Cheryl Strayed, 44 anos, foi abandonada pelo pai violento aos 6. Aos 22, perdeu a mãe, viu a família desmoronar e separou-se do primeiro marido. Essa é apenas uma parte da história de "Livre – A Jornada de uma Mulher em Busca do Recomeço" (Objetiva, 376 págs., R$ 39,90), que Cheryl escreveu após a caminhada que mudou o rumo de sua vida. Durante três meses, ela percorreu sozinha e a pé 1.770 quilômetros da Pacific Crest Trail, na costa do Pacífico, que vai do deserto do Mojave, na Califórnia, até o estado de Washington. O crítico Dwight Garner, do diário "The New York Times", revelou que chorou ao ler a obra da escritora, que também arrebatou Oprah Winfrey. Com a bênção do crítico rigoroso e da rainha americana da autoajuda, "Livre" foi considerado o melhor lançamento do ano pela Amazon, virou best-seller e vai acabar em filme. A atriz Reese Witherspoon já comprou os direitos da obra. A mesma receita de sinceridade e lições de vida a autora dispensa em seu blog Dear Sugar, de onde saiu o conteúdo de "Pequenas Delicadezas", conselhos sobre o amor e a vida (288 págs., R$ 39,90), que chega agora ao Brasil. De Portland, no Oregon, onde vive com o marido, o cineasta Brian Lindstrom, e os dois filhos, a escritora concedeu esta entrevista por telefone.
MARIE CLAIRE Você relata episódios fortes em Livre. Teve dúvidas sobre revelar que comeu parte das cinzas de sua mãe?
CHERYL STRAYED Cheguei a pensar em tirar esse trecho da edição final, mas decidi mantê-lo. Minha mãe tinha sido cremada havia seis meses quando eu e meus irmãos fomos espalhar suas cinzas. Eu tinha 22 anos na época e não consegui aceitar que ela iria embora para sempre. Agi por instinto. Colocar as cinzas na boca foi uma maneira de mantê-la comigo, não apenas no sentido espiritual, mas também físico.
MC Por que decidiu fazer essa trilha tão difícil sozinha?
CS Nas jornadas míticas, o herói é sempre um homem. Eu quebrei a tradição porque sou mulher.O engraçado é que encontrei cobras, ursos, mas eles não me atacaram. Mas um dia dormi perto de um lago e acordei com sapos em cima de mim... Saí gritando como louca!
MC Depois da morte de sua mãe e da desagregação familiar, você contou que usou drogas e traiu o primeiro marido. Sentiu culpa?
CS Muita culpa. Eu me sentia arrasada por estar destruindo um amor sincero. Eu tinha apenas 19 anos quando me casei pela primeira vez. Eu e meu marido nos amávamos muito, mas eu não tinha maturidade. Usava o sexo como consolo, e isso se aplica também às drogas. Há razões para uma pessoa usar droga, e geralmente a razão principal é a dor.
MC O que seu marido atual pensa sobre Livre?
CS Ele é o meu maior incentivador! Eu o conheci nove dias depois de ter terminado a trilha. E meu ex-marido, Paul, também é meu fã. Ele foi maravilhoso quando o livro foi publicado. Ele me escreveu dizendo que ficou muito tocado.
MC Pequenas Delicadezas, seu novo livro, é uma coletânea de textos de sua coluna de conselhos, Dear Sugar, ou Cara Doçura. Quem é ela?
CS Sugar sou eu e tudo o que conto sobre minha vida é verdade. Não tenho qualificação formal para dar conselhos, apenas tento dizer como enfrentei situações semelhantes às dos leitores.
MC Você revelou que sofreu abuso sexual por parte de seu avô, quando era pequena. Como o público reagiu?
CS Fiquei emocionada com a resposta das pessoas, muitas delas tiveram experiências assim. Depois disso, minha irmã comentou que nosso avô fez o mesmo com ela. Quando somos crianças, não sabemos o significado desses atos.
MC Você está vindo ao Brasil. Já conhece nosso país?
CS Sim, e estou muito feliz por retornar! Terminei aí meu primeiro romance, Torch (ainda não publicado em português) porque ganhei uma bolsa no Instituto Sacatar, na Bahia. Antes de embarcar, soube que estava grávida de meu primeiro filho – ele cresceu dentro de mim enquanto estava no Brasil. Sou apaixonada por essa terra.