O machismo que nos impedia de votar e de trabalhar fora já foi vencido. Agora, a briga é contra um tipo de mentalidade que, de forma velada, ainda subjuga a mulher. Na discrepância salarial em relação aos homens, nas cantadas de mau gosto ou no raciocínio absurdo de que “quem usa roupas sensuais merece ser estuprada” estão as novas formas de machismo.
Para protestar contra elas, convidamos oito homens de peso para posarem para esta reportagem, que estará na edição de março de Marie Claire, nas bancas a partir desta sexta-feira (28). Rodrigo Hilbert, marido da apresentadora Fernanda Lima, foi um dos famosos que topou fazer parte da nossa campanha "Machismo, não".
O ator é contra essa diferença entre os sexos. "Se um dia foi ela a ‘mulher de verdade’ eu mentiria se dissesse que sinto saudades da Amélia!”, afirmou. Quem também concorda é o humorista Fábio Porchat. "As humoristas precisavam ser feias e desengonçadas para fazer o público rir. Hoje, elas só precisam ser engraçadas”, diz.
E nos esportes? "Lutadora de verdade é a minha mãe, que enfrentou o marido machista e criou três filhos com o salário de faxineira”, afirma Junior Cigano, lutador de MMA.
O MACHISMO NOS DIAS DE HOJE
A cena é recente e aconteceu com uma executiva – que não terá seu nome divulgado aqui – de uma grande empresa brasileira. Durante uma reunião entre colegas do mesmo nível hierárquico, um deles não titubeou ao pedir que ela, a única mulher presente na sala, providenciasse o cafezinho. Esse tipo de tratamento vem sendo chamado por alguns especialistas de “neomachismo”. “É uma forma de discriminação velada, que acontece em ambientes onde os homens aparentemente reconhecem os direitos femininos, mas deixam escapar piadinhas e atitudes mais agressivas para diminuir a mulher”, explica Heloisa Buarque de Almeida, autora de estudos sobre gênero do Departamento de Antropologia da USP.
Esse comportamento se revela de diferentes maneiras. No âmbito profissional, embora uma mulher não seja impedida de exercer cargos de chefia, chega a ganhar 30% a menos que um homem na mesma função. Em casa, isso é semelhante. Não é mais preciso confrontar o marido para trabalhar fora – pelo contrário, no Brasil, elas são chefes de família em 48% dos lares. Porém, acu-mulam o trabalho remunerado com os cuidados da casa e dos filhos. “A divisão das tarefas domésticas não é comum entre os casais. Há homens que até ajudam nas tarefas, mas têm vergonha de assumir isso publicamente”, explica a antropóloga. “Como se desempenhar um papel tradicionalmente feminino ferisse sua masculinidade.” Para se ter ideia de como esse tipo de conduta ainda se faz presente, uma pesquisa realizada pela consultora de recrutamento Robert Half com 1775 diretores de RH em treze países, revelou que a maioria das mulheres não retorna ao trabalho após a licença maternidade – ou seja, ficam em casa, para se dedicar aos filhos. Das cem empresas brasileiras ouvidas, 85 responderam que 52% das funcionárias não retomam sua carreira. Isso em 2014.
Mais grave é a violência doméstica e sexual. Desde 1985, as brasileiras contam com a Delegacia da Mulher, mas o atendimento muitas vezes é marcado pela mentalidade machista. “Em casos de estupro, quando não há sinais claros de violência física, a vítima costuma ser questionada. Como se o intuito da denúncia fosse prejudicar o parceiro”, diz Heloisa. Ainda é comum também que o sexo seja usado para atingir a moral feminina. Uma pesquisa detectou que 98% das mulheres já foram cantadas enquanto caminhavam nas ruas e 36% disseram ter ouvido “eu te chupava toda” de um desconhecido. Os dados foram publicados no site Thinkolga (comunidade que se propõe a discutir temas relevantes às mulheres) e renderam comentários como o de uma internauta que lembra de ser assediada desde os 11 anos. “O que é isso senão perversão e demonstração de poder?”, desabafou.
Apesar de tudo isso, Heloisa é otimista. “Todo avanço gera reações conservadoras. Tivemos muitas conquistas, mas ainda há muito o que reivindicar.” O importante é continuar lutando. Por nós, mulheres. E por eles também.