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“Não descarto voltar para a TV, mas não faço mais bancada”, diz Ana Paula Padrão

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AOS 48 ANOS E HÁ POUCO MAIS DE UM LONGE DA TV,  ANA PAULA PADRÃO NÃO DESCARTA CONVITES DE EMISSORAS PARA VOLTAR (Foto: Divulgação)

Desde que saiu da TV Globo, onde era âncora do Jornal da Globo, em 2005, Ana Paula Padrão não para de colecionar novos projetos. O mais recente deles é “O Amor Chegou Tarde em Minha Vida”, livro que conta um pouco de sua trajetória e coloca uma lupa no comportamento feminino nos anos 80, quando as mulheres “colocaram o pé na porta do mercado de trabalho”, como a própria autora gosta de dizer.

Em entrevista exclusiva para Marie Claire, realizada em seu escritório, no bairro dos Jardins, em São Paulo, a jornalista e empresária falou sobre comportamento feminino, a conversa transformadora que teve com Dilma Rousseff, o poder da mulher de classe média e uma possível volta para a televisão.

Marie Claire: O seu livro tem como pano de fundo a história de mulheres de uma geração que, como você, se lançaram com tudo no mercado de trabalho e hoje se sentem sozinhas. Por que acha que isso aconteceu?
Ana Paula Padrão:
Quando olhamos as curvas do mercado de trabalho no Brasil, vemos que houve um aumento massivo de mulheres nos anos 80. Esse período foi muito importante porque finalmente poderíamos provar que a gente podia. Como não tínhamos ninguém para nos espelharmos, passamos a imitar os homens. E aí, quando se começa a adotar comportamentos masculinos demais no trabalho, é difícil não levar isso para os outros âmbitos da vida. Eu, por exemplo, virei uma mulher muito brava. E não dá para ficar na empresa 16 horas por dia e cuidar de outras coisas tão importantes quanto. De alguma coisa, todas nós abrimos mão: para algumas foi a maternidade, para outras foi o casamento. O lado emocional ficou capenga para uma geração inteira de mulheres. Por isso, para elas, e para mim também, se sentir sozinha ficou fácil. No livro, falo basicamente disso, de como foi difícil aquele período, embora a gente não sentisse a dificuldade, porque estávamos movidas por um desejo maior, que era o de chegar lá.

M.C.: Quando foi que você teve um clique para promover mudanças na sua vida?
A.P.P.:
Não foi um estalo. Em 2000, quando voltei de Nova York, onde era correspondente, para assumir a bancada do Jornal da Globo, comecei a ser muito procurada para dar palestras para mulheres executivas. Era comum ouvir delas “tem alguma coisa faltando na minha vida” ou então a pergunta “como você consegue mexer com assuntos tão duros, como economia e guerra, e ainda se manter tão feminina e ter vida pessoal?”. Eu ouvia e respondia: “Sei lá! É a coisa mais difícil do mundo. Eu não vejo meu marido”.  Elas se identificavam com aquilo. Quando comecei ouvir sucessivamente o mesmo discurso, pensei: “Peraí, aconteceu alguma coisa! Todas nós viemos do mesmo lugar, enfiamos o pé na porta do mercado de trabalho, temos mais ou menos a mesma idade, e agora estamos, ao mesmo tempo, passando pela mesma aflição”. Nesse período comecei a entender o que era aquela angústia permanente dentro de mim, que durante anos achei que era melancolia, timidez.

ANA PAULA DURANTE O LANÇAMENTO DE SEU LIVRO, EM SÃO PAULO (Foto: Divulgação)

M.C.: E depois desse processo? 
A.P.P.:
Acho que só tive a noção exata do que tudo aquilo significava quando fui entrevistar a Dilma Rousseff, que na época era Ministra de Minas e Energias. Não a conhecia pessoalmente e a conversa deveria durar apenas 15 minutos. Contei que estava fazendo uma série sobre comportamento feminino nos anos 2000 e ela achou muito interessante, começou a me falar coisas doidas, como “o tempo da produtividade no trabalho não é o mesmo tempo de ver uma criança crescer. Não é possível atender as duas coisas 100%”. O bate-papo durou mais de 1h30. Ela me fez entender claramente que as empresas foram feitas por homens e por isso a gestão é feita por eles, para eles. E é por isso também que é tão difícil para uma mulher dizer que não quer ser mãe, que não quer ter uma relação e que vai abrir mão da vida pessoal por causa do trabalho. Era como eu fazia a minha vida, tinha um namoradinho aqui, outro ali, de preferência longe, para não me encher durante a semana. Aquele dia, olhei para a Dilma e percebi o quanto ela tinha pensado sobre o assunto, mas não teve tempo de mudar, de fazer a volta. Eu não tinha 40 anos ainda e aquele buraco na minha alma ainda poderia ser resolvido. Aí saquei que tinha que mudar mesmo. Jamais teria dito isso publicamente, mas a minha saída da Globo virou um escândalo tão grande, que eu precisei contar para me defender. Recebi uma solidariedade imensa, as mulheres me abraçavam, mandavam cartas, e-mail, me agradeciam por eu ter tomado aquela decisão. A sensação é que tinha libertado o inconsciente coletivo. Se eu não queria mais trabalhar 16 horas por dia, elas também podiam não querer. Demorou um tempo para eu conseguir comunicar ao mercado que eu já não queria mais a bancada. Saí em 2005 e acho que só agora, em 2014, consegui fechar esse ciclo.

M.C.: Então hoje, se recebesse um convite para voltar para a TV, não aceitaria?
A.P.P.:
Há um ano, disse não para muitas propostas porque precisava ter tempo para as minhas empresas. Achava que nesse período fora, todo mundo ia me esquecer. Mas eles não esqueceram! (risos). Acho que, por conta da exposição do livro, quem fez proposta lá atrás, voltou a me procurar loucamente. Hoje estou mais tranquila e as empresas estão ok, então, se alguma emissora oferecer algo que eu me interesse, é uma possibilidade. Não descarto, mas não faço mais bancada. Nunca vou deixar de ser jornalista, mas tem muita coisa que dá para fazer.

M.C.: Como você enxerga o papel da mulher na sociedade atual?
A.P.P.:
Tem uma mulher no Brasil hoje, muito poderosa, que é essa mulher de classe média. O processo de ascensão dela começou há dez anos, com a estabilidade da moeda, que permitiu que ela emergisse da pobreza extrema e parasse de se preocupar só com o que teria para comer no dia seguinte para satisfazer outras necessidades de consumo. Esse caminho a levou para a informação e hoje ela sabe o que é indigno, ficou mais consciente. Nesse período, elas também passaram a ter menos filhos e a estudar mais. Outra coisa: cerca de 42% do orçamento doméstico vem da mulher, é ela quem bota o dinheiro em casa. Só para efeito de comparação, as mulheres da casse AB são responsáveis por apenas 25% do orçamento em casa. E dinheiro é poder! Por isso são essas 52 milhões de mulheres que vão definir o futuro do Brasil, que vão influenciar suas famílias, suas comunidades, que vão eleger o próximo presidente. Elas ainda não sabem disso porque têm um problema crônico de autoestima. É uma questão cultural, de terem sido criadas para serem frágeis, para servir e encontrar alguém que as proteja. Acredito que com o tempo isso vai mudar.

ANA PAULA REALIZA ANUALMENTE O FÓRUM MOMENTO MULHER, EVENTO QUE REÚNE GRANDES LÍDERES CORPORATIVOS PARA DISCUTIR O PAPEL DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO E NA SOCIEDADE (Foto: Fredy Uehara)

M.C.: Você se tornou uma inspiração para muitas mulheres. E quem é a mulher que te inspira?
A.P.P.:
São muitas, mas acho a Hillary Clinton muito inspiradora. Ela foi resiliente e isso é muito difícil. Em um determinado momento, se tivesse virado a mesa, teria tido um enorme benefício na imagem pública e se elegido a qualquer cargo. Mas entendeu que todas as coisas são importantes, não só a dor dela. Aguardou o escárnio público e, na hora certa, usufrui do seu poder individual, sem sacanear o outro. É a maturidade que permite esse tipo de atitude. Gosto também da Michelle Bachelet, acho que ela fez um trabalho interessante, trazendo a mulher para o cenário mundial.

M.C.: Depois de passar por tantas coisas, quem é a Ana Paula Padrão hoje?
A.P.P.:
Sou só uma mulher da minha geração tentando ser feliz. No ano passado, tive que fazer uma cirurgia na coluna que exigia três meses de recuperação. Três semanas depois, meu marido teve que fazer uma cirurgia de emergência. O médico disse que era simples, que demoraria de duas a três horas. Seis horas e meia depois, sem notícias, eu não conseguia parar de chorar. Achava que meu marido não fosse voltar do centro cirúrgico. Depois de sete horas, comecei a apelar: liguei para todos os diretores do hospital pedindo ajuda, porque certamente alguma coisa tinha acontecido. Depois o médico veio falar comigo, que era para eu me tranquilizar, que o problema era um pouco mais extenso do que pensado inicialmente. Sentada naquele quarto de hospital, chorando, pensei que não tinha nada mais importante na minha vida. Ficou claro que vida era aquilo ali, eram nossos amigos, nossas viagens, o conhecimento que se adquire ao longo da vida. O resto é administração de carreira, de trabalho.


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