Se a moda não é uma arte, é preciso um artista para fazê-la. A ideia de Pierre Bergé, industrial que dividiu 50 anos de amor e trabalho com Yves Saint Laurent, serve de base para o longa do diretor Jalil Lespert, exibido este mês em 40 cidades brasileiras dentro da programação do Varilux de Cinema Francês. Yves Saint Laurent é um filme visualmente lindo, narrado em flashback por um Bergé ficcional a partir de 2008, data da morte do designer. O Bergé verdadeiro, hoje com 83 anos, deu apoio irrestrito ao projeto. “Eu não faria de outro jeito”, diz Lespert em um bate-papo exclusivo com Marie Claire. O cineasta teve à disposição não apenas o acervo da maison, mas também itens pessoais do estilista, como os icônicos óculos de armação grossa.
Marie Claire - O que de mais impressionante você descobriu sobre YSL?
Jalil Lespert - Muitas coisas! Todos conhecem o rosto de Saint Laurent e sua fama de tímido, mas nem todos sabem que nasceu na Argélia e que ser gay naquele lugar não era nada fácil. Ou o fato que ele era doente, maníaco depressivo.
MC - O filme é uma história de amor?
JL - Sim. Essa é a primeira grande história pública de amor gay da França. Eles foram muito corajosos. E era uma incrível combinação de duas pessoas que se amam e decidem colaborar na mesma direção. Isso para mim é a definição do amor. Quando você ama alguém, não é apenas venerar aquela pessoa, mas ir mover-se com ela numa mesma direção. E fazer o seu melhor para chegar ao foco que o casal decidiu. Nesse caso, isso resultou numa história linda. O significado do meu filme é esse: você precisa dos outros para criar, precisa amar e ser amado para ir tão longe como ele foi.
MC - Demorou muito para ganhar a confiança de Pierre Bergé?
JL - Quinze minutos! Logo que expliquei a ele minha ideia, me disse: “Vá! Faça logo!”.
MC - Como foi a primeira conversa com ele?
JL - Eu pedi para ter um almoço com ele. Cheguei e disse que precisava do seu apoio e o das pessoas que haviam trabalhado com Yves Saint Laurent. Também disse que queria falar sobre a história de amor de deles dois. Há algo muito estranho falar sobre a genialidade. Não se pode simplesmente filmar alguém pintando. Acho que ganhei sua confiança falando sobre um dos meus livros favoritos, Martin Eden, de Jack London, que é a história de alguém que vem do nada e se apaixona por uma mulher rica e se torna o maior escritor dos Estados Unidos. Yves Saint Laurent fez isso, num certo sentido. Alguém que veio da Argélia e não era pobre, mas também não era rico. Seus talento e sonho eram tão grandes que fizeram dele um superstar. Depois que Bergé se animou, liguei a meu produtor e disse: “Desta vez estamos fritos, porque vamos ter que fazer um puta filme!” (risos).
MC - Ele emprestou rascunhos, vestidos e até óculos de YSL para o filme...
JL - Exatamente. Foi simplesmente fantástico. E uma grande bagunça para organizar! Era muito importante para mim trabalhar com ele e com a fundação Pierre Bergé Yves Saint Laurent, que é como um museu e faz a conservação de todas as peças criadas por YSL. Estas obras primas são muito raras hoje. Tivemos que ser muito cuidadosos com tudo, e foi muito emocionante porque muitas pessoas que trabalham lá nunca tinham visto aqueles vestidos sendo usados por mulheres de verdade.
MC - Sempre se interessou por moda?
JL - Se você cresce, vive e trabalha em Paris, como eu, com certeza conhece pessoas da moda. Eu era próximo desse universo, mas mesmo assim precisei aprender muita coisa para entender o meu tema, já que queria focar na criação. Quando Yves diz “Moda não é arte”, Pierre lhe responde “Sim, mas é preciso um artista com o você para fazê-la”. Criação pode estar na pintura, na literatura, no cinema e também na moda. Este gênio incrível, no caso, trabalhava na moda.
MC - Como escolheu o ator Pierre Niney para viver o gênio?
JL - Eu vi uma foto dele num ensaio de moda de revista francesa e pensei: nossa, ele poderia ficar fisicamente parecido com Yves Saint Laurent! Quando nos conhecemos, não tive dúvidas. Ele é esperto, engraçado, tímido, e por ter muita experiência no teatro [Pierre é ator da Comédie-Française, a companhia de teatro mais antiga do mundo, fundada pelo Rei Sol] sabe falar como as pessoas falavam nos anos 60, mesmo nos anos 50. Era um jeito diferente. Ele tinha 23 quando filmamos e já era muito maturo.
MC - O que há de moderno em YSL?
JL - É a visão que ele tem da mulher. É absolutamente moderna e respeitosa. A mulher YSL é livre, uma mulher de verdade, orgulhosa, poderosa e inteligente. Nesse sentido, era muito novo no fim dos 1950. Também o fato de que ele colocou indumentárias de homens, como os ombros, mesmo que seja simbolicamente, deu à mulher poder. Foi totalmente revolucionário.
MC - Que imagem guarda dele?
JL - Provavelmente a de alguém que é tão consciente, mais que os outros, sobre a realidade e a vida, que ele vira uma vítima disso. É por isso que é um gênio da moda e, ao mesmo tempo, uma pessoa tão triste, num ponto que o deixa doente. Assim como tantos grandes artistas, que precisam criar para aceitar a vida.
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