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Diretora de filmes pornôs, Erika Lust mostra sua rotina: "Tenho uma relação sólida, duas filhas e uma vida estável"

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A família Lust Dobner em momento relax em casa, em Barcelona  (Foto: Arturo Querzoli)

 

São 7h da manhã num confortável duplex com vista para o Mediterrâneo. Do lado de fora, o sol da praia de Bogatell, em Barcelona, começa a refletir os raios no mar. Dentro, a cena parece de uma família de propaganda de margarina durante o café da manhã. Entre croissants, suco de laranja e café com leite, um casal formado por uma sueca e um argentino conversa em castelhano enquanto prepara as duas filhas  pequenas para mais um dia de escola. De lá, partem para o trabalho.

Num apartamento do outro lado da cidade, um divã cercado de velas acaba de ser iluminado por refletores. Desta vez, quem espera as ordens dessa mesma sueca são duas garotas de 20 anos, que estão sendo maquiadas. Quando a câmera é ligada,  uma delas atua em uma longa cena de masturbação. Em seguida, as duas fazem um apaixonado sexo oral entre si. Os dois takes fazem parte de um curta-metragem chamado Spec- femitrofilia, o nome da atração sexual por fantasmas e espíritos.

A mulher que age com a mesma naturalidade em situações tão distintas quanto o café da manhã familiar e um set erótico é Erika Lust, 38 anos, diretora de pornôs para mulheres. Mãe de Lara, 7 anos, Liv, 5, e casada há 15 como publicitário argentino Pablo Dobner, seu sócio e produtor-executivo na produtora Lust Films, Erika está acostumada a viver de uma profissão controversa. Ou, no mínimo, inusitada. Em suas mãos, o cinema adulto ganhou um ar mais inteligente e contemporâneo. As produções são elegantes, têm ótima fotografia e trilha sonora –verdadeiras exceções no gênero. Assista abaixo ao trailer de "Mad Men Porn", uma das últimas produções dirigidas por Erika:



Referência na área, Erika acumula uma lista de prêmios. "The Good Girl", seu curta de estreia feito de maneira experimental e lançado em 2004, foi distribuído gratuitamente pela internet. Em poucos meses, alcançou a marca de 2 milhões de downloads. Mais tarde, levou o prêmio de melhor curtametragem no Festival Internacional de Filme Erótico de Barcelona. 

Em 2008, ganhou menção honrosa no Cinekink do Festival de Nova York e o troféu de filme do ano no Feminist Porn Awards de Toronto. A cineasta orgulha-se de ter aberto caminho para uma safra de novas diretoras mulheres, como a americana Jacky St. James e a francesa Lucie Blush.

As histórias de Erika têm a mulher como protagonista e cenas de sexo explícito  sempre dentro de um contexto também bem feminino. Emum deles, a personagem principal da trama trai seu marido, um famoso jogador de futebol, por vingança. Depois do sexo consumado, faz questão de enviar a ele um vídeo mostrando o ocorrido.

A cineasta Erika Lust confere a maquiagem antes de uma sessão de fotos e, à direita, com uma das imagens retiradas de seus filmes que decoram sua sala (Foto: Arturo Querzoli)

Num outro curta, a atriz principal surge arrumando a bagunça do quarto do filho pequeno. E encontra por ali, acidentalmente, um de seus vibradores. Chama o marido indignada e pergunta como aquilo havia parado naquele lugar.O sexo entre os dois começa no mesmo ambiente, entre bichos de pelúcia.

“Seja pelo roteiro, seja pela estética, meus filmes são muito diferentes do pornô convencional, normalmente feito por homens e também direcionado para eles”, conta.

A cineasta enxerga a pornografia como uma parte importante da sexualidade da mulher e não como algo obscuro. Essa tese, inclusive, já rendeu a ela uma participação em Viena, Áustria, no prestigiado TEDx – evento que acontece em diversas capitais ao redor do mundo em que pioneiros em assuntos de tecnologia, entretenimento e design expõem seus pontos de vista.

À esquerda, a Lust Films, escritório com cara de galeria de arte e dominado por mulheres. Ao lado, vibradores divertidos que colorem o ambiente e são um dos hits da loja virtual da cineasta (Foto: Arturo Querzoli)

PODER FEMININO
Formada em ciências políticas pela Universidade de Lund, na Suécia, e com especialização em direitos humanos, Erika é antes de tudo uma feminista fervorosa. Começou a se interessar profissionalmente pela pornografia feminina após ler "Hard Core", da professora de cinema e escritora Linda Willians.

“Ela foi minha mentora e uma das primeiras a tratar as relações entre o universo pornô e as mulheres. Com Linda descobri que o tema é um discurso sobre a sexualidade, um verdadeiro idioma”, lembra. Hoje, em sua produtora, as mulheres também estão por toda parte. São 12, que se dividem entre funções como e-commerce, marketing e administração. Apenas dois homens fazem parte do time.

“Lara, minha primogênita, me perguntou o que eram aquelas fotos [cenas dos filmes que decoram a casa]. Apenas disse que eram adultos numa situação de amor e carinho, por isso mostravam o corpo. Ela respondeu ‘o.k.’ e pareceu não se importar muito com o assunto”
 

Um deles é Pablo, o marido. Dentro do set, elas também são maioria. “Quando o ambiente fica mais feminino na filmagem, nos comunicamos melhor. Desaparece a hostilidade que acontece quando há homens na equipe.” As estrelas dos filmes também fogem do biotipo “peito siliconado e cabelo platinado”, tão comum no universo pornográfico.

No curta "I Met Your Mother on Tinder" (algo como Encontrei Sua Mãe no Tinder), um menino mais jovem se relaciona com uma mulher madura, interpretada por uma atriz de 48 anos. Em "Mad Men Porn", inspirado no seriado "Mad Men", com estética sessentinha e um ator que é sósia de Don Draper, a personagem central é vivida pela artista Poppy Cox, de silhueta supercurvilínea e quilinhos extras. “Ao vê-la, as espectadores se identificam, se sentem integradas.”

Ambos fazem parte do novo trabalho da diretora, o XConfessions, uma série de curtas baseados em relatos de internautas que escrevem no website de Erika (http://xconfessions.com). O projeto começou em 2013 e já está na quarta edição, com uma média de dois curtas lançados e vendidomelhor série de curtas-metragenss online por mês. A produção acaba de faturar o prêmio de  do Feminist Porn Awards, espécie de Oscar da categoria.

Bastidores de "Car Sex Generation", um dos curtas do XConfessions 4 (Foto: Reprodução)

FAMÍLIA SEM TABUS
A casa de Erika não tem nenhuma imagem pornográfica à vista, apenas algumas fotos com nus femininos discretos, que poderiam tranquilamente estar na sala de qualquer família menos careta. Já em sua produtora, um confortável escritório de 300m² com cara de galeria de arte, decoram o ambiente vibradores e pôsteres com cenas quentes retiradas de seus filmes, como casais transando e closes de partes sexuais. “Lara, minha primogênita, já me perguntou o que eram aquelas fotos. Apenas disse que eram adultos numa situação de amor e carinho, por isso mostravam o corpo. Ela respondeu ‘o.k.’ e pareceu não se importar muito com o assunto”, lembra.

Na escola das meninas, quando descobriram a profissão do casal Lust, a curiosidade se instaurou entre os pais dos colegas. “Há sempre um burburinho. Mas é mais curiosidade do que moralismo. É natural, sei que não somos convencionais. Não sofremos preconceito”, garante.

“Quando vi um [filme pornô] pela primeira vez, me senti excluída. A mulher era apenas um objeto. Fiquei incomodada, frustrada"
 

Para quem vive próximo à cineasta, trabalhar com filmes adultos não interfere em nada em sua vida familiar. “Nunca vi algo surpreendente ou contraditório entre a Erika-trabalho e a Erika-casa”, conta Almudena Manzu, roteirista de Erika desde 2013. “Ela trabalha de forma muito natural. Precisamos parar de ver as mães como seres assexuados e devotos.” Naturalidade, aliás, será a palavra-chave para a cineasta no dia em que tiver que explicar sobre o trabalho às filhas. “Elas ainda são pequenas para falar sobre sexo, mas quando chegar a hora contarei de forma gradual, não num único dia”, explica.

Garante que não terá a menor vergonha de revelar o que faz. Pelo contrário. Quer ensinar a elas que “sexo é vida, não algo proibido”. E, que, quando crescerem e forem assistir a um pornô, saibam dizer se aquilo as agrada ou não. “Quando vi um pela primeira vez, me senti excluída. A mulher era apenas um objeto. Fiquei incomodada, frustrada”, lembra.

Se com as filhas ela não prevê problemas, com sua mãe o papo não foi tão simples. “Ela descobriu pela internet o que eu fazia. Nunca viu minha profissão com bons olhos, embora hoje a aceite. Certamente porque me vê feliz e sabe que  tenho um relacionamento sólido, duas filhinhas e uma vida estável. Seria bem diferente se eu fosse solteira e vivesse na noite”, diz.

Para Erika, o julgamento da própria mãe diz muito sobre o mundo em que vivemos. “Até mesmo na Suécia, um país superfeminista, viver fora da ‘bolha’ é problemático.” A realidade em sua casa, no entanto, é bem diferente. Erika vive um casamento em que tudo é dividido igualmente: a empresa, o dinheiro, os cuidados com a casa e a educação das filhas.

Quando filma,  é ela quem desaparece por dias e Pablo entra em cena para cuidar da
casa. A rotina é intensa: ele acorda com as meninas às 7h, as deixa na escola, vai para a produtora, trabalha o dia inteiro e volta para casa às 17h, onde come com as filhas e as coloca para dormir. De vez em quando, a cineasta chega a tempo para o jantar. “Aqui não discutimos cardápio”, afirma, aos risos.

“Come-se o que tem na mesa e hoje é dia de almôndegas. Para algumas coisas, é preciso ser autoritária!”


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