Em suas viagens de trabalho a países como o Brasil e os Estados Unidos, a produtora de cinema Sophie Mas percebeu que, ao se darem conta de que ela era francesa, as pessoas faziam sempre as mesmas perguntas: "Como devo usar o lenço no pescoço?", "Qual produto você usa cabelos?" ou "O que faz para ser magra?".
Aproveitando-se dessa curiosidade que mulheres (e também homens) do mundo todo têm sobre o comportamento de suas conterrâneas, Sophie convidou três amigas _bonitas, magras e bem vestidas, ou seja, tudo o que se espera de uma parisiense da gema_ para escreverem juntas um livro que trata de moda, beleza, cultura, gastronomia, sexo, relacionamentos e filhos.
Em "Como Ser uma Parisiense em Qualquer Lugar do Mundo" (ed. Objetiva, 272 pág., R$ 39,90), best-seller nos Estados Unidos e na França e que acaba de ser lançado no Brasil, Sophie, a jornalista Audrey Diwan, a escritora Anne Berest e a modelo Caroline de Maigret (atual embaixadora da grife Chanel e rosto da Lâncome) palpitam sobre todos esses temas.
"Como Ser uma Parisiense..." é o tipo de livro para manter por perto e reler suas sugestões ou piadas de vez em quando. Em textos leves, as autoras mesclam assuntos sérios, como o feminismo, a bobagens descritas em listas ou aforismos divertidos. Num deles, afirmam que é preciso estar sempre pronta para transar: "Domingo de manhã na padaria, ao comprar cigarros no meio da noite, ou esperando as crianças na frente da escola. Nunca se sabe".
As dicas de beleza tão requisitadas estão por toda parte. Não pega bem usar maquiagem carregada, exagerar nos acessórios e vestir peças muito coloridas. Em seus guarda-roupas, não entram calças jeans espalhafatosas, blusas que mostram o umbigo ("porque você não tem mais quinze anos"), salto baixo e bolsa falsificada. Elas pregam ser preferível passar frio usando um lindo trench coat Burberry, do que optar por aqueles terríveis casacos acolchoados "à la boneco Michelin", que acrescentam "pneuzinhos à cintura".
E, claro, se aproveitam do clichê internacional para declarar que "a moda domina o mundo, mas as parisienses dominam a moda". No final, riem de si mesmas: tudo isso é verdade? "Não importa. O mundo precisa de lendas".
Marie Claire conversou com Sophie Mas e Anne Berest num café em Paris e descobriu que elas são superfãs das brasileiras. "O estereótipo do Brasil é magnífico. Conheço muitas mulheres maravilhosas e elas não têm nada a ver com as francesas", disse Sophie.
Confira trechos da entrevista
Marie Claire - Qual a receita para ser uma parisiense em qualquer lugar do mundo?
Anne Berest - A parisiense quer ser a heroína de sua própria vida. Então ela se veste bem porque, quando estamos arrumadas, nos sentimos poderosas. Ela dramatiza seus casos de amor. Ela cria situacões de encontro e cultiva um ar misterioso. Ela sempre tem uma história divertida e emocionante para contar. Ela não aceita que tomem decisões em seu nome. Ela quer viver como num filme da "nouvelle vague".
Sophie Mas - A parisiense tem humor e sabe rir de si mesma porque, depois das situações difíceis, costumam acontecer coisas divertidas. Estamos sempre prontas para o que der e vier, seja pegar as crianças na escola ou encontrar um grande amor. Nosso estado de espírito é o de que devemos viver plenamente. Nossos amigos homens costumam falar que reconhecem uma parisiense por sua maneira de caminhar, que é determinada e diz "eu mesma cuido do meu destino, não importa quais serão as consequências".
MC - Por que mulheres de outros países buscam inspiração no modo de viver das francesas?
Anne - Em geral, as mulheres são curiosas umas pelas outras. Nós precisamos saber qual o segredo da brancura da pele das japonesas, por que as brasileiras são tão sexy... Nas francesas, as pessoas buscam a tradição do luxo e do glamour. E luxo não é necessariamente uma bolsa ou uma roupa cara, mas, sim, uma peça rara ou sofisticada. Pegue o exemplo de Loulou de la Falaise, que foi musa de Yves Saint Laurent: um dia, num café, ela pegou o prendedor de guardanapos de mesa e os colocou nos braços, como se fossem braceletes. Saint Laurent achou genial. A parisiense transforma algo comum em chique.
Sophie - Mulheres como as escritoras Françoise Sagan e Simone de Beauvoir ou a atriz Catherine Deneuve ajudaram a espalhar esse desejo. Elas são sofisticadas pela maneira de se vestir e a aparência, ou porque são divertidas, ou por seu trabalho ou ainda pelo modo como lidam com os homens. Tivemos a sorte de ter essas personagens como modelo cultural. Há também qualquer coisa nas ruas de Paris, onde vemos com frequência mulheres bem vestidas, que alimentam o desejo de ser como uma parisiense.
MC - O livro é como um manual, que ensina a cozinhar, dá dicas de lojas, mas também tem textos sobre o feminismo ou a maternidade. Por que abordaram tantos temas?
Anne - Para refletir quem somos: complexas, paradoxais, preocupadas por coisas fúteis ou profundas. Fizemos um inventário de tudo o que gostaríamos de palpitar, dividimos os assuntos por afinidade, escrevemos sozinhas e, depois, colocamos todos os textos juntos para dizer: "ah, isso não estou de acordo". Essas reuniões eram um bate-papo divertido, como se estivéssemos na cozinha, às 2h da manhã, fofocando após uma festa.
MC - Então o livro é resultado de suas experiências pessoais?
Sophie - Totalmente. Fomos honestas: Somos magras? Não muito. Fazemos esporte? Não gostamos de ir à academia, mas caminhamos bastante para desestressar. Fomos vigilantes para dizer e compartilhar a verdade.
Anne - Abrimos nossos corações. As fotos que ilustram as páginas são retratos nossos, de amigos e familiares. As receitas são minhas, e eu as preparo mesmo quando recebo amigos para o jantar. Ninguém inventou nada do que está ali.
MC - Falar sem pudores sobre a própria vida está entre os motivos pelo qual livros como o de vocês ou "Crianças Francesas não Fazem Manha", de Pamela Druckerman, fazem sucesso?
Sophie - Sim. Acredito que essa maneira franca de as francesas dizerem as coisas atrai as pessoas. Por outro lado, em conversas com Audrey, Anne e Caroline, concluímos que, uma parte do sucesso que a francesa tem ao lidar com as crianças ou os homens, deve-se ao fato de que somos femininas e feminista e assumimos essa dualidade.
MC - O que isso quer dizer: ser feminista e feminina?
Sophie - Ser feminina é aceitar que o homem abra a porta para você como uma forma de gentileza. É importante numa relação amorosa ou entre amigos que eles façam algumas coisas. Ser feminista é ficar furiosa porque os salários das mulheres aindam são mais baixos que o dos homens, e porque se você usar um certo tipo de roupa no trabalho pode ser acusada de ser sedutora. Também ainda há preconceito contra mães com filhos pequenos. Sua capacidade é questionada por isso.
MC - Vocês já sentiram essa misoginia na pele?
Sophie - Sim. Quando vou ao Festival de Cinema de Cannes, adoraria usar um lindo vestido de noite, como o das atrizes no tapete vermelho. No entanto, se eu quiser ter credibilidade com minha equipe, tenho de vestir um costume de homem. Eu amo me colocar um terno. Me inspiro em Yves Saint Laurent. Mas isso não deveria ser uma regra.
Anne - Encontrei muitas situações misóginas em meu meio, como escritora. Um jornal publicou um texto dizendo que eu tinha tentado seduzir um jornalista para ele fazer uma reportagem sobre meu livro. Além disso ser falso, poderia ter trazido consequências terríveis para minha vida pessoal e, acima de tudo, é degradante. Foi uma profunda humilhação.
MC - No capítulo sobre maternidade, vocês dizem que o filho deve ser um satélite na vida da mulher, e não o centro de seu universo. Como isso funciona na prática?
Sophie - É uma oposição ao modelo que diz que devemos ser unicamente mães. Somos mães, mas continuamos sendo mulheres. Somos sensuais e cultas. Me lembro que, ao ficar grávida, Anne disse que um filho não mudaria sua vida. Foi isso mesmo o que aconteceu. Não sei como ela faz para dar conta de todos os seus compromissos, mas ela faz mais coisas hoje do que antes de ser mãe.
Anne - Quando eu era criança, minha mãe viajava todo o tempo e eu adorava. Nunca sofri. Ao contrário: eram como umas férias. Eu fazia coisas bizarras como não escovar os dentes. As crianças precisam de pais felizes, não de pais perfeitos.
MC - Vocês falam muito sobre a herança cultural de suas mães a avós. O que uma mãe francesa ensina às filhas?
Sophie - Ela nunca diz à filha que ela encontrará o príncipe encantado. Esse homem pode até existir, não ser perfeito, mas charmoso. O que devemos falar a elas é: "não espere que esse homem mude sua vida". Você tem de fazer com que a vida seja como você quer que seja. Depois, as coisas acontecerão.
MC - Vocês acham que as mulheres parisienses são o oposto ou um contraponto ao jeito de ser das americanas de "Sex and the City", por exemplo?
Sophie - Caroline e eu vamos muito aos Estados Unidos e percebemos que, a principal diferença entre americanas e francesas é que elas começam as frases sempre dizendo "sim", enquanto nós, "não". Depois, pode ser até que a gente diga "sim". As americanas são otimistas e abertas. As francesas são um pouco fechadas, mas adoram o amor. É um clichê, mas é verdade. Acredito que nós nos copiamos muito. Não é uma oposição.
Anne - Há diferenças de curiosidade, mas muitas coisas que uso são inspiradas no modelo americano, que não é necessariamente o das mulheres de "Sex and the City".
MC - Esperavam tanta repercussão com esse livro?
Sophie - No final de três semanas nos Estados Unidos, entramos na lista de best-sellers. Em nosso perfil no Instagram, as pessoas postam imagens dizendo que o livro é "sua bíblia". Não esperavámos essa repercussão. Compartilhamos uma aventura divertida e mulheres dizem que as inspiramos a mudar de atitude.
MC - O livro terá uma sequência?
Sophie - Recebemos proposta para uma série, mas ainda não tivemos tempo de refletir. Eu estou finalizando um filme. Anne está escrevendo seu novo livro. Audrey está começando a fazer um filme. Caroline trabalha para a Lâncome. Vamos ler o projeto e pensar.