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Marina Silva: "Bolsonaro simboliza uma pulsão de morte"

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Marina Silva (Foto: Bob Wolfenson)

 

Em meio a maior crise ambiental das ultimas décadas, Marina Silva conversou com Marie Claire, da Colômbia, onde estava a convite de uma universidade. Na entrevista, responsabilizou o presidente Jair Bolsonaro e o ministro do meio ambiente Ricardo Salles pelas queimadas na Amazônia, diz que somente um esforço conjunto da sociedade pode evitar que as consequências da crise ameacem as exportações brasileiras, defendeu a participação de setores do agronegócio na criação de medidas para este fim e diz que Greta Thunberg é a antítese do presidente do Brasil.

Marie Claire Na sua opinião, qual é o motor da crise que ambiental que o Brasil está vivendo?
Marina Silva
O fato de o governo ter desconstruído o Fundo Amazônico, ter ganhado a eleição com o discurso antiambientalista de que acabaria com a indústria de multas está por trás do que está acontecendo. Tiraram a Agência Nacional de Águas do Ministério do Meio Ambiente, enfraqueceram os órgãos de fiscalização e de controle. Encaminharam um conjunto de propostas que dava um sinal positivo aos contraventores ao dizer que acabariam com o licenciamento ambiental. O presidente não acabou com o Ministério do Meio Ambiente do ponto de vista legal, mas dos ponto de vista prático. O presidente incitou o que está acontecendo. Este governo soltou todos os gênios do mal de dentro da garrafa, a situação atual é de descontrole.

MC Como a senhora vê a campanha pelo boicote de produtos brasileiros que se anuncia no exterior?
MS
A melhor forma de responder é resolvendo o problema. O Brasil era visto como vilão ambiental nos anos 80 e 90 e passamos de vilão à parte da solução. Isso aconteceu sobretudo com o plano de combate ao desmatamento, mais as políticas de redução da camada de ozonio, a participação que tivemos em grandes acordos como relação à questão da diversidade, da desertificação. O mais importante foi ter conseguido diminuir o desmatamento em 83%, durante dez anos, em função de políticas públicas, em uma dinâmica em que a economia crescia à 3% e o agronegócio a 12%. Isso tudo fez o Brasil ser um interlocutor respeitado. Em oito meses esse governo acaba com tudo. E a fotografia é a Amazônia virando cinzas. A melhor forma de responder a isso é recuperando o plano de combate ao desmatamento.

MC Como?
MS
Eu, ex-ministros do meio ambiente e a SBPC, acabo de ter a anuência de todos eles, graças a Deus, de uma proposta que vamos encaminhar para o Congresso, para que sejam suspensos todos os projetos antiambientais que estão tramitando, para dar uma sinalização forte de que não adianta grilar e derrubar porque as terras não serão legalizadas. E que a governança ambiental será recuperada do ponto de vista da legislação e das estruturas, dos recursos humanos e financeiros. E de uma ação que nos leve à criação de uma comissão especial que que nos leve a debater medidas para recuperar governança ambiental, fortalecendo o Ibama, Serviço Florestal Brasileiro, ações do Obama em conjunto com a Polícia Federal, reforçar o orçamento do Ministério do Meio Ambiente, sendo o principal órgão de combate e controle do desmatamento, tanto para a previsão do sistema de alerta quanto para o monotonamento do índice de desmatamento, que é o sistema Prodis. Ao mesmo tempo com essa comissão, mista, composta pela duas casas com o objetivo de chamar especialistas, agentes públicos, ambientalistas, comunidades locais, representantes da comunidade cientifica e do agronegócio para que possa debater medidas que nos leve a ter saídas para essa crise de forma estruturante, com capacidade e credibilidade.

MC O que isso representa na prática?
MS
Ressucitar o plano de combate ao desmatamento da Amazônia é fundamental. Retomar as operações conjuntas do Ibama e da Polícia Federal. Retomar o apoio ao trabalho Inpe que está sendo substitutivo por uma empresa privada. Recuperar o orçamento do Ministério. Essa comissão pode debater em um período curto a prevenção. O importante  de ter uma comissão especial é que ela faz as oitivas e depois ela conclui em relatório as propostas que foram apresentadas. E essas medidas podem ser apresentadas pelos presidentes das duas casas, juntamente com o relator. É um sinal forte de que estaremos no controle, recuperando as ações de combate ao desmatamento, a governança ambiental. Aí sim, com isso, você está dizendo que vai ter uma medida estruturante para reverter o processo. Não apenas discurso. Isso não se resolve da noite para o dia. Para recuperar isso, precisamos de muita capacidade e competência, coisa que o ministro não tem. Agora nós viramos uma espécie de pária ambiental, não sei quanto tempo levará para que com ações concrteas, revertendo esse processo, a gente recupere a imagem do Brasil. É uma perda o ponto de vista ambiental, social, diplomática, dos acordos que o Brasil tem na OCDE, do ponto de vista dos interesses comerciais, inclusive relacionado ao agronegócio. É preciso urgentemente separar nesse setor o joio do trio porque tem muita gente que não faz contravensão, não quer esse tipo de política que o Bolsonaro está implementando em detrimento do próprio agronegócio. Iniciar um processo para se ter a certificação da agricultura brasileira - nós tivemos a certificação da exploração florestal mediante manejo florestal. O processo de é demorado mas é um indício de que nós não queremos confundir os nossos produtos com qualquer tipo de politica que leve à destruição da Amazônia. A reunião com o presidente Rodrigo Maia está marcada para quarta feira. A ideia é que depois a gente possa abrir uma lista na internet para que todos aqueles (celebridades, personalidades) que querem apoiar a criação dessa comissão especial para apresentar em um prazo curto medidas estruturantes e suspender em uma moratória todos os projetos antiambientais. É assim que a gente vai mostrar para o mundo que a sociedade brasileira não compactua com essa visão atrasada que quer aumentar a produção por expansão predatória, mas por ganho de produtividade.

MC Como a senhora avalia o discurso do presidente Bolsonaro feito pela televisão?
MS
Alguém que está acuado porque soltou o gênio do mal de dentro da garrafa e tem que engolir suas próprias palavras, anunciando medidas pouco eficientes e se escondendo atrás dos governadores. Ele incitou tudo isso que está acontecendo. Ele botou um ministro que desmontou a política ambiental. E agora ele vai dar uma de magnânimo, dizendo que os governadores que quiserem ajuda de quem desmontou, de quem apoiou a contravenção,  ele pode mandar o exército.

MC A senhora avalia que o exército é o orgão competente para este trabalho?
MS
Eu sei que o exército brasileiro tem uma grande importância da Amazônia e que funciona muito bem em casos estruturais - no caso do combate aos incêndios em Roraima, o exército foi muito importante, mas desde que em um processo estrutural. Quando tínhamos o plano de combate ao desmatamento na Amazônia, o exército dava um suporte importante e estrutural, principalmente logistico. Mas o exército não pode ser usado como panaceia o tempo todo, para ações erráticas, sendo que as próprias autoridades suscitam a contravensão, depois querem usar o exército brasileiro como panacéia. A contribuição, neste momento, é paliativa. Mas não se trata de uma coisa dessa magnitude, com a importância que tem, com paliativos. Não foi por falta de aviso. Os ambientalistas, os ex-ministros se reuniram em carta.

MC Como a senhora avalia o ambiente político em que acontece uma catástrofe como essa?
MS
Estamos vivendo uma crise civilizatória no mundo e o Brasil talvez manifeste o pior dos sintomas. É como se a pulsão de morte [termo da teoria psicanalítica freudiana que define uma força que instiga a auto-destruição, contrária aos instintos básicos de vida] estivesse em atividade. É preciso que a gente ative a pulsão de vida. Nesse momento a Greta Thunberg é o símbolo da pulsão de vida. Bolsonaro simboliza, no mesmo entendimento, uma espécie de pulsão de morte. Porque não se preocupar com a questão do clima, com o acordo de Paris, os objetivos do desenvolvimento sustentável, com a Floresta Amazônica, com uma mudança no processo de desenvolvimento é quase que estar aliado com essa pulsão de morte que está no país. E a Greta simboliza a pulsão de vida. É a primeira vez na história da humanidade que as crianças é que estão vindo para proteger os adultos. Sempre são os adultos que protegem, as crianças. Em todos os momentos da história nós é que nos jogamos para proteger as nossas crianças, agora são elas é que estão se jogando na nossa frente.

MC O Acre decretou estado de ermgência esta semana. Esteve lá?
MS
A situação do Acre é grave. Há uns 20 dias ele disse que quem estava fazendo atos ilegais não precisava ter medo de multas nem dos fiscais. Agora ele corretamente decretou estado de calamidade, de emergência. É isso que dá quando se desautoriza os funcionários da Secretaria do Meio Ambiente, o Ibama, quando ridiculariza um símbolo da luta sócio-ambiental que é o Chico Mendes, dá um sinal de que até mesmo as reservas extrativistas deveriam ser usadas para a pecuária. Agora não sou agente publica, não tenho as instituições, não posso fazer mais do que estou fazendo.


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