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Da infância difícil ao sucesso, Valesca Popozuda revela como se tornou feminista: "Não sou só uma bunda"

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"Se a mulher deixa o cofrinho de fora, nego cai matando", diz Valesca Popozuda (Foto: Daryan Dorneles)

Era Carnaval quando Luizinho, padrasto de Valesca dos Santos, decidiu fazer um churrasco na casa em que viviam, no bairro do Irajá, no Rio. Alcoólatra, começou a brigar com a mulher. Acostumada com as discussões, a menina de 10 anos ouvia o quiproquó do quarto, quando viu a mãe, com uma perna em chamas, correndo. Foi Valesca quem apagou o fogo ateado pelo padrasto embriagado. O casamento durou mais dois anos, até que mãe e filha deixaram a casa. Luizinho morreu de cirrose dez anos depois. A mãe se casou novamente e teve dois filhos, Jéssica e Junior. Valesca, então com 14 anos, saiu de casa porque o novo padrasto não gostava que ela frequentasse bailes funk. Trabalhou em lanchonete, borracharia e posto de gasolina, mas sonhava com uma carreira de superstar.

Aos 19, começou a dançar no grupo de funk Gaiola das Popozudas. Colocou silicone no peito e no bumbum. Nas apresentações, vestia lingerie, rebolava e se alisava para uma plateia masculina. Fazia até dez shows em uma noite. Graças ao carisma incomum, destacou-se entre as dançarinas, ganhou carreira solo e o sobrenome artístico que carrega até hoje. Ficou famosa cantando hits eróticos, como “Mama” [“Quero dar, quero te dar”] e também pelos hinos de exaltação às mulheres, como “Tá pra Nascer Homem que Vai Mandar em Mim”, que a transformaram em alvo de estudos feministas em universidades.

Trocou então a barriga de fora e os shortinhos por saias de cintura alta e tops cropped e caiu no gosto das mulheres, que até então a olhavam com desdém. “Elas se sentem representadas pela minha música”, disse, vestindo sapatos Louboutin e bolsa Chanel, durante a conversa com Marie Claire em um restaurante carioca. A funkeira ganhou o Brasil no Carnaval de 2014, quando “Beijinho no Ombro” explodiu. Mãe de Pablo, 16, que nasceu de um affair com seu empresário, Leandro Gomes de Castro, Valesca começou a namorar com o também empresário paulista Diógenes David no meio do ano passado, depois de anos solteira. “Estou superfeliz, mas não penso em casar. Prezo muito minha liberdade”, disse. A seguir, essas e outras revelações da intrigante diva do funk.

MARIE CLAIRE - Você se considera feminista?
VALESCA POPOZUDA
- Sim. Comecei na Gaiola das Popozudas [grupo de funk], que tinha um público totalmente masculino. Conforme cresci, quis trazer as mulheres comigo. Não sou só uma bunda. Não vou viver dentro de uma gaiola a vida toda... Quando comecei a cantar que homem não presta e que queremos respeito, as mulheres se identificaram. Hoje tenho o apoio delas. Temos o direito de realizar nossas vontades sem dar satisfação. Porque, até hoje, se o homem é pegador, ele está certo. Se anda com a cueca aparecendo, é charmoso. Se a mulher deixa o cofrinho de fora, nego cai matando.

MC - Por outro lado, muitas feministas não veem com bons olhos a desunião entre mulheres. Suas músicas que falam de inveja insistem muito nisso.
VP
- A inveja faz parte do dia a dia. Beijinho no ombro é universal, é para homem também. Quando falo que a mulher pode ser diva é para que busque esse poder dentro dela. Ser diva é olhar no espelho e dizer: “Eu sou foda mesmo”. Esse é o poder da música. Não é porque está descabelada, um trapo... Meu amor, você faz o seu momento. Diva que é diva brilha até no escuro.

MC - Você tem o exemplo de uma mulher lutadora em casa, foi criada apenas por sua mãe e não foi registrada pelo pai. O que sabe sobre ele?
VP -
Minha mãe é órfã, foi criada em um colégio interno. Que dó... Ela saiu de lá aos 16 anos para trabalhar na casa de uma família em Pilares [zona norte do Rio]. Era uma menina, não tinha instrução, ninguém para conversar. Ela saiu desse emprego e, aos 17, virou cobradora de ônibus. Foi quando conheceu meu pai. Eles deram umas saídas, mas nunca ficaram juntos. Foi o primeiro homem dela. O problema é que ele era casado e tinha filhos. Quando nasci, ela me levou até ele e disse: “Tua filha”. Ele olhou e respondeu: “Desconheço”.

MC - E o que ela fez?
VP -
Voltou a trabalhar na casa de família e a patroa sugeriu que ela me desse. Como minha mãe era muito menina, a patroa achou que ela não teria condições de me criar. Minha mãe negou, ainda bem, saiu do emprego e voltou a ser cobradora. Para poder trabalhar, pediu para uma pessoa da comunidade de Vicente de Carvalho [também na zona norte do Rio] me “olhar”. Eu dormia nessa casa, mas logo ela percebeu que a pessoa não estava cuidando direito de mim. Um dia, minha mãe viu que meu umbigo estava infeccionado, me levou ao médico, que disse o seguinte: “Quer ver sua filha viva?”. Pegou um chumaço de algodão, álcool e limpou meu umbigo. Ela disse que eu gritava horrores. Logo depois ela conheceu o Luizinho, meu padrasto, que tive como pai, foi morar com ele e me levou junto. Ela não gostava dele, mas precisava de um teto para cuidar de mim. Ele não deixava faltar nada. Ficaram anos juntos e ele me criou. Eles se separaram quando eu tinha uns 12 porque brigavam muito, sabe? Ele era ótima pessoa, mas usava droga, bebia...

MC - Ele era agressivo?
VP -
Pô [assentindo com a cabeça]... Já apaguei fogo da perna da minha mãe. Eu tinha uns 10 anos, era Carnaval. Eles começaram a brigar e ele estava acendendo a churrasqueira. Jogou o álcool nela e explodiu. Ela veio correndo até mim. Apaguei as chamas gritando. Uma hora não aguentou mais e a gente foi morar na mesma rua, só que num porãozinho. Não dava para ficar em pé lá dentro. Só cabia uma cama de solteiro, um fogão, um armário de cozinha. O resto ficava do lado de fora. E o Luizinho nunca aceitou. Quando a gente saiu de casa, ele chorava. Mesmo tendo todos os defeitos que tinha, era meu pai, né? Aliás, eu achava que era filha biológica dele.

MC - Como descobriu a verdade?
VP -
Fiquei sabendo pela boca dos outros, claro. Um vizinho, criança, me contou. Aí fui falar com a minha mãe. Primeiro ela negou. De tanto eu insistir, contou a verdade e perguntou se queria conhecer meu pai biológico. Minha cabeça ficou embaralhada, meio louca. Mas no fundo nem liguei muito, porque sempre me senti filha do Luizinho.

MC - E você quis conhecer seu pai biológico?
VP -
Quis. Minha madrinha armou o encontro. Não podia ser na casa dele, nem na rua, já que ele era casado. Depois fiquei sabendo que os filhos dele implicavam com a minha mãe, chamavam de puta, de piranha. Por mais que meu pai tivesse várias mulheres, para eles era ela que não prestava. Nos conhecemos em um restaurante.

MC - Como foi?
VP -
Depois de 12 anos sem vê-lo, não senti amor, não consegui ter afeto. Não tive raiva, mas mágoa por tudo o que minha mãe viveu. Ele não deu nem um apoio moral, a gente passava necessidade... Lembro de ir com a minha mãe pegar leite de saco no posto de distribuição. Não precisava casar... Bom, ele, que era bicheiro, quis me reconhecer e fazer o que não tinha feito. Mas depois que eu estava criada é fácil, né? Não aceitei, mas mantive contato. A gente se encontrou outras vezes...

MC - E seus irmãos por parte de pai, você conheceu?
VP -
Eles sempre me olharam torto. Nunca falo muito disso, é uma parte reservada da minha vida. Sou a décima quinta filha dele. Só fiquei próxima de uma de suas filhas, a Sandra, que me reconhecia como irmã. Ela teve três filhos e morreu enforcada pelo marido,

MC - Enforcada? Como assim?
VP -
Ele não aceitou a separação. Muito triste. E, quando deram a notícia para o meu pai [biológico], eu estava junto. Era noite de Réveillon, ele estava trabalhando e ficou transtornado.

MC - Quando você saiu de casa?
VP -
Minha mãe se casou novamente e teve meus irmãos [Jéssica, 21, e Junior, 18]. Esse meu padrasto era muito chato, não queria me deixar sair e eu era aborrecente né? Com 14 anos já ia para as matinês. Aí falei para minha mãe que ia morar com meu pai [biológico], mas, na verdade, fui para a casa de um namorado. Ele tinha 16 anos como eu, morava com a família, que me adotou. A mãe dele exigia que a gente estudasse e era só isso o que eu fazia. Mas aí me dei conta de que estava “presa” de novo, tipo casada. Terminei o namoro, larguei a escola, procurei um trabalho e fui morar com umas amigas.

MC - Qual foi seu primeiro emprego?
VP -
Servia saladas em uma lanchonete no centro da cidade, até que ela faliu. Aí ferrou. Tive que procurar emprego de novo. Consegui um trabalho em uma borracharia. Não era no caixa não, meu amor. Trocava pneu, botava macaco, subia no carro. Uma hora não aguentei mais, não tinha carteira assinada. Aí fui vender títulos de teatro no centro, em estandes. Depois, virei frentista em um posto de gasolina e figurante da TV Globo – meu sonho era ser atriz.

MC - Foi quando você conheceu o Pardal [Leandro Gomes de Castro], seu empresário e pai de seu filho?
VP -
Isso. Conheci ele na noite, em boate, saíamos algumas vezes. Tinha 19 anos. De repente, comecei a passar mal, a sangrar muito. Fui ao médico e descobri que estava grávida no terceiro mês e tinha um descolamento de placenta. O Pardal não era meu namorado, a gente só ficava. Fiquei louca. Eu sonhava em ser atriz e não me deixaram mais fazer figuração por causa da gravidez. Pensava: “Caiu tudo, caiu meu teto”.

MC - Ficou com medo de repetir a história de sua mãe?
VP -
Foi a primeira coisa que pensei. Cogitei abortar, mas minha mãe ficou megafeliz e disse que me ajudaria. O Pardal prometeu o mesmo. Falou: “Não te digo que a gente vá casar, mas ajudo”. Fui trabalhar em outro posto de gasolina, quando ele, que já era empresário, montou a Gaiola das Popzudas.

MC - E te chamou para participar?
VP -
Ele sabia que eu queria ser atriz e sonhava com esse meio. Na época, o termo popozuda estava muito em alta por causa do Bonde do Tigrão. O Pablo tinha meses e respondi: “Você tá louco? Agora tenho carteira assinada e um filho para criar”. Mas depois topei. Trabalhava de dia no posto e à noite fazendo shows. Ficava exausta.  Um dia, o Pardal foi me visitar e, quando entrou, perguntou pelo Pablo. Eu tinha capotado e comecei a chorar desesperada. Tinha esquecido ele na creche. Sorte que a dona era minha vizinha e ele, que tinha uns 8 meses, estava lá dormindo. Decidi pedir demissão do posto para me dedicar à Gaiola.

MC - E na Gaiola você só dançava?
VP  -
Só. Ficava de cabeça para baixo, saía do show de roupão. Éramos sete meninas e duas gaiolas enormes em cima do palco. Uma delas tinha um chuveiro. A gente ficava com roupa transparente, com lingerie por baixo, tomava banho de espuma. Eu amava, me molhava toda, me alisando. Era sensacional. Saía preta do baile, de tanto que me jogava.

MC - Você teve medo, receio ou vergonha de fazer uma dança erótica no começo?
VP -
Achava que ia ser de boa, mas bateu uma tremedeira na primeira vez que me apresentei, na Rocinha. Uma gaiola ficava no palco e outra no meio da galera, no chão. Quis ficar em cima. A gaiola do chão virou com as meninas dentro, de tão loucos que os homens ficaram, imagina? Depois, me acostumei e comecei a ganhar dinheiro.

MC - Foi perseguida ou agredida alguma vez por algum espectador?
VP -
Nunca. Alguns achavam que a gente era garota de programa, mas logo a gente dizia que não. Eles entendiam, passavam cantadas, mas nada além disso.

MC - Como seu filho lida com a sua exposição?
VP -
Uma vez, um menino da vila disse para ele que eu era uma piranha. Coitado. Ele chegou em casa chorando. Disse para ele não ligar, que eu não era piranha. Eu fiquei triste, claro, mas nunca pensei em largar tudo por causa do que os outros iam pensar.

MC - Mas já pensou em desistir por outros motivos?
VP -
Ah, várias vezes. No primeiro show que fiz cantando, tomei latada. Eu não canto, né? Eu encanto [risos]!

MC - Como assim “latada”?
VP -
Foi na Pavuna [zona norte do Rio]. Achei que seria playback. Chegou na hora, tinha de ser ao vivo. Eu tremia. Comecei a cantar e levei várias latadas. Saí do palco chorando. Falei para o Pardal: “Me esquece, some da minha frente. Não quero mais saber disso na minha vida”. Ele me convenceu a continuar. Foi um processo lento até eu entender que podia cantar. Comecei a fazer aula há um ano, mas aprendo cada dia mais.

*Leia a entrevista completa na edição de maio de Marie Claire, já nas bancas.


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