"Conheci Stevie quando tinha 16 anos, em 1976. Ele era dois anos mais velho e estávamos na mesma faculdade em em Portsmouth, cidade onde moramos que fica na beira do Canal da Mancha, na Inglaterra. Casamos dois anos depois. Tivemos anos muito felizes. Em 1982, engravidei pela primeira vez, mas sofri um aborto. Esse momento foi devastador. Por sorte, dois anos depois engravidei novamente.
No entanto, as coisas não sairam conforme o esperado. Os exames de rotina mostravam que minha filha poderia nascer com algum problema. Se a coluna dela não fechasse, ela poderia nascer com uma malformação chamada espinha bífida, que pode causar paralisia. Conversamos por semanas com os médicos sobre o que isso afetaria a vida do bebê. A hipótese de Leonie morrer assim que nascesse era inadmissível.
UMA DÁDIVA
Leonie foi uma verdadeira dádiva em nossas vidas. Ao nascer, os médicos alertaram que, possivelmente, ela não passaria da primeira noite. Após duas cirurgias e três semanas na UTI, minha filha recebeu alta e foi para nossa casa. Mesmo não andando, ela era um bebê feliz.
Algum tempo depois do nascimento de nossa segunda filha, Sophie, em 1987, começamos a perceber que Leonie tinha dores de cabeça constantes e não conseguia respirar direito enquanto dormia. Fomos várias vezes ao hospital. Aos quatro anos a diagnosticaram com um grande cisto no tronco cerebral. Era preciso fazer uma cirurgia de risco para mantê-la viva. A operação causou um enorme dano cerebral e ela passou meses doente.
Os médicos acreditavam que Leonie morreria em poucas semanas. Nesta mesma época descobri que estava grávida de nosso terceiro filho, Carey, que nasceu em 1990. Ele foi um grande presente neste momento tão difícil.
Stevie nunca desistiu de lutar por Leonie, mesmo ela estando cada vez mais fraca e debilitada. Mas não havia nada que pudesse ser feito. Carey e Sophie foram crianças felizes e isso ajudava muito em todo o processo doloroso de Leonie.
IRONIA DO DESTINO
Stevie, que foi sempre um homem de muita saúde, começou a ficar debilitado. Pensávamos que seria apenas uma gripe ou, no máximo, uma infecção no peito. No entanto, Stevie estava com leucemia.
Na noite em que o levamos ao hospital da cidade, sua pele ficou manchada de hematomas. Ele estava ofegante. Stevie sofreu uma hemorragia no cérebro. Cinco horas mais tarde, as máquinas estavam desligadas e não tive nem tempo de dizer adeus. Desmoronei. Meu marido estava morrendo antes de minha filha. Quando consegui me acalmar um pouco, fui para casa e tentei tocar a vida com meus filhos.
A maior dificuldade, no entanto, foi fazer Leonie entender a morte do pai. Num dia ela parecia esquecer ele. No outro, ficava sentada na porta de casa com nossa cachorra de estimação, Candy, o esperando. Toda vez que eu explicava o que tinha acontecido, ela começava a chorar. Isso me partia o coração. Ao mesmo tempo, sentia que o pesadelo estava apenas começando.
Dez meses após a morte de Stevie, Leonie foi embora. As dores se tornaram ainda mais constantes e fortes e não havia mais nada que os médicos pudessem fazer. O que me conforta é que os últimos dias dela foram tranquilos. Eu me despedi da minha filha e fui dar a notícia aos outros dois. A hora do jantar era um dos momentos mais difíceis. Às vezes me esquecia da realidade e colocava cinco lugares à mesa, ao invés de três.
COMO LIDAR COM A PERDA
Depois da morte da irmã, Sophie começou a ter pesadelos e criou pânico à sujeira. Lavava as mãos várias vezes ao dia, até que elas ficassem doloridas. Um psicólogo infantil nos ajudou a superar o trauma e ela se curou. Carey também sofreu muito e deixou de falar após a morte do pai. Passou dois anos sem dizer uma palavra. Só voltou a se comunicar quando completou três anos. O apoio da família e amigos nessa época foi fundamental.
A falta de Stevie e Leonie aumentava. Para conseguir lidar com a nova realidade, comecei a trabalhar como cuidadora de crianças com necessidades especiais. Educava meus filhos em casa e, para ajudar outras mães, criei um grupo para fazer o mesmo com outras crianças. Em uma das reuniões conheci Maya, que era casada com Russell. Eu ensinava ciências aos filhos de Maya, e ela ensinava matemática aos meus.
Nossos filhos ficaram muito amigos, mas eu não gostava do marido dela. Ele viajava muito e trabalhava por longas horas fora de casa. Em dezembro de 2002, Maya morreu num acidente de carro. Russell ficou inconsolável e eu fui até o hospital ajudá-lo a contar a verdade a Rosie, sua filha de três anos. Aos poucos, nos aproximamos. Fazíamos caminhadas juntos e, lentamente, nos demos conta de que algo estava acontecendo. Percebi que estava me apaixonando, mas Russell ainda estava de luto por Maya. No fim do ano seguinte, ficamos juntos e nos casamos.
O LIVRO
Sempre quis ser escritora. Comecei a escrever ficção há alguns anos. Tive um agente literário e quase consegui lançar um livro. No entanto, Leonie estava tão mal de saúde que deixei esse sonho para quando ela melhorasse, algo que não aconteceu. Quando casei com Russell, estava tão empolgada que me questionei: "por que não voltar a escrever?".
Quase 20 anos depois de tudo isso, no último mês de novembro lancei meu primeiro livro. “The Secrets Of Life And Death" ("Os Segredos da Vida e da Morte", em tradução livre para o português) conta a história de uma mulher que tenta curar a filha não com remédios, mas através da fé. Ela também encontra o amor de sua vida em uma universidade.
Tudo o que posso dizer para quem passa por situações tão difíceis ou semelhantes a minha é: nunca desista, siga em frente! A dor é enorme e esmagadora nos primeiros meses, mas você precisa se concentrar em pequenas coisas. Quando sua vida gira em torno da dor, você a supera. Nunca vou esquecer Stevie ou minha filha, falamos sobre eles o tempo todo. Conversamos sobre Maya também, mesmo que Rosie e Carey não lembrem dos pais. Houve momentos em que senti muita raiva e culpa. Estas reações são normais e vão passar. Um novo amor, se surgir, é muito precioso. Então, aproveite essa benção".