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"Estou bem com o espelho", diz Sylvia Barreto, modelo plus size

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"Já fui magra e era insegura. Não mudaria meu corpo", afirma Sylvia (Foto: Márcio Scavone)"Já fui magra e era insegura. Não mudaria meu corpo", afirma Sylvia (Foto: Márcio Scavone)

Desde que o pintor renascentista Sandro Botticelli deixou de lançar suas tintas em telas, em 1510, muita coisa mudou no mundo. Sobretudo, suas modelos. São de Botticelli os quadros de mulheres curvilíneas e corpulentas, com barrigas salientes, bumbuns arredondados e dobrinhas que enchiam os olhos (e as paredes das casas) da alta sociedade europeia do século 16. Cinco séculos depois, o padrão de beleza feminino exige saboneteiras saltadas, barriga negativa, poucas e contidas curvas. Na década de 60, a modelo inglesa Twiggy surgiu de minissaias, pernas magérrimas e instaurou seu biotipo seco como padrão de beleza. Anos mais tarde, a magreza passou de padrão à ditadura e a gordura se transformou em sinônimo de desleixo, indisciplina, feiúra. No século 21, é tabu ser gordo.

A jornalista Sylvia Barreto, 29 anos, de São Paulo, conta com sorriso o preconceito que sofre por ter 97 quilos distribuídos em 1,72m de altura. Sylvia é uma mulher bonita, com coxas e seios fartos e uma cintura bem marcada. Chama a atenção por onde passa: os homens olham-na com desejo, as mulheres, com reprovação. “Para mim, beleza é muito mais do que magreza. Aprendi a me aceitar. Tenho muito prazer em comer, sempre peço sobremesa. Mas muita gente não me aceita, me julga”, afirma Sylvia. “Ser chamada de gorda não é mais um xingamento para mim. Até porque ganho dinheiro com isso.” Há dois anos, ela é modelo plus size, um mercado em ascensão tanto no Brasil como no mundo.

A MODELO REGISTROU EM SEU INSTAGRAM OS BASTIDORES DO ENSAIO PARA MARIE CLAIRE (Foto: Reprodução Instagram)A modelo registrou o ensaio em seu instagram
(Foto: Reprodução Instagram)

Antes de trabalhar com moda, no entanto, Sylvia foi alvo de piadas maldosas no trabalho. Um de seus chefes sugeria, jocosa e diariamente, que ela doasse gordura para uma colega mais magra. “Um outro me fez jantar com toda a equipe e, ao ver meu prato de massas, perguntou: ‘Nossa, vai comer tudo isso sozinha? Quanto você pesa?’”. O caso de Sylvia não é isolado. O mercado de trabalho reage mal ao sobrepreso da população. Uma pesquisa feita,em 2011, pela Catho, empresa de recrutamento online, aponta que quase 10% dos empregadores se recusam a contratar obesos.

O preconceito se baseia na ideia de que gordos não são bem-sucedidos.“O estereótipo de pessoa de sucesso hoje é branca e magra. E todos querem estar na classe dos bem-sucedidos, se relacionar com eles”, afirma a terapeuta Regina Favre, do Laboratório do Corpo, em São Paulo. “O preconceito contra o gordo é como o preconceito contra o pobre: imagina-se que ele não sabe comer, não viaja, não anda em lugares legais”, diz. A opulência dos corpos do século XVI expressavam justamente o contrário: saúde, fartura, bom nível social. Os valores desejados seguem os mesmos, mas aquilo que os simboliza mudou. “A gordura em excesso na sociedade contemporânea significa ausência de disciplina”, afirma o antropólogo Roberto DaMatta. “E disciplina é extremamente valorizada, inclusive no que se coloca no prato ou nas horas que se passa na academia.”

É improvável que o padrão de beleza se altere a ponto de recuperar as musas de Botticelli como referência. Para Sylvia, porém, isso não importa. Ela já fez dietas malucas, chegou a desmaiar de fome e pesou 40 quilos menos do que tem hoje. Nada disso a fez feliz. “Não trocaria meu corpo pelo de uma mulher magra. Sou vaidosa, gosto de me cuidar, me maquiar. Penso que tenho que estar bem com o espelho. Eu estou. E isso me basta”, diz. É o primeiro passo para quebrar o tabu.


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