Foi realizada na noite desta segunda-feira, 23, a terceira edição do Prêmio Viva, uma parceria entre Marie Claire e Instituto Avon para dar visibilidade a pessoas que trabalham no enfrentamento à violência de gênero no Brasil. Oito iniciativas foram reconhecidas na cerimônia de premiação realizada de forma híbrida (com convidados presenciais e remotos), que contou com momentos de muita emoção.

A atriz e cantora Jéssica Ellen abriu a noite presenteando o público online com duas músicas - a autoral Macumbeira, e Maria Maria, de Milton Nascimento. Em seguida, a apresentadora Valéria Almeida deu as boas vindas a todos e convidou ao palco do estúdio no Shopping Cidade Jardim a diretora de redação de Marie Claire, Laura Ancona, e a diretora do Instituto Avon, Daniela Grelin.
Laura destacou que entender a violência de gênero é uma construção. “Existem muitos tipos de violência contra a mulher e aqui no Viva mapeamos os agentes que se colocam contra elas”, disse. “Tínhamos grandes planos para o Viva, e entendemos que, mais do que nunca, colocar de pé em 2020 não era só importante, mas fundamental. Em um ano de pandemia em que muitas mulheres se viram confinadas em casa com seus agressores, que perderam renda, sua independência, tiveram que se virar praticamente sozinhas”, explicou. "O prêmio é um processo de busca e reconhecimento que espero com alegre expectativa todos os anos. Esse ano confesso que não só esperava, mas precisava desse momento", afirmou Daniela.

O primeiro prêmio da noite foi para Maísa Félix Ribeiro de Araújo, contemplada na categoria Segurança e Justiça. Delegada da Polícia Civil na Paraíba, ela comanda o Programa Mulher Protegida, que articula diferentes ações de proteção e assistência às mulheres em situação de violência. "É necessário que a sociedade entenda que o enfrentamenta da violência contra a mulher precisa de todos nós. Na denúncia nós damos o primeiro passo para evitar uma morte futura", ressaltou ela, que concorreu ao lado da Escrivã da Polícia Civil de Minas Gerais, Ana Rosa Campos, e Secretária de Políticas Públicas Para Mulheres em Jaú, Cândida Ferreira. A Procuradora do Ministério Público do Trabalho, Valdirene Assis, entregou o prêmio virtualmente.
Em seguida Anielle Franco, diretora do Instituto Marielle Franco, foi convidada a anunciar a vencedora na categoria Sociedade Civil. Em sua fala Anielle lembrou que faz 985 dias do assassinato de sua irmã e do motorista Anderson Gomes. "O que tem renovado minhas forças são minhas filhas, meus pais, minha sobrinha , meu companheiro e saber que a gente não está sozinha nessa luta. A gente segue firme, muitas sementes desabrocharam após esse assassinato cruel. Nós por nós", disse.
Indira Xavier foi premiada seu trabalho no acolhimento a vítimas de abusos e agressões em busca de um novo lar em Belo Horizonte. "Saber que a gente é porque nós somos, é o que nos dá força para seguir, porque não é fácil", afirmou ela, que concorreu ao lado da advogada baiana Laina Crisóstomo, e da ex-diarista Marciane Pereira dos Santos, sobrevivente de uma tentativa de feminicídio.

A cantora MC Soffia foi a responsável por anunciar a vencedora na categoria Educação. Ela aproveitou o momento para falar sobre a importância da escola e o papel da instituição na luta contra o racismo. "Muitas escolas não trabalham a cultura afro-brasileira, muitos meninos e meninos pretos precisam dessa matéria. Se a gente não conhece como vai saber enfrentrar?", questionou.
O prêmio em Educação foi para Luzitânia de Jesus Silva, criadora do projeto Meninas e Mulheres Empoderadas, que fortalece mulheres com palestras, rodas de conversa e eventos que aconteciam em escolas públicas em Presidente Tancredo Neves, no sul da Bahia. Ela ressaltou que o município está entre os 100 que mais mata mulheres no país. "Precisamos plantar sementinha para tentar mudar essa realidade. É gratificante ver que meninas e mulheres vão florescendo, e nós vamos florescendo junto". Daniela Orofino, Virginia Rigot-Muller e Maira Baracho, integrantes da rede Nossa, e Helena Silvestre, da escola Abya Yala, também concorreram.
A ex-ministra e ativista Marina Silva foi a responsável por anunciar a vencedora na categoria Legislativo. As deputadas federais Maria do Rosário, Sâmia Bomfim e Jandira Feghali, que tiveram atuação fundamental na pandemia, concorriam na categoria. Marina comentou o crescimento na participação feminina no Poder Legislativo, 16% maior em comparação a 2016. "Nós ainda não temos a quantidade que gostaríamos. Mas nós podemos celebrar, mesmo ainda em desequilíbrio em quantidade, a qualidade no trabalho dessas mulheres", disse.
A deputada Sâmia Bomfim, vencedora na categoria, ressaltou que somente 10% das cidades brasileiras contam com algum serviço de acolhida para as mulheres vítimas de violência. "É também respinsabilidace do estado brasileiro pensar no que fazer com elas, com os filhos e família, isso passa por um lugar seguro, pricipalmente num período de pandemia", disse. "Muitas mulheres estão lutando pela sua vida dentro de casa com seu agressor. Não é possível que seguimos naturalizando isso", comentou Sâmia.

Mãe pede justiça ao menino Miguel
Mafoane Odara, gerente do Instituto Avon, conduziu um dos momentos mais emocionantes da noite, com uma homenagem a Mirtes Renata de Souza, mãe do menino Miguel. O garotinho foi deixado à própria sorte em um elevador pela patroa de sua mãe, em Recife, e que dali partiu para a morte aos 5 anos de idade.
Mafoane leu trechos de um poema escrito pela cantora Adriana Calcanhoto sobre o menino e comoveu Mirtes. "Essa homenagem não é pra mim, é pra Miguel. Tudo que venho traçando é por amor a ele", disse a mãe. "Venho traçando um caminho bem dificil, diante de toda essa dor devastadora, ainda sofrendo preconceitos e ataques. Diante de tudo isso tenho que estar de cabeça erguida e seguir. E eu não vou desistir. Espero que as pessoas levem tudo que estou passando como exemplo de vida, para que não desistam, amem mais o próximo", continuou. "Se ela (a ex-patroa) tivesse um pouquinho mais de paciência com meu filho, uma criança de 5 anos, ele estaria aqui. Espero que vocês amem mais ao próximo, cuidem mais dos seus filhos, dêem mais atemção a eles. Por conta de 58 segundos eu perdi meu neguinho. Estou seguindo com um único pedido: justiça por Miguel".

Débora Falabella encena estupro coletivo
A atriz Débora Falabella apresentou uma cena do espetáculo Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante. "Trata-se da cena de um estupro coletivo cometido por homens na beira de uma estrada, mas sem a presença deles no palco", contou a atriz, que lembrou que no Brasil uma mulher é estuprada a cada 8 minutos e que muitos desses crimes não são denunciados na polícia. "Escolhemos passar esse trecho da peça para que casos como desse tipo, como o de Mariana Ferrer, como o da menina de 10 anos estuprada e tantos outros não passem desapercebidos. E também para lembrar que a culpa nunca, em hipótese alguma, é da vítima". Após a fala da atriz, o palco foi ocupado pela bailarina Liliane de Grammont para uma performance solo.
A atriz Luíza Brunet foi a convidada para anunciar o nome da vencedora na categoria que homenageia Revendedoras Avon. "Esse prêmio é muito importante porque dá visibilidade a muitas mulheres, mas também para as que estão invisíveis hoje, para que a gente fortaleça essas mulheres. É muito importante darmos as mãos, fortalecer as mulheres para que saiam da violência doméstica", defendeu a atriz.

Veronique Alves Ribeiro foi a vencedora na categoria por seu trabalho no Projeto Mudar o Mundo, que tem como foco despertar líderes e frequentadores de igrejas evangélicas para as questões do combate à violência contra a mulher. “Acredito que quando nós, mulheres, descobrimos nosso potencial nos tornamos invencíveis. Estou muito feliz mesmo”, declarou. Ela concorreu ao lado de Pricília Vasques e Prescila Venâncio.
Em seguida, chegou a hora de incluir os homens que estão tomando iniciativas concretas para o fim da violência contra mulheres e meninas na categoria Eles por Elas. O criador do site Papo de Homem, Guilherme Valadares, anunciou o vencedor: o promotor do Ministério Público do Pará Nadilson Portilho Gomes. Há 17 anos atuando no MP, ele criou o Grupo Reflexivo para Homens, que conta com reuniões, palestras e dinâmicas em que o tema central é a violência contra a mulher. Além do incentivo de colegas mulheres, ele diz que a mãe e as irmãs trouxeram inspiração essencial. “As mulheres sabem muito o que elas passam e sentem na pele. É preciso que os homens jamais criem barreiras e violem seus direitos. É isso que conclamo todos os homens a participarem disso, para termos uma sociedade com igualdade de gênero e respeito a todas as pessoas”, disse. O professor da Faculdade de Saúde Pública da USP José Miguel Nieto Olivar e o Professor universitário de Filosofia Sergio Barbosa concorreram na categoria.
O Instituto Avon coordenou em 2019 o início da Coalizão Empresarial pelo Fim da Violência contra Mulheres e Meninas. Um ano depois, são mais de 100 empresas engajadas em campanhas e na criação de políticas contra assédio e pelo acolhimento de mulheres em situação de violência. Por isso, o Prêmio Viva fez uma homenagem a uma representante dessa Coalizão. A Diretora Geral da Swarovski Crystal Business Brasil, Chile e Argentina, Carla Assumpção anunciou o prêmio para a vice-Presidente Sênior de Jurídico, Riscos e Compliance da Accor Hotels na América do Sul, Magda Kiehl.
Adriana Barbosa, que há 18 anos criou a Feira Preta, maior evento de empreendedorismo e cultura negra do Brasil, foi quem anunciou o prêmio de Autonomia Econômica. A vencedora foi Maite Scheinder, que não pode estar presente. Com o projeto Transempregos, ela há mais de dez anos busca colocação para mulheres e homens transexuais no mercado de trabalho. Elizandra Cerqueira e Juliana da Costa Gomes, do projeto Mãos de Maria, e Luciana Azambuja Roca, subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres no Mato Grosso do Sul, também participaram da premiação.
A última categoria da noite foi Saúde. A apresentadora Rafa Brites, responsável por anunciar a vencedora, defendeu que é urgência de mais representatividade feminina no poder público. "A gente precisa votar em mulheres e colocar os homens ao nosso lado nessa nossa luta pela saúde que vai muito além da nossa saúde fisiológica, mas da nossa saúde mental. Quem consegue viver em paz com medo de ser abusada, violentada?", questionou.
A psicóloga e gestora pública na Secretaria de Saúde de Suzano, Magna Barboza Damasceno, criadora do projeto "Racismo e as interfaces com a violência doméstica na Saúde", venceu a premiação. "Quero agradecer a todas as mulheres que não desistiram, venceram sua dor para contar pra gente sua história, porque elas acreditaram que alguém podia ajudá-las", disse. "E a todas que tiveram sua vida ceifada, esse trabalho é por vocês, pelas que já se foram e as que virão".

Jurema Werneck é homenageada
A diretora-executiva da Anistia Internacional e colunista de Marie Claire, Jurema Werneck, também ganhou uma homenagem especial no Prêmio Viva. As jornalistas, Maria Laura Neves, Adriana Ferreira Silva e Natacha Cortez leram um poema em reconhecimento à atuação de Jurema, uma das grandes ativistas negras do país. “Estou muito honarada. O papel do ativismo no fundo no fundo é fazer o que é preciso. A gente viu que a violência é real, a injustiça é real. A gente entende que alguma coisa precisa ser feita a gente vai lá e faz", defendeu ela. "O ativismo é responder a esse chamado. É um jeito de ser um megafone. Fiquem alerta, fiquem atentas. Transformar essa enegia em motor, é um jeito de colocar esperança em movimento, é isso que vai fazer a mudança".
A terceira edição do Prêmio Viva encerrou com uma apresentação da cantora MC Soffia.
