A jornalista brasileira Juliana Holanda, de 33 anos, denunciou em sua página do Facebook a violência sexual que sofreu dentro de um avião da Ethiopian Airlines, em julho passado.
Um homem que estava sentado ao seu lado no voo entre Addis Ababa, na Etiópia, para Londres começou a se masturbar na sua frente e tentou agarrá-la, no meio da noite, quando as luzes da cabine estavam apagadas. Atônita, ela buscou ajuda dos comissários de bordo que pouco fizeram.
Por telefone, Juliana, que já está de volta ao Brasil, contou à Marie Claire que a responsável pelo voo chegou a dizer que não adiantava ela fazer nenhum tipo de denúncia, pois não tinha provas físicas de agressão.
"Eu sentei em outra parte do voo e pedi a três aeromoças diferentes para chamar a responsável. Após o terceiro pedido, a funcionária chegou, falando alto, na frente de todo mundo, pediu que eu repetisse a história. Ela me perguntou se eu tinha alguma testemunha e falei que os outros passageiros estavam dormindo, as luzes estavam apagadas. Ela, então, olhou no meu braço para ver se eu tinha alguma marca e perguntou literalmente: 'Você foi estuprada?' Respondi que não e ela disse que só poderia fazer alguma coisa se tivesse uma evidência física de violência."
Após aterrisar na capital britânica, Juliana prestou queixa na polícia local, que localizou o homem e o interrogou. Ele negou tudo e acabou sendo liberado. A jornalista disse ter mandado e-mails para vários endereços da empresa e só obteve resposta no último dia 30. Na mensagem, segundo ela, a Ethiopian afirma ter sido informada do ocorrido pela tripulação do voo e que a brasileira teria recusado fazer uma denúncia à equipe em solo, o que Juliana nega.
Traumatizada com o ocorrido, ela conta que não conseguiu dormir nas mais de 20 horas do voo de volta e chegou a trocar de poltrona quando outro desconhecido sentou ao seu lado. Juliana disse que resolveu relatar o caso no Facebook para alertar outras mulheres a não passarem pelo mesmo que ela.
"Não é fácil fazer uma exposição dessa forma. Nos próprios comentários já vi coisas horríveis. Mas me senti meio que na obrigação. A quantidade de mulheres e crianças que estão expostas viajando por essa empresa, que acham que você só tem direito a algum tipo de defesa se for estuprada.. As pessoas precisam saber", disse.
Marie Claire entrou em contato com o escritório da Ethiopian Airlines em São Paulo, que informou que não havia ninguém disponível para atender à solicitação no momento e retornaria a ligação.
Leia o relato na íntegra:
"Passei alguns dias até ter coragem de escrever esta história. Sei que é muita exposição, mas é um absurdo que as mulheres continuem sendo tratadas desta forma em pleno século XXI. Até quando seremos silenciadas diante de abusos e de agressores? Por favor, COMPARTILHEM, me ajudem a divulgar.
Sexta-feira, 3 de julho de 2015. A data deveria ter entrado na minha vida como a chegada na Inglaterra para realizar um curso de qualificação profissional e acadêmica. O que eu não contava é que também seria o dia em que eu sofreria uma violência sexual durante a viagem.
O voo ET 700 da Ethiopian Airlines saiu de Addis Ababa 01h20 da manhã e chegou em Londres 06h50 (ambas referências constam na passagem e estão no horário de cada local). Eu estava viajando há mais de 24 horas e apesar de muito cansada não consegui dormir nesse voo. Fiquei apenas de olhos fechados, escutando música no fone de ouvido. Foi a minha sorte. Eu estava na poltrona da janela (34L). Um homem estava na cadeira do corredor e a poltrona entre nós estava vazia. Algumas horas após a decolagem, as luzes estavam apagadas para os passageiros dormirem. O homem que estava ao meu lado começou a se masturbar virado em minha direção. Notei o movimento da cadeira e abri os olhos sem acreditar no que estava acontecendo. Nesse momento, ele estava tentando pegar em mim.
Tirei o cinto de segurança, me levantei o mais rápido que pude e saí correndo para a frente do avião. Contei o que havia acontecido para a aeromoça e tive que insistir para sentar em outro lugar. Pedi para falar com a pessoa responsável pelo voo e não chamaram. Comecei a chorar de susto, raiva, vergonha, impotência, tudo misturado. Chamei outra aeromoça, contei o que tinha acontecido, pedi água e pedi para chamar a responsável pelo voo. Me deram água, não chamaram ninguém. Na terceira tentativa, a responsável chegou.
Começou a me perguntar o que tinha acontecido ali mesmo, na frente das pessoas. Eu expliquei. Ela perguntou se eu tinha testemunhas. Eu disse que as luzes estavam apagadas e as pessoas ao redor estavam dormindo. Ela disse que sem testemunhas ela não poderia fazer nada. Para chamar a polícia quando chegássemos em Londres, eu precisaria de testemunhas ou de ter sido estuprada para ter evidências físicas do ataque.Ela foi até o local para ver quem era o homem, voltou e disse que ia escrever uma ocorrência para a empresa. Passei o resto do voo nesse lugar distante do agressor, me sentindo totalmente incapaz.
Na saída, fui escoltada por um grupo de brasileiros que eu havia conhecido antes do voo. Eles me acompanharam por todo o aeroporto porque tivemos que percorrer o mesmo caminho do agressor. Precisei de uns dias para me recuperar do ocorrido. Uma semana depois, escrevi para a Ethiopian Airilines. Foi um e-mail coletivo para mais de 20 endereços que encontrei no site. Não tive nenhuma resposta oficial da empresa. Apenas um funcionário ficou consternado com a situação e me escreveu pedindo desculpas. Cerca de um mês depois do incidente, no dia 30 de julho, recebi um e-mail da empresa dizendo que a culpa era minha, porque eu que não quis chamar a polícia nem levar o caso adiante.
Ainda na Inglaterra, entrei em contato com a polícia do Reino Unido. Prestei queixa formal na Heathrow Police Station. A policial que trabalhou no caso conseguiu identificar o agressor e ele foi preso hoje e levado à delegacia para prestar depoimento. Como ele disse que passou o voo inteiro dormindo, ele foi solto e vai ficar por isso mesmo.
Ainda estou procurando um advogado para colocar a Ethiopian Airlines na justiça. Eles merecem seja penalizados por tratar as mulheres tão mal e por permitir que um crime dessa natureza ocorra em um de seus aviões. Uma empresa que não se responsabiliza pela segurança de seus passageiros não merece estar no mercado. Que tipo de empresa diz que uma mulher precisa ser estuprada para ter acesso a seus direitos? Me sinto duplamente abusada. Primeiro, pelo agressor. Segundo, pela Ethiopian Airlines."