Eunsun Kim, uma estudante de 29 anos que atualmente vive em Seul, escreveu seu primeiro testamento aos 11 anos de idade quando achou que sua vida chegaria ao fim. Faminta, ela deixou um bilhete para a mãe, que, com a filha mais velha, saiu de casa em busca de comida dias antes.
"Mãe, eu estou esperando você. Sinto que vou morrer em breve. Por que você não voltou?", escreveu Eunsun antes de se deitar no chão e esperar pela morte. A menina já havia visto os avós sucumbirem à desnutrição em meados dos anos 1990 quando mais de 500 mil pessoas perderam a vida no país por conta da fome. Seu pai, em 1997, também não resistiu.
"Mas no sexto dia ela voltou. Embora tenha chegado de mãos vazias, eu fiquei feliz. Suas primeiras palavras foram: 'vamos morrer juntas. Mas eu ainda estava feliz".
No livro "A Thousand Miles to Freedom", sem título em português, Eunsum relata como a mãe conseguiu escapar do regime sanguinário de Kim Jong Un, na Coreia do Norte, para salvar a vida das filhas em nove anos de fuga até chegarem à vizinha Coreia do Sul.
"Morávamos na província de Hamgyong, em uma aldeia chamada Undok no norte da Coreia do Norte. Na primavera, comíamos grama ou roubávamos comida das fazendas", disse ao site do canal por assinatura Geographic Channel. Sua mãe chegou a ser espancada por fazendeiros que a flagraram furtando alimentos. "Mas durante o inverno não havia nada para roubar. Nós não tínhamos como sobreviver. É por isso que decidimos fugir".
A norte-coreana, sua irmã dois anos mais velha e a mãe então decidiram que precisavam deixar o país se quisessem ter um futuro. Elas atravessaram à pé um rio congelado que liga o país à China e chegaram até outro lado da fronteira. Mas foram pegas por um grupo de criminosos que se aproveitavam do desespero de imigrantes não documentados para lucrar.
"Na China, fomos compradas por um traficante de pessoas". Sua mãe foi obrigada a se casar com o homem e ter um filho. Todas foram tratadas de forma violenta até a chegada da polícia, que as deportou de volta à Coreia do Norte. "Fomos consideradas traidoras, e por isso vivíamos como mendigas na rua, dormindo sob pontes".
Dois meses depois, mãe e filhas voltaram à China para encontrar o menino, mas foram repetidamente impedidas pelo homem, e tiveram que deixar a região. Mas sem documentos no país, elas precisavam de alguma alternativa para sobreviver, já que estavam de forma irregular. O caminho foi buscar ajuda de atravessadores para chegarem à Coreia do Sul, onde poderiam encontrar abrigo dado pelo governo.
"Minha história é comum entre os refugiados norte-coreanos. Muitas mulheres caem no tráfico de seres humanos na China", lamentou a jovem, que embora tenha um passado marcado miséria, se considera de muita sorte. "Não nos separaram. Mesmo quando foram repatriadas para a Coreia do Norte, eu estava com a minha mãe".
Eunsun atualmente cursa ensino superior e trabalha em uma ONG voltada para fugitivos da Coreia do Norte. Sua história, destaque na imprensa internacional, também foi contada em um programa norueguês com áudio em inglês no YouTube.