Hoje recebi um e-mail.
É a terceira feira literária cancelada neste ano. Uma delas foi protelada para 2020.
Pensei: lascou. Como é que eu vou viver? Filha, boletos, gatos, cachorros. Uma vida inteira forjada na arte. E agora?
Não temos mais Ministério da Cultura. As verbas para cultura estão desaparecendo e, com elas, feiras literárias, festas de costumes regionais, orquestras, festivais de cinema. O cinema em si levou um baque. Vamos acabar apenas produzindo histórias bíblicas com gente branca roterizadas pela Universal e biografias fantasiosas de figuras duvidosas. Quem sabe exaltando torturadores e violadores dos direitos humanos como heróis?
O Brasil de 2019 é uma distopia.
Arte, cultura e educação viraram "mamata", viraram "doutrinação", artistas e professores são "vagabundos" aos olhos de quem acredita em uma narrativa surreal de um lunático sem caráter e com talento para ditador nepotista.
Por que eles temem tanto a arte?
Por que querem os artistas sem trabalho?
Porque sabem que a cultura e as artes, todas as artes, a escrita, a dança, as artes visuais, a música, Brasil, a música que nos fez mundialmente famosos, as artes são a maior arma contra a ignorância.
Toda arte é política.
Quando não é política, também se posiciona.
O silêncio na guerra é ignorar o grito de quem não se rendeu. De quem sobreviveu.
E os nossos gritos, nossas palavras, nossos textos, nossos corpos nas ruas são criminalizados. Todo mundo que se opõe à barbárie, violência, ignorância abjeta deste governo e seus comparsas são inimigos. São "vermelhos". São comunistas, desde a ONU até a Folha de S.Paulo, desde o papa até a Revista Veja. Beiramos o delírio em uma época da exaltação da desinformação e das mamadeiras de piroca.
Mas a arte, como sempre, resistirá. Cada sementinha plantada vai florescer e, por mais que arranquem algumas mudas aqui e ali para nos deixarem, vejam só, sem fala, seguiremos criando. Arte é resistência e é nela que prosperaremos, por mais difícil que possa parecer neste momento.