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Eu, Leitora: “Cai de paraquedas, fiquei paralítica e voltei a andar”, conta esportista norueguesa

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“NO MEIO DA TRAGÉDIA, COMECEI A NAMORAR. FOI UMA PAIXÃO VITAL”, AFIRMA KARINA HOLLWKIM (Foto: ARQUIVO PESSOAL)

“Em agosto de 2006, aos 30 anos, eu e um grupo de amigos fomos convidados para participar da Copa do Mundo de Paragliding em Villeneuve, na Suíça, às margens do lago Genebra. Era o final da manhã quando embarcamos em um Cessna que nos transportou a 3 mil metros de altitude. Para mim, superexperiente, era um salto simples. Tudo o que precisava fazer era pular do avião com uma câmera presa ao capacete e um sinalizador de fumaça fixado ao tornozelo para marcar meus movimentos no voo, de modo que o público pudesse me acompanhar. Havia chovido de manhã, mas agora o sol perfurava as nuvens, desvendando os picos alpinos. Eu estava cheia de entusiasmo. Tinha a vida que sempre quis.

Quando o piloto indicou que havíamos alcançado o lugar certo, meus amigos saltaram e, a seguir, eu pulei. Estava voando com o vento, a adrenalina a mil, parecia perfeito. Como era eu que estava filmando tudo, fui a última a acionar o paraquedas, mas ele se abriu num ângulo inclinado, emaranhando os cabos dos freios, se enrolou, e eu comecei a girar como uma hélice de helicóptero a 100 quilômetros por hora. Lutei para recuperar o controle, consegui diminuir um pouco a velocidade, mas nada podia conter o giro. Estava perto demais do solo para usar o velame de reserva. A terra vinha correndo em minha direção e pensei: ‘Vou morrer’.

Na verdade, os riscos fazem parte de minha história. Aos 4 anos de idade, quando voltava para casa em Oslo, na Noruega, depois de uma viagem pelas montanhas com meus pais, um carro que vinha no sentido contrário derrapou e nos atingiu de frente. Minha mãe sofreu uma lesão cerebral que a deixou parcialmente paralisada. Quando despertou do coma, quatro meses depois, não me reconhecia mais. Só se recuperou e voltou a andar depois de anos de reabilitação.Um tempo depois desse incidente, meus pais se divorciaram e fui morar com meu pai. Foi dele que herdei a paixão pelo esporte ao ar livre. Quando eu era pequena, ele me colocava dentro de uma grande mochila e me levava para fazer escaladas. Na adolescência, eu já era uma exímia esquiadora, mas me rebelei contra meu pai, um homem muito rígido. Depois de muitas brigas, porque eu não seguia suas regras de segurança esportiva, ele me castigou, deixando de me levar para esquiar no Natal. Ele me proibiu de sair para a neve, mas eu saí às escondidas. Quando voltei, encontrei um bilhete em minha mochila que dizia: ‘Esta não é mais sua casa’. Eu tinha apenas 14 anos, então fui morar com meu tio, também em Oslo, e continuei esquiando. Aos 16, já tinha patrocinadores; aos 21, competia em toda a Europa. Virei profissional e passei a estrelar vídeos de esportes radicais. Apesar de ter feito as pazes com meu pai, nem ele nem nada poderia me amarrar. Abandonei a Noruega para viver no mundo, ligada a uma tribo global de atletas aventureiros. Em 2000, já fazia skydiving (queda livre acelerada) quando conheci o BASE – o salto de paraquedas a partir de uma posição fixa, como edifícios, antenas e penhascos. Depois, mudei para os Estados Unidos e namorei um atleta lindo, que me ensinou a saltar de altos penhascos usando esquis, onde os riscos aumentam ainda mais por causa do vento. Logo me tornei a primeira mulher a praticar esqui BASE, vivendo num mundo ultracompetitivo e machista dos saltadores. Eu e uma amiga fomos pioneiras a fazer o salto de Kaga Tondo, uma coluna de arenito de 600 metros de altura no deserto do Mali. Também saltei da Torre Jin Mao em Xangai, com 88 andares. Passava o ano competindo e fazendo vídeos de esportes radicais. Ganhei fama de corajosa.

Naquela manhã do acidente, em agosto de 2006, tudo mudou. Só me lembro de me aproximar do solo, mais nada. Quando abri os olhos, vi minhas pernas torcidas ao lado do meu tórax, como se fossem de outra pessoa. ‘É isso que a gente sente quando morre?’, pensei. Lascas de osso quebrado tinham perfurado minha pele. ‘Se estou sentindo dor, devo estar viva’, ainda raciocinei antes de apagar completamente. Acordei dois dias depois, sozinha num quarto de hospital, desorientada –uma equipe de socorro havia me levado de helicóptero para Lausanne. O médico apareceu e falou secamente: ‘Sua perna direita tem 21 fraturas expostas e a esquerda se quebrou em quatro pedaços. Você nunca mais vai andar.’ Não consegui dizer nada, parecia irreal. De repente tudo havia sido tirado de mim. Apenas fiquei ali, deitada, chorando. Até que meu pai chegou. Avisado pelos meus amigos, ele pegou o primeiro avião que conseguiu. Ele sabia que esquiadores se machucam muito, mas dessa vez a situação era diferente. Na verdade, ele temia isso desde que comecei com os saltos BASE. Meu pai me encontrou coma perna direita numa gaiola metálica, com pinos que perfuravam a pele e tubos enfiados nos braços. Ele passou as primeiras noites a meu lado, apertando o botão que liberava morfina na sonda para que eu não sentisse dor. Durante o dia, recebia os amigos que vinham me visitar. Só para ele confidenciei o terror que eu sentia de pensar em passar o resto da vida em uma cadeira de rodas. Ele me acolheu e disse que eu tinha que viver um dia de cada vez.

Nos quatro meses seguintes, passei por 14 cirurgias nas pernas (para surpresa dos médicos, não sofri ferimentos em outro lugar). Placas, parafusos e enxertos foram colocados no meu corpo. Tive várias infecções e uma delas foi muito grave. Os médicos estavam prestes a amputar a perna quando uma última cirurgia revelou um pouco de capim e pedrisco enterrados nela. Assim que foram removidos, as infecções pararam.

Eu tenho 1,80 de altura e, quando tive alta desse hospital, em dezembro de 2006, pesava 45 quilos. Voltei com meu pai para Oslo, onde fui internada novamente, agora em um centro de reabilitação. Quase imóvel e cercada de paraplégicos e amputados, vislumbrei meu futuro e mergulhei na depressão. Meu pai sabia que eu chorava a noite inteira. Ele me visitava todos os dias e dizia que a única coisa que eu precisava era me fortalecer, mas eu não acreditava mais na recuperação. As coisas mudaram quando um fisioterapeuta me deu um par de luvas de boxe e disse para eu começar a socá-lo. Foi como abrir uma torneira. Liberada para atacá-lo, despejei minha fúria com uma força selvagem, enquanto gritava sem parar. Gritei toda minha frustração e tristeza. Depois, fiquei tão exausta que passei dois dias doente. Mas, finalmente havia encontrado uma maneira de usar meu corpo e sentir que ele estava vivo. Isso reacendeu minha esperança e eu me atirei na reabilitação. Foi um processo extremamente lento e doloroso. Levei um ano para tentar dar o primeiro passo. No dia em que consegui, eu usava um shorts largo no meu corpo esquelético, agarrei um andador na altura do peito, transferi o peso para ele e me movi, centímetro por centímetro, pelo quarto e corredor, sobre minhas pernas atrofiadas. Os médicos olhavam, incrédulos. Uma enfermeira começou a chorar.

Antes do acidente, se alguém me perguntasse o que eu faria se tivesse que ficar em uma cadeira de rodas, eu teria dito que me mataria. Mas não foi o que aconteceu. Acho que o que me ajudou foi que, mesmo nos momentos mais sombrios, eu resisti a me tornar uma pessoa amarga e não me isolei. Depois que venci a depressão inicial, algo começou a florescer em mim. Quem era eu sem esquiar e saltar? Precisava me reinventar e isso me aterrorizava, mas também abria novas possibilidades. Meu pai, que antes era fonte de problemas e rusgas, havia se tornado agora uma fonte de apoio inabalável. Também havia uma promessa no ar, pois, às vésperas do acidente, eu havia conhecido Hernan Pitocco, um paraquedista argentino. Tinha rolado um flerte, nos beijamos e eu pretendia sair com ele depois do salto fatídico. Hernan me visitou no hospital algumas vezes no primeiro mês, e telefonava regularmente. Imagine, apaixonar-se no meio dessa tragédia... No ano seguinte, começamos a namorar. Embora o relacionamento não tenha durado muito, foi vital, pois até então eu achava que não havia restado nada de mim e Hernan me dizia que eu ainda era a mesma garota por quem ele tinha se apaixonado, e que ela voltaria.

Durante os meses que passei no centro médico, comecei a perceber que, apesar de tudo, ainda poderia ser feliz. Ver que eu era muito mais que um corpo funcional foi determinante na minha melhora. A queda me obrigou a avaliar minha vida e admitir que, antes do acidente, eu era centrada demais em mim. Nem levava em conta o quanto o meu vício em adrenalina e a prática de esportes tão perigosos afetavam as pessoas ao meu redor. Era difícil eu me aprofundar numa relação verdadeira. Hoje sou uma filha e uma amiga muito mais atenta e responsável e tornei-me uma palestrante motivacional de sucesso. Contar para outras pessoas o acidente e o processo de recuperação deu um novo significado à minha história. Sinto que cresci muito, sou mais sábia em minhas decisões e, sobretudo, aprecio o que tenho e sou grata pelo que me aconteceu.

Após três anos do acidente, eu já conseguia andar, mas mancava e ainda sentia dores. Tinha dificuldade para entrar e sair de um carro e subir as escadas. Tomava tantos analgésicos que tive que fazer tratamento de desintoxicação duas vezes. Finalmente, entrei no Centro de Treinamento e Diagnóstico Red Bull, na Áustria, uma instituição de ponta para atletas que se recuperam de lesões. Durante um ano, reaprendi a mecânica do ato de caminhar. Tudo o que eu fazia doía, mas meus médicos se surpreenderam com minha perseverança. Sob a vigilância deles, meus músculos começaram a sarar e, como tempo, a dor sumiu e parei de mancar. Foi aí que comecei a acalentar o sonho de voltar a esquiar. Sabia que era arriscado, uma queda poderia me levar de volta ao hospital, mas eu não conseguia parar de sonhar. Nas primeiras tentativas, usei uma cadeira especial, depois pude dispensá-la.

Em janeiro de 2010, fui para Hemsedal, um grande centro de esqui na Noruega. A montanha foi aberta uma hora mais cedo só para mim. Duas horas antes de amanhecer, estava escuro, e as trilhas brilhavam sob a luz artificial. Eu me sentei no teleférico, com meu pai e uma equipe de câmeras para documentar a descida. Um grupo de amigos estava reunido na base da pista, incluindo minha mãe, que também passara por tantos anos de reabilitação antes de conseguir andar novamente. Confesso que tive medo que minhas pernas falhassem,mas respirei fundo ao sair do teleférico... Cravei meus bastões na neve e, mais uma vez, fui em frente. "


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