui tentando encontrar pessoas que nem te conhecem”, escreveu um deles. “Salvo engano, você também está aqui. Todo mundo na vida real te odeia?”, questionou a artista.
Anna diz que o objetivo era fazer com que esses homens “provassem um pouco do próprio veneno”, se sentindo como as mulheres que são abordadas com baixarias. “Sou uma artista, a arma que escolhi para me defender foi minha arte. Queria achar uma maneira de fazer esses homens se sentirem um objeto da mesma maneira que eles fazem com as mulheres. Obviamente, mandar respostas sexuais explícitas no mesmo teor não funcionaria, eles adorariam”, contou a americana, que disse ter recebido e-mails de apoio tanto de mulheres quanto de homens. “Tem muito caras legais, inteligentes e respeitosos por aí, que às vezes você esquece diante de experiências ruins como essa.” De Washington, onde vive, a artista falou, por e-mail, com a reportagem.
Marie Claire: O que te levou a entrar no Tinder? Foi sua primeira experiência em um site de encontros?
Anna Gensler: Sites de encontro como Tinder, OkCupid e Plenty of Fish se tornaram tão populares que a maioria das pessoas jovens que eu conheço já experimentaram ao menos um deles. Eu finalmente troquei meu celular modelo 2006 por um iPhone no começo deste ano e o Tinder foi um dos primeiros aplicativos que baixei. Resolvi arriscar por curiosidade, não queria ficar para trás no tempo. Nunca tinha entrado em nenhum desses sites antes, mas agora recebi um monte de sugestões.
M.C.: E como surgiu a ideia de retaliar os homens que trataram você como objeto?
A.G.: Talvez isso me faça um pouco inocente, mas eu fiquei muito surpresa ao descobrir que por trás do véu de proteção da internet, frases desprezíveis tinham se tornado de alguma maneira aceitáveis para pessoas de verdade. Sim, eu escolhi por minha própria vontade baixar esse aplicativo. Sim, eu estava totalmente consciente que esse mesmo aplicativo era para encontros, pegação e, eventualmente, namoro... e não acho que há nada de errado nisso. O que não significa que eu estava procurando por mensagens sexistas e grosseiras (e imagine que isso era apenas o que estava nas mensagens!)
Quando alguém faz algo errado comigo, minha reação é dar à pessoa um pouco do seu próprio veneno. Sou uma artista, a arma que escolhi para me defender foi minha arte. Queria achar uma maneira de fazer esses homens se sentirem um objeto da mesma maneira que eles fazem com as mulheres. Obviamente, mandar respostas sexuais explícitas no mesmo teor não funcionaria, eles adorariam. Então o objetivo foi dar a eles a mesma sensação de ser tratado como objeto, mas usando um meio diferente.
M.C.: E por isso você decidiu desenhá-los nus e com corpos e pênis flácidos?
A.G.: Eu decidi fazer isso quando um cara me mandou uma mensagem flagrantemente ofensiva. Usei as fotos do perfil dele para fazer o primeiro desenho, mas fiz com um corpo nu e flácido. Esses desenhos nus não deveriam ser exatamente elogiosos, por isso não fazia sentido fazê-los de uma maneira idealizada. Eles parecem exatamente como eu imagino que são do outro lado, mandando essas mensagens, com seus pênis e corpos flácidos.
Foi a coisa mais simples que eu poderia fazer e foi perfeito. Esses caras são imaturos e suas mensagens incrivelmente adolescentes, embora ainda sejam ofensivas para as mulheres que recebem. O mesmo pode ser dito dos desenhos. Eles são simples, mas surtem um grande efeito nos homens pra quem eu mando. Palavras ou imagens, no fim quem recebe fica com o mesmo sentimento de: “Que direito você tem sobre o meu corpo?”
M.C.: Como foi a reação deles?
A.G.: Tem sido bem interessante ver que a maioria desses homens respondem com hostilidade. Eles ficaram muito chocados em ver que uma mulher deu a eles um pouco do próprio veneno e isso os enfureceu. Muitos deles responderam com insultos ou tentando justificar porque é aceitável para homens mandar mensagens grosseiras para mulheres, mas o mesmo não vale para mulheres que respondem. A segunda reação mais comum foi se irritarem com alguma imprecisão no retrato. Um homem ficou com raiva porque eu desenhei seus mamilos menores do que na vida real!
M.C.: Você recebeu alguma ameaça séria de violência ou algo assim?
A.G.: Não, não recebi.
M.C.: Você disse em outra entrevista ainda acreditar que mulheres podem achar relações de verdade em sites de encontro. Durante esses seis meses no Tinder você namorou alguém?
A.G.: Pessoalmente, eu não namorei ninguém pelo Tinder, mas eu não acho que o aplicativo não possa funcionar. Tenho alguns amigos que tiveram sucesso (em diferentes níveis) em encontros. O argumento de que esses apps são apenas para pessoas que buscam um fica de uma noite e que por isso é ok tratar mal mulheres que estão lá é completamente inválido, mesmo que eu não tenha tido uma experiência boa. Ainda que o site fosse só para encontros casuais (e não é), dizer sim para um perfil não significa que você concordou em transar com a pessoa ou ter uma conversa sexualmente explícita logo de cara. Significa simplesmente que você achou as fotos daquela pessoa atraentes e que você quer possivelmente saber mais sobre ela. Na semana passada muitas pessoas me mandaram por e-mail suas histórias de amor que conheceram no Tinder, então é completamente possível!
M.C.: Depois que criou a campanha, você recebeu alguma mensagem de apoio de homens?
A.G.: Na verdade eu recebi tantas mensagens de apoio de homens quanto de mulheres. Tem muito caras legais, inteligentes e respeitosos por aí, que às vezes você esquece diante de experiências ruins como essa. Muitos me escreveram dizendo concordar com o projeto e que eu não esquecesse que havia muitos caras legais também! Alguns também contaram suas boas experiências em chats ou preocupados com suas filhas.
M.C.: Você continua com sua conta no Tinder?
A.G.: Sim, continuo.
M.C.: Você já passou por alguma situação como essa com o aplicativo fora da internet?
A.G.: Acho que todas as mulheres já passaram por situações na vida real em que se sentiram assediadas. É tão comum que você já está programada para simplesmente ignorar. Homens assobiam na rua quando você passa. Quando está com amigos dançando, é comum homens virem por trás das garotas, encoxá-las ou começar a dançar com elas sem nenhum tipo de abordagem. Esses exemplos podem soar muito inofensivos, mas mostram como o pensamento comum é de que é ok assediar mulheres e essas mulheres não terem nenhum direito de reagir.
M.C.: Você acha que as garotas têm que reagir?
A.G.: Você não pode culpar uma mulher por apenas ignorar esse tipo de comportamento. Acho que isso é o que nós somos orientadas a vida inteira a fazer. É a maneira mais fácil e segura de agir, mas ao mesmo tempo, nada vai mudar unca se todo mundo continuar em silêncio. Se queremos mudança, é importante falar e chamar atenção para o assunto.