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“Canudo de metal e roupa de brechó não vão salvar a Amazônia”, diz ativista

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Região na floresta amazônica após queimada (Foto: Getty)

 

Carregar sempre um canudo de metal, comprar roupas em brechós, levar uma sacola reutilizável ao mercado, ser adepto do movimento Segunda Sem Carne, que sugere que as pessoas interrompam o consumo de alimentos de origem animal às segundas-feiras: ações do tipo “faça sua parte”, que têm sido amplamente divulgadas e enaltecidas são positivas em tempos de crise, mas não só. Ainda faltam informações e cobrança sobre os impactos socioambientais das ações das indústrias e da atuação política.

Você já se deparou com dados atrelados à produção de alimentos, roupas e bens duráveis? Pensando no noticiamento massivo dos desmatamentos e queimadas na floresta amazônica, eis aqui dois deles: segundo um estudo da Organização das Nações Unidas de 2016, cerca de 80% do desmatamento da Amazônia está na conta da atividade pecuária; já o site Water Footprint, que mostra o gasto de água em litros na produção de mercadorias diversas, revela que, do gado ao consumo, um quilo de carne bovina envolve 15.500 litros d’água.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe, que monitora o desmatamento por meio de imagens de satélite, divulgou que houve um aumento de 83% no número de incêndios na região amazônica entre janeiro e 19 de agosto de 2019, em comparação ao mesmo período de 2018. Estreitamente vinculadas à pecuária, as queimadas têm consequências tais como diminuição da biodiversidade, emissão de gases poluentes na atmosfera, diminuição da fertilidade do solo e expansão desordenada de terras cultiváveis no território nacional, o que reduz a quantidade de reservas ambientais e áreas verdes.

Em suma, as implicações das atividades agropecuárias são devastadoras. Não à toa, o agronegócio tornou-se uma indústria, e ela se beneficia de medidas como a flexibilização do código florestal brasileiro, que permite a intensificação da exploração econômica da Amazônia. E se o resultado das formas produtivas que se utilizam da floresta amazônica é tão destrutivo, surge um questionamento: qual a real alteração promovida a partir de atitudes individuais, principalmente se colocadas ao lado de intervenções de indústrias e medidas de organizações governamentais?

“Faça sua parte”: ideia limitada?

Para Sandra Guimarães, militante por direitos humanos e animais e autora à frente do site Papacapim, as referidas ações individuais “servem como anestesia e estão à serviço do capitalismo, cujo interesse é aliviar a culpa dos verdadeiros responsáveis e colocá-la sobre os indivíduos.” Para ela, trata-se de uma questão nível político, e “comprar canudo de metal ou roupa de brechó não vai salvar o planeta. Precisamos de mudanças estruturais.”

“Apesar de não serem tão efetivas, claro que não é um motivo para não fazer. Em nenhum contexto o desperdício é válido”, aponta Guimarães. Ela, que é vegana há 12 anos, conta que conseguiu atuar de maneira a promover uma mudança cultural em termos de consumo de carne, influenciando pessoas próximas a ela a buscar alternativas alimentares.

Isabella Romitelli, pesquisadora no campo da ecologia de florestas tropicais, explica que “é possível para o agronegócio produzir de maneira mais sustentável. Para isso, é necessário recuperar terras já desmatadas: a questão não é a quantidade de terra disponível, e sim a maneira como se produz”. Reduzir o consumo ajuda no fator sustentabilidade, afirma ela, mas enquanto não houver articulação com o restante da escala, a efetividade é limitada.

A pressão coletiva por mudanças

Para Guimarães, o que vai trazer transformações no cenário é “estar atento aos candidatos e eleger quem leva a sério as questões ambientais: dos povos indígenas e quilombolas a quem defende a Reforma Agrária e o Movimento Sem Terra, o maior agente dessa luta. Nesse sentido, tenho visto movimentações, e muito por causa da juventude. É hora de organização e mobilização”, analisa.

Romitelli aponta que, academicamente, comprovar o efeito econômico da destruição ambiental tem sido eficiente. “Divulgar dados que corroboram a tese de que a perda de diversidade afeta a produção alimentícia e fazer disso um produto conecta a comunidade à ciência, o que mobiliza para a saída do plano individual”, destaca.

“A abordagem que explora o bem que o ecossistema provê para a gente gera um  interesse na origem do que é consumido. O desmatamento choca, mas associá-lo à carne que cada um consome tem um resultado mais potente”, comenta. Assim, cria-se oportunidade para fiscalizar e pressionar o setor para que o alimento não esteja contaminado com o peso do desmatamento. “Quando cobramos a transparência da indústria, ilustramos mais categoricamente a importância dessa informação”, analisa a pesquisadora.


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