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"Não esperava que as mudanças físicas nos soldados seriam tão fortes", diz Lalage Snow, fotógrafa de guerra

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A INGLESA DE 32 ANOS VIVE, ATUALMENTE, EM CABUL E CONTINUANDO RETRATANDO O CENÁRIO DE DOR E TRANSFORMAÇÃO QUE UMA GUERRA CAUSA NAS PESSOAS (Foto: Arquivo Pessoal)

Quais são as marcas físicas e psicológicas que uma guerra deixa em quem participou efetivamente dela, além do rastro de destruição e morte por onde passou? Foi pensando nisso que a fotógrafa e jornalista inglesa Lalage Snow decidiu, aos 29 anos, fazer um registro do antes, do durante e do depois da vida de soldados enviados para uma operação de guerra de oito meses no Afeganistão, em 2010. “Queria mostrar como as grandes decisões afetam as “pequenas” pessoas”, contou, em entrevista à Marie Claire, diretamente de Cabul, onde vive atualmente.

Os registros fazem parte da série fotográfica “We are the not dead” (em tradução livre, “Não estamos mortos”). Ao todo, quase quarenta soldados do Primeiro Batalhão do Regimento Real da Escócia foram retratados pelas lentes de Lalage após três meses que estavam no país e dias depois que voltaram para casa. “Quando comecei o projeto, não esperava que as mudanças seriam tão fortes”. As imagens e as entrevistas mostram a expectativa, o medo, a saudade e, em muitos casos, as experiências traumáticas que viveram. “Eles amadureceram muito”, diz.

Hoje, aos 32 anos, Lalage continua registrando o dia-a-dia do país para diversos jornais internacionais. “Foi um tempo de formação para mim e, certamente, mudei muito. Passei a apreciar mais a vida e parei de me preocupar com coisas mesquinhas”, diz. Confira a entrevista e a galeria com outras imagens de soldados retratados por Lalage.

Antes, durante e depois: as marcas da guerra no rosto dos soldados -  olhos vermelhos, barbas e mais magros. Clique na imagem para ver a galeria completa (Foto: Lalage Snow)

Marie Claire - Por que você decidiu ir para o Afeganistão?
Lalage Snow -
Na verdade, foi o Afeganistão que me escolheu. Queria fotografar soldados antes, durante e depois de uma operação. Já tinha visto como eles mudavam física e psicologicamente em um período de trabalho militar no Iraque e no Afeganistão – e queria mostrar essa mudança em imagens e entrevistas. Queria que as pessoas falassem por elas mesmas. Se eles estivessem na Albânia, no Japão, em Bogotá ou em Florianópolis, eu também teria ido para esses lugares.

Marie Claire – Como surgiu a ideia da série “We are not dead”?
Lalage –
Muitos retratos estavam sendo realizados naquele momento com o apelo de “os belos e heroicos soldados que estão na linha de frente, defendendo o mundo ocidental contra o terrorismo”. Era nisso que as autoridades queriam que acreditássemos. Houve um grande número de militares que não voltaram vivos para casa – ou com todos seus membros e psiques intactos. Queria mostrar um lado pessoal da guerra. Políticos e generais podem tomar as decisões mas, quais são as reais implicações disso a longo prazo? Essa era a minha “ideia”: mostrar como as grandes decisões afetam as “pequenas” pessoas. Quero chamar a atenção para as transformações psicológicas e as possíveis consequências do transtorno de estresse pós-traumático. “We are the not dead” foi uma tentativa de dar a essas pessoas a chance de explicarem como tudo isso funciona.

Marie Claire – Como foi o processo de execução das fotos?
Lalage -
Fiz uma preparação com eles três meses antes de irem. Passei por tudo o que passaram, como o inverno rigoroso da Inglaterra e as semanas que ficaram sem um chuveiro para poderem tomar banho ou sem comida fresca. Construí um relacionamento muito forte com eles. Um dia antes de organizarem suas coisas para irem embora, eu os fotografei. Muitos jornalistas e fotógrafos ficam curtos períodos perto deles e eles se sentem apenas como “carne” para a imprensa. Transformei-me em um amigo para eles. As imagens foram feitas em Março, Junho e Outubro de 2010.

Marie Claire – O que mais a chocou?
Lalage –
Essa é uma pergunta bem difícil de responder porque fico cada vez mais chocada. Quando comecei o projeto, não esperava que as mudanças seriam tão fortes. Essa era a intenção que eu tinha, mas não achei que seria possível. A ideia, no fim, não é o resultado final da imagem, mas sim o indivíduo que está ali retratado e sua história.

Marie Claire – Como a série transformou sua vida?
Lalage -
Ela me ensinou: Seja paciente! Abra sua mente! Acredite naquilo que está fazendo mesmo quando as outras pessoas acharem que você está louca. Mantenha-se em forma e saudável. Ria e ame muito. Anote tudo para que você possa se lembrar disso daqui a alguns anos.

Marie Claire – Você queria que as fotos transmitissem uma mensagem de mudança para a sociedade?
Lalage -
Mudança na sociedade? Não sei. Não acho que a sociedade possa ser mudada – não do dia para a noite, pelo menos. Acho que estamos muito longe disso. Mas gostaria de deixar as pessoas falarem por elas mesmas – os soldados, as mulheres no Afeganistão, as crianças envolvidas em gangues...

“Não sei o que esperar”, disse Adam Petzsch, 25 anos, antes de ir. No período que esteve lá, ao ver a primeira explosão perto de si, pensou: “será que dava para ter evitado?”. Na volta para casa, um sentimento: “acho que fizemos a diferença" (Foto: Lalage Snow)

Marie Claire – Você teve contato com diferentes histórias. Alguma a tocou mais?
Lalage –
Todas elas, para ser honesta. Conheço a eles e às famílias deles muito bem. Uma das histórias que me tocou muito foi a de Sean Patterson. Quando o conheci, ele era um jovem com a típica ansiedade dos 18 anos, que vinha de uma família pobre e falava muito sobre se transformar em um cara durão. Quando o encontrei, três meses depois, ele estava quieto, falava baixo e ficava isolado em um canto. Esteve em vários tiroteios, dormiu com o uniforme encharcado de sangue, foi assediado sexualmente por um soldado afegão, tinha pesadelos e suores frios... estava trabalhando no campo principal enquanto se curava do trauma que tinha sofrido.
Outro foi Matthew Hosgson. Fizemos o treinamento juntos. Na noite anterior a uma saída na qual encontraríamos os talibãs de Helmand (província localizada ao sul do Afeganistão), estávamos nervosos, mas tentamos relaxar um pouco olhando as estrelas e falando sobre nossas casas. Estávamos deitados no chão com paus debaixo da gente, com nossas botas servindo de travesseiros, e falávamos sobre ter roupas de cama limpas e um chuveiro.
Charlie D, outro oficial que fotografei antes de ir para a missão, levou um tiro na perna um dia antes de minha chegada ao país. Quando voltei para a Inglaterra, fui vê-lo em um hospital. Coloquei minha câmera no carro mas, quando o encontrei, me odiei por tê-la levado. Me senti como um urubu e a deixei lá. Charlie e eu ficamos amigos e fui ao casamento dele em junho deste ano.

Marie Claire – Você ainda mantém contato com eles?
Lalage -
Sim, vejo três ou quatro deles em Londres se conseguimos ficar na cidade no mesmo período. Sinto-me honrada de tê-los fotografado. Se um dia eu casar – ainda não estou nisso não, viu? -, eles serão convidados para o meu casamento.

Marie Claire – Como era a Lalage antes, durante e depois da guerra e das fotos?
Lalage -
Antes? Uma jovem de 29 anos, ingênua, crédula, mas determinada. Durante? Ainda ingênua e crédula, mas agora também amedrontada. Medo de causar a morte de alguém e de morrer também. Tinha medo de fazer os soldados perderem o tempo da vida deles comigo. Depois? Eu cresci... ainda sou ingênua e crédula, mas amadureci com todas as experiências que tive. Minha mãe me disse que voltei mexida. Também voltei muito magra – perdi cerca de cinco quilos em três meses. É a dieta de guerra! Foi um tempo de formação para mim e, certamente, mudei. Passei a apreciar mais a vida e parei de me preocupar com coisas mesquinhas. Vivo em Cabul desde então – estou com 32 anos agora. Fiquei mais incrédula com as guerras e com a minha profissão. Ambas são uma farsa em sua totalidade ou em grande parte dela. Também me arrependi de não ter me fotografado durante aquele período, mas sou tímida em frente às câmeras.


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