Semana passada, a modelo Emily Ratajkowski escreveu um artigo numa revista americana no qual dizia que sabia que, muitas vezes, seu jeito sexy de ser ia ao encontro do ideal machista. "Mas eu me sinto bem com isso” disse ela, completando: "não é sobre isso que é o feminismo? Escolher?”.
Analisemos essa afirmação que, na minha opinião, é uma típica falácia pré-empoderamento feminino real. Não estou apontado o dedo para Emily, porque a culpa não é dela: é de séculos e séculos de repressão e violência de uma sociedade que nos fez acreditar que somos um corpo para o outro, uma vagina para o outro, uma sensualidade para outro. Um patriarcado com armadilhas cruéis e muitas vezes imperceptíveis que nos fazem achar que estamos escolhendo, quando na verdade estamos sendo mais uma peça no jogo patriarcal.
Aproveito a afirmação para propor uma reflexão sobre esse pseudo empoderamento em que muitas mulheres se encontram e eu mesma já me encontrei, justamente para que possamos transcendê-lo.
Você acha que está 'escolhendo' quando posta seu corpo semi nu no no Instagram e diz que isso é empoderamento, quando posta uma foto sensual e reclama de não poder mostrar o mamilo, quando você posta uma foto em pose de yoga focando na sexy bunda empinada e coloca uma frase de efeito como se quisesse mostrar a frase. Você acha que está escolhendo quando quase toda imagem que te representa vem com um subtexto de sensualidade.
Essa sexualidade gritante, mesmo que subjacente, foi normalizada entre as mulheres porque foi assim que nos ensinaram que seríamos amadas, admiradas, aceitas. Estar sempre encaixada num padrão hipersexualizado, implorando o olhar alheio (muitas vezes sem perceber que está nessa situação), sendo um corpo para o outro exatamente como aprendemos que somos, a cartilha do servilismo travestido de sedução.
Essa hipersexualização a qual somos submetidas e na qual muitas de nós buscam seu valor - achar que precisamos ser as gostosas sedutoras para sermos aceitas - é como se pedíssemos desculpas por nossos discursos e independências. Fenômeno muito bem interpretado na visão de Virginie Despentes, que escreveu em seu livro Teoria King Kong: "É uma maneira de se desculpar, de tranquilizar os homens: 'olha como sou boazuda, apesar da minha autonomia, da minha inteligência, da minha cultura, na realidade eu quero ser desejada por você.'"
Falo isso como alguém que já esteve nessa falácia. Quase fiz uma dissertação de mestrado em Filosofia com o tema "O poder da mulher como objeto sexual”, porque acreditei por muito tempo que, quem detém o desejo do outro é quem detém o poder, ou seja, uma mulher numa posição de sensualidade no padrão patriarcal sendo admirada por um homem não está na posição de objeto, mas sim de sujeito dominante da situação, é dela o poder nessa relação, o objeto não é ela. Superficialmente é uma afirmação que pode fazer sentido, mas com o tempo percebi que essa era uma visão de um estado meu de pseudo empoderamento. Que ao ver poder no ato de expor um corpo padrão numa sexualização passiva era ter um like do patriarcado e ainda se achar esperta por isso.
Com meus anos de vivência e ensino do tantra, que me trouxeram empatia com o outro e maior compreensão do papel do corpo na retomada de poder feminino, entendi uma coisa: a nudez do corpo padrão não é empoderamento. Essa percepção me fez mudar minha relação com a exposição do meu corpo (padrão), diminuindo consideravelmente postagens em redes sociais com essa sensualidade a serviço do patriarcado e nunca, nunca mais relacionando ela com alguma espécie de empoderamento.
Como escreveu Joice Berth: “Nudez não é empoderamento, especialmente a nudez padrão de corpos escolhidos para compor um padrão excludente e racista de beleza. Empoderamento, nesse sentido, seria a conscientização profunda de que seu corpo é objetificado e controlado, inclusive para excluir a morte física e simbólica de corpos preteridos”.
Toda minha teoria de empoderamento através do corpo, após essa percepção, começou a se dar em outra esfera: mostrar sob óticas espirituais, energéticas e físicas que o corpo da mulher é dela e para ela. Que numa sociedade que lucra com nossa falta de amor próprio, a maior subversão é se amar. Amor como a mais matriarcal das armas. Amor próprio como resistência.
E isso passa, antes de tudo, por transcender esse papel que foi dado ao feminino e por provar para as mulheres que essa potência absurdamente poderosa que é a sexualidade de seus corpos é subutilizada sendo usada apenas como transbordamento estético para agradar ao olhar masculino patriarcal. Isso quer tudo quer dizer que eu nunca mais vou postar uma foto sensual?
Quer dizer que você não deve expor seu corpo como você quiser? Não. Você e eu podemos ter nossos motivos de ordem individual para querer expor nossos corpos em algum momento, e está tudo bem, porque também somos seres com interesses que muitas vezes sobrepujam os ideiais coletivos ou as causas. Mas pense um pouco sobre tudo que escrevi aqui antes de falar que isso é empoderamento.