O despertador tocou às cinco. Abri os olhos sonolenta. “Por que fui inventar isso, Deus?”, pensei, acionando o botão soneca. Dez, 15, 20 minutos. Hora-limite de levantar. Vesti o jeans, um tênis e finalizei o look com um chapéu de palha com o logo da Casa Valduga, presente de boas-vindas da vinícola localizada no Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul – uma das principais do país, com produção de 2 milhões de litros de vinho por ano. Lavei o rosto e me postei em frente ao espelho para acertar o penteado. Parecia uma camponesa. Com um sorriso de satisfação, saí para o meu dia de colheita. Assim que cheguei lá fora, a surpresa: o céu estava escuro, carregado. Chovia sem parar – e não existe plano B para reportagens ao ar livre.
Depois de uma choradinha rápida de canto de olho, acionei a equipe de trabalhadores rurais que me acompanharia. “O que vocês fazem em dias assim?”, perguntei. “Carpintaria, lavagem de máquinas, produção de adubo...”, disse um deles. Difícil imaginar essas tarefas narradas em uma seção de lifestyle. Eles me explicaram que, fora das videiras, as uvas absorvem água, atrapalhando a concentração do vinho. Por isso não podem ser colhidas debaixo de chuva. “Mas parece que o tempo vai melhorar depois do almoço”, arriscou outro. Pronto, meu dia de vinicultora virou uma tarde. Marquei de nos encontrarmos às duas horas, no ponto mais alto da plantação de malbec.
Andar pelas videiras em cima de um trator me fez me sentir em uma novela de época. Nada que uma pilha de caixas de plástico, dada a mim para distribuir estrategicamente no chão – um recipiente a cada cerca de 10 metros –, não me trouxesse de volta à realidade. Depois, munida de luvas e tesoura, comecei a cortar os cachos pelo caule e levei minha primeira bronca. É que as partes mais grossas, que saem do tronco principal, não podem ser eliminadas. São elas que vão produzir novos ramos nas vindimas seguintes. Na tentativa de acompanhar o ritmo da equipe, comecei a jogar as uvas nos caixotes e ouvi mais uma. É preciso ser rápido no gatilho, sim, mas há que armazenálas com delicadeza para as frutas não amassarem e, antes disso, deve-se descartar os bagos machucados e os matinhos que se camuflam entre eles. Subindo pela terceira vez a passarela de plantas, agradecia aos céus por aquela chuva que me impediu de passar horas e horas ali. Estava exausta.
Após pelar meia dúzia de videiras (em longas três horas), enquanto os garotos trabalhavam em mais de uma centena, era hora de carregar o trator. Preferi pegar as caixas em cima do carro a levantar aquele peso no lombo. Depois, um cigarro e um dedo de prosa. Quatro homens contando piadas e uma jornalista com os pés calejados. A certeza de que delicadeza não é privilégio de mãos femininas. E mais: que a qualidade do vinho começa muito antes de ele chegar à taça.