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"Meu filho tem Treacher Collins, a síndrome do protagonista do filme Extraordinário"

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Nathalia e Lorenzo (Foto: Acervo pessoal)

 

“Quando descobri que estava grávida do Lorenzo, aos 23 anos, fiquei bastante assustada. Meu primeiro filho tinha acabado de completar dois anos, achava ainda cedo para ter outro. Mas, logo depois, a alegria tomou conta de mim! Minha gestação foi muito complicada. Havia me separado do pai da criança no quinto mês de gestação e, para completar, sou epiléptica e tive duas crises de convulsão durante a gravidez. Depois da primeira, dois meses depois de eu engravidar, tive muito medo que acontecesse alguma coisa com o bebê. Então, fiz várias ultrassons, nove para ser exata, e nenhum mostrou alteração alguma. Aos nove meses, no entanto, tive uma convulsão muito forte, caí e bati minha barriga na parede. Fui para o hospital às pressas e, chegando lá, o médico pediu uma ultra. O exame durou mais do que normalmente e, desconfiada, perguntei se estava tudo bem. Ele disse que havia uma pequena alteração e que, provavelmente, a criança nasceria com uma síndrome que ele ainda não sabia qual era. Comecei a chorar desesperadamente. Fiquei sem rumo, sem chão.

Minha primeira questão era como o médico não havia visto isso antes, ainda mais depois de tantos ultrassons. Ele falou que o exame poderia estar errado, pediu que eu me acalmasse e esperasse até o bebê nascer. Dias depois, fui ao obstetra e ele disse que também achava que era erro médico, notícia que acalmou um pouco meu coração.
 
Quinze dias depois, em 12 de julho de 2017, Lorenzo nasceu. Fui até o hospital rezando para que meu filho nascesse sem nenhuma sequela ou doença. Ao dar à luz, a primeira coisa que perguntei aos médicos era se ele estava bem. Ninguém respondeu, estavam todos nitidamente apreensivos. Meu ex-marido apenas segurou a minha mão e disse que ia ficar tudo bem.

Foi um choque quando a enfermeira colocou Lorenzo no meu colo, um turbilhão de sensações. Notei que ele não tinha as orelhinhas totalmente formadas e comecei a chorar compulsivamente. As enfermeiras então o levaram para fazer uma avaliação médica.

Em seguida, a médica veio falar comigo. Disse que meu bebê tinha uma síndrome rara, ainda não identificada. Também que tinha fenda palatina na boca e microtia [deformidade congênita, na qual a orelha externa é subdesenvolvida] e que precisaria ficar na UTI em observação. Eu estava tão louca e fora de mim, que não entendi nada do que ela falou. Só conseguia chorar.

Me deram um calmante e só acordei no dia seguinte, quando a médica me explicou tudo novamente. Durante os primeiros dias, olhava para Lorenzo e só me perguntava: ‘Por que comigo?’. Como iria cuidar de uma criança especial? Dizia pra mim mesma que não era capaz. Olhava para o meu bebê e não via mais nada ao meu redor. Mas o amor por ele já era imenso, mesmo com o medo e a insegurança que tomavam conta de mim.

Dias depois, ainda no hospital, uma pessoa desconhecida chegou até a mim e me disse que só uma mãe tem filhos especiais. As palavras dela me tocaram tanto que, a partir daquele momento, comecei a olhar para os lados e vi que eu era a mais sortuda de toda aquela UTI, onde haviam mais de dez crianças internadas junto ao meu filho. Notei que meu Lorenzo era o único que não estava ligado a aparelhos, nem à incubadora. Ele estava bem.

Foram dias bastante difíceis. Passei por coisas que jamais imaginei viver. Havia mais de um mês que estava longe do meu filho mais velho, ainda tive trombose na perna direita.

Lorenzo ficou internado para ‘aprender’ a se alimentar, já que não conseguia mamar, nem pegar a mamadeira por causa da tal fenda que tinha na boca. Depois de muita tentativa, meu pequeno guerreiro conseguiu. Meu extraordinário! É assim que passei a chama-lo em referência ao livro que virou filme Extraordinário [da americana R. J. Palacio]. Na história, o protagonista nasce com uma deformidade facial, passa por 27 cirurgias plásticas e, aos 10 anos, enfrenta dificuldades quando começa frequentar uma escola regular.

Lorenzo está agora com 2 anos (Foto: Acervo pessoal)

 

A síndrome do Lorenzo se chama Treacher Collins e causa múltiplas malformações no crânio e na face. Essa síndrome não atinge o cérebro nem o desenvolvimento cognitivo da criança. Meu filho tem uma perda auditiva de 30 decibéis (ele escuta abafado) e dificuldade de falar por conta do maxilar curto, da fenda palatina que tinha (mas já operou) e da perda auditiva.

Quando Lorenzo estava com cinco meses, o pai dele e eu reatamos. Meu filho é uma criança incrível, sapeca, alegre e muito amado. Ninguém resiste à sua simpatia. Agora entendo que tudo que passei foi pra me fortalecer ainda mais. Sei que a caminhada é longa e que teremos ainda inúmeros obstáculos e desafios.

Realmente o que mais me incomoda e entristece é o olhar de julgamento das pessoas. Seja com preconceito ou curiosidade – há que olhe para ele com carinho, mas muitos só expressam pena e desprezo diante do meu filho. Espero ter sabedoria para lidar com isso ao longo da vida. Já discuti muito na rua por causa dos olhares lançados para o Lorenzo. Costumo dizer: ‘Lorenzo, você é tão lindo que as pessoas não conseguem parar de te admirar’. Ele sorri. Tento orgulho dele, de verdade. Sempre que posso digo palavras que o motivam. A aparência, afinal, não significa nada quando se consegue enxergar além do que os olhos conseguem ver.

Amo meu filho como ele é, adoro tirar fotos e jamais vou escondê-lo do mundo. O mais bacana é que grande parte dos comentários nas redes sociais são de carinho, incentivo e respeito, o que me dá ainda mais força para seguir em frente. De verdade? Tenho muito orgulho de ser mãe de um menino extraordinário.

Ano que vem ele começará a frequentar a escola. Vai estudar no mesmo colégio do irmão mais velho, Adrian, que tem quatro anos. Confesso que meu coração já está aflito pensando no que ele poderá enfrentar na convivência com os coleguinhas. Mas somo fortes, resistentes. É o que ensino a ele todos os dias.”

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