NÃO: Roberta Sudbrack, do Sud, o pássaro verde, no Rio
Em meio às ações de flexibilização, decidimos que não vamos abrir o Sud, o pássaro verde, mesmo que as autoridades públicas autorizem o funcionamento de bares e restaurantes. São três, entre as muitas razões, para essa decisão nada fácil. A primeira como não poderia deixar de ser é a emergência sanitária. É preciso uma corrente de união que proteja as pessoas, o nosso bem maior.
As taxas de contaminação estão, ainda, em patamares muito altos. Os cientistas, pesquisadores e sanitaristas todos os dias tentam alertar a todos, que não estamos em condições de baixar a guarda e criar condições para a proliferação da Covid. Nosso sistema de saúde pública, heróico, se levarmos em conta seu desmonte nessa última década, não aguentaria. Os altos números de mortes - muitas que poderiam ter sido evitadas, se não fossem as mensagens ambíguas, as brigas políticas, as decisões baseadas no achismo - deveriam nos causar vergonha, perplexidade e serem suficientes para indicar que estamos longe de um cenário seguro. Há muitas incertezas e é preciso responsabilidade. Por isso vamos continuar com o nosso serviço de entrega em casa. Onde seguimos contando, por intermédio da comida que entregamos, as histórias de um Brasil diverso e que se comunica através dos ingredientes e produtores artesanais da nossa terra e, com isso, tentando manter viva uma rede pessoas e sonhos. A impressão que temos é de que toda aquela esperança de que tiraríamos lições desses tempos trágicos, não eram senão esperanças vãs... Já que a correria, os exageros e a ausência de cuidados com o outro, práticas da nossa era moderna, retornam de onde pararam, como se nada tivesse acontecido, e como se vidas, inúmeras delas, não tivessem sido perdidas, pela falta de solidariedade de cada um e dos governos, nas três esferas.
A segunda razão, é, digamos, sociológica. Os restaurantes foram criados para o prazer, para a convivência e a sociabilidade, ou seja, tudo isso é a antítese das necessidades atuais, de distanciamento social. Evidentemente que não se contesta essas e outras tantas exigências que a pandemia nos exige. É preciso cumprir todas. Portanto, não se trata nem de longe de deixar de reconhecer sua imperiosa necessidade para o controle da pandemia, mas, justamente por isso, o fato que precisa ser encarado é que essas exigências vão de encontro e não ao encontro do significado da restauração, da origem da gastronomia e suas ofertas de experiências gustativas. Restaurantes não atendem necessidades fisiológicas, eles embalam o tempo para as pessoas viverem momentos de contentamento e entusiasmo. Pretendem oferecer uma relação de amor, de boas lembranças, alegria e de acolhimento entre as pessoas, através da culinária que apresentam. Comida para mim é, e sempre será, afeto. A música das conversas, as risadas, o tilintar de talheres, e dos sinos tocados pelos copos, nos brindes ocasionais, é o que cria a atmosfera que tanto nos encanta. E certamente como nos velhos bistrôs de Paris, é íntimo, e muito próximo! A ausência dessas expressividades pelas exigências da Covid, esvaziam de significado desses lugares, suas histórias e suas identidades culturais, tornando-os sem sentido. Não é uma questão de não adaptabilidade, mas sim uma questão de incompatibilidade, de desencontro com um lugar, pensado para o encontro. Para a realidade que vivemos, entregar o alimento em casa, me parece estar mais adequado às necessidades que o distanciamento social nos impõe.
E, por fim, o terceiro motivo é o econômico. As políticas de apoio financeiro para as pessoas e para empresas foram pífias e descoordenadas, todos os setores da vida social e econômica sofreram com a crise sanitária, os números estão aí e confirmam. Com certeza praticamente 90% dos estabelecimentos estão no seu limite financeiro, endividados e com dificuldade para manter sua operação básica. Com o Sud não é diferente. Amigos, clientes, fornecedores e plataformas de apoio têm sido fundamentais para a continuidade do sonho do voo do nosso pássaro. Abrir nas condições atuais entendo que só agravará tudo isso que já estamos sofrendo. Porque, por um lado, as regras impostas nos protocolos de abertura, que quero deixar mais uma vez claro, não contesto, não são sustentáveis para os negócios. Exigem investimentos que, para os estabelecimentos, especialmente os menores, que estão à beira do precipício, não são factíveis. Simplesmente não há recursos para essas adequações nas dimensões necessárias.
As fiscalizações indispensáveis aplicarão multas altas ao mero descuido de um cliente, funcionário ou prestador de serviço que, mesmo com todo o cuidado, avisos e orientações, irão infelizmente acontecer. E os estabelecimentos, como não poderia deixar de ser, serão responsabilizados, ampliando todas as dificuldades. Sem falar que o funcionamento com a metade da capacidade, em alguns casos, como o nosso por exemplo, que somos bastante pequenos, não é viável economicamente. A conta não fecha. Ainda temos que levar em consideração a questão do público, que além de estar desconfiado e com medo – com razão -, provavelmente não vai pagar para se sentar a dois metros de distância da namorada, do amigo ou da família, ou seja, para não viver a experiência acima mencionada. Todo aquele sentido, infelizmente, está e continuará por algum tempo em suspenso. Como se não bastassem todos esses fatores, existe a própria probabilidade de recuo da flexibilização, pois além de estarmos em voo cego sobre o que acontece com a evolução do vírus, há a chamada segunda onda de contaminação, que pode exigir medidas mais duras de isolamento. E esse abre e fecha traz muita imprevisibilidade e insegurança para as pessoas e para os negócios. A verdade nua e crua que parece se agigantar diante de nossos olhos é que 2020 é um ano perdido em nossas vidas como cozinheiros, pelo menos no que diz respeito ao sentido afetivo e econômico dos restaurantes.
De modo que somos compelidos a uma estratégia que impõe sacrifícios e que negocia com o tempo, este senhor que tudo sabe sobre nossos destinos. Se é a melhor decisão e se vamos conseguir sobreviver, não sabemos, mas temos certeza que é a decisão mais solidária e a que melhor enfrenta e se conecta com os valores que acreditamos como pilares da nossa cozinha.
SIM: Carole Crema, da doceria que leva seu nome, em São Paulo
Sou, sim, a favor da reabertura dos restaurantes e bares. O comércio já voltou, há um aumento da circulação das pessoas, as pessoas precisam ter onde comer. Melhor um restaurante bem higienizado do que um refeitório improvisado. Nossas regras de higiene seguem a ANVISA [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], são super cuidadosas e, claro, agora ainda mais.
Também precisamos trabalhar, nossos cozinheiros e atendentes estão afastados há mais de dois meses e o auxílio do governo já acabou. Muitos restaurantes não tem mais fôlego para bancar a estrutura fechada. Eles fazem parte do nosso dia a dia e até da cultura de nossa cidade. Precisamos salvá-los.
Pessoalmente, estou com saudade de sair, comer algo diferente, especial, feito na hora. O delivery não proporciona a mesma experiencia. Vontade de fazer a “roda girar” de novo. De um novo jeito, mas rodando.